Benito Mussolini funda o movimento fascista, em 23 de março de 1919

Uma história italiana

Caio Romio Augusto
O Veterano
5 min readMar 24, 2021

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Benito Mussolini em discurso acalorado — domínio público

Há 102 anos, Benito Mussolini deu um passo considerável para consolidar o seu projeto de poder na Itália: fundou os Fasci Italiani di Combattimento (algo como Grupos Italianos de Combate, em português), que seria o embrião do Partido Nacional Fascista, criado dois anos depois. Começava uma verdadeira revolução, sem precedentes na Península Itálica desde a sua unificação em um só país, no século XIX.

O fascismo italiano tem suas raízes — mas não origens — no século XIX, com a unificação italiana. Nesse período, pensadores como Giuseppe Mazzini e Vicenzo Gioberti repercutiam visões de união do povo italiano e de seu protagonismo na história europeia. A região foi berço do Império Romano, do Catolicismo e da Renascença. Havia sido dividida, por séculos, em vários diferentes reinos, como Nápoles, Florença, Roma (Estados Papais), além da República de Veneza. Contudo, a invasão de Napoleão Bonaparte, no início do referido século, mudou todo o panorama político da região: as tradicionais famílias reais foram substituídas por familiares de Napoleão e reformas liberais foram implantadas na administração e na economia dos Estados, à imagem do que ocorreu em outros locais na Europa. Com a queda do imperador francês e a partilha territorial realizada no Congresso de Viena (1814), a mentalidade política dos italianos já havia sido profundamente alterada. Não fazia mais sentido que aqueles territórios, cujos povos eram unidos por uma língua, uma história e diversos elementos culturais em comum, permanecessem separados. Sendo assim, após décadas de disputas internas, em 1870 Roma é anexada à nova Itália, governada agora pelo rei Vittorio Emanuele II.

Faço agora um salto temporal para 1918, ano em que a Primeira Guerra Mundial terminou. A Europa estava, por óbvio, arrasada: mais de 17 milhões de vidas ceifadas, além das cidades devastadas e das economias destruídas. A Itália, mesmo saindo como vencedora do conflito, não se viu satisfeita. Isso se deu porque suas reivindicações territoriais, que a motivaram a deixar a Tríplice Aliança e a lutar pela Tríplice Entente, não foram atendidas em completude.

Tropas italianas nos alpes — domínio público.

Nesse cenário, entra Benito Mussolini: um ex-militante marxista desvirtuado pela guerra. Mussolini foi membro ativo do Partido Socialista Italiano e chegou a ser editor-chefe do jornal Avanti!, onde ganhou o apelido de Duce pela primeira vez e era admirado até mesmo por Gramsci e Lênin. Porém, foi expulso ao apoiar a participação da Itália na Primeira Guerra Mundial, contrariando a neutralidade pregada pela maioria do partido. Benito defendia a conquista dos territórios austríacos de Vêneto, no nordeste da península itálica, e passou a dar mais enfoque ao nacionalismo do que à luta proletária — algo oposto à ideologia socialista, anti-estatal e anti-nacionalista, que visa apenas ao empoderamento coletivo de todo o proletariado do mundo e ao fim das fronteiras nacionais.

Elenco aqui três grandes razões para o fortalecimento do fascismo no pós-guerra. A falta dos referidos territórios contribuiu para a ideia fascista do spazio vitale (espaço vital), que, assim como Ratzel e Hitler pensaram para a Alemanha, pregava um espaço territorial necessário para o povo italiano se desenvolver em plenitude. Junto a isso, as tecnologias bélicas empregadas na Grande Guerra impressionaram muito os seguidores de Filipo Marinetti, o qual, em seu Manifesto Futurista (1909), louvou o progresso tecnológico, a agressividade da guerra e a destruição do passado para a chegada do futuro. Por último, a profunda crise socioeconômica do pós-guerra assolou a Itália e fortaleceu discursos contra o liberalismo econômico no país.

Perceba aqui as variadas faces do Fascismo, todas formando uma única fasces. A fasces é um símbolo etrusco, incorporado pelos romanos, que se constitui em várias varas de madeira que, juntas, formam uma estrutura rígida, associada ao poder estatal. Há aqui o aspecto da força da coletividade, da união de todos em torno de um objetivo em comum da nação. Ademais, a retomada de um símbolo do Império Romano sinaliza para um futuro grandioso e, juntamente com a perspectiva futurista, bélico para a Itália.

“Fasces” sustentando um machado — domínio público

O Fascismo era uma alternativa política anti-liberal e anti-socialista, na medida em que rejeitava o individualismo liberal e a luta de classes marxista. Opôs-se também à democracia, vista como um governo da maioria — e não da coletividade. Sendo assim, pregava um Estado forte e dirigente de diversos aspectos de seu povo, o qual deveria ser unido para concretizar os objetivos da Itália. É como se os nacionalistas do século XIX se revoltassem contra a não intervenção estatal na esfera econômica e implantassem uma ditadura para proteger o povo dos males do socialismo (contém ironia).

Sendo assim, em 23 de março de 1919, em uma reunião com seus principais apoiadores em Milão, Mussolini funda os Fasci Italiani di Combattimento. O grupo era formado majoritariamente por ex-militares frustrados com a decadência italiana, além de desempregados e jovens de classe média. Por meio da ideologia, da liderança de Mussolini e do emprego ilegal de violência contra socialistas, o movimento ganha força e começa a se espalhar pela Itália. Dois anos e meio depois, em novembro de 1921, é fundado o Partido Nacional Fascista e, em outubro de 1922, ocorre a Marcha sobre Roma, que resulta na tomada de poder pelos camisas-negras — como também eram chamados os fascistas.

Todos sabemos que fim levou Mussolini: morto por guerrilheiros e pendurado pelos pés na Piazza Loreto, em Milão, onde ficou exposto por dias. Sua obra influenciou ditaduras em todo o mundo, a começar pela Alemanha Nazista. O próprio direito brasileiro já possuiu profunda influência do direito fascista — é inegável a relevância de Emilio Betti, maior jurista do Fascismo, para o pensamento jurídico tupiniquim. Apesar de ter tido impactos iniciais positivos na economia italiana, com uma drástica redução do desemprego e um aumento da industrialização do país, o Governo Fascista pecou em pontos que, hoje, são indispensáveis para países desenvolvidos: a Democracia, o Estado de Direito e o respeito aos Direitos Humanos. Freud nos ensinou que a nossa civilidade é moldada a partir de traumas ocorridos na infância. A humanidade, assim me aparenta, é uma eterna criança.

Referências:

A DOUTRINA DO FASCISMO, de Benito Mussolini e Giovanni Gentile — 1932.

HOBSBAWM, Eric. A era dos extremos. O breve século XX. 1914–1991. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

https://ensinarhistoriajoelza.com.br/linha-do-tempo/fasci-italiani-di-combattimento-semente-do-partido-fascista/ — Blog: Ensinar História — Joelza Ester Domingues

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Caio Romio Augusto
O Veterano

Estudante de Direito da FGV Direito Rio, cuiabano e quase carioca. Apaixonado por política, História, cultura e artes num geral. Cat person e fã do Al Pacino.