Série Modernidade | A Comunicabilidade das Emoções na Modernidade

A vida mental do indivíduo urbano: uma evolução da interação social e a integração com a tecnologia

Fernanda da Costa
O Veterano
6 min readJul 28, 2021

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Online. Offline. Bloqueado. Desbloqueado. Estas são as opções simplórias da interação social dos indivíduos nos moldes hodiernos, quando as pessoas estão sujeitas a conexões mentais corriqueiras e pouco profundas. Um click e basta. Veloz, rápido e prático. Próximo, por favor.

A vida moderna possibilita uma velocidade nunca antes vista na assimilação de informações: o processo histórico vem possibilitando o rompimento de antigas estruturas e a criação de novos sistemas, nos quais a marca central é a concepção de tempo e a monetização das relações. O tempo mudou, o tempo ficou, o tempo se foi. Nada mais seria tão monótono quanto antes. A vida na cidade veio para ficar, e com ela também a lógica que pautava a maneira de lidar com o outro.

Georg Simmel , um filósofo e sociólogo alemão, viveu entre o século XIX e XX, e sua produção sociológica abordou as relações entre a metrópole e a vida mental, em cujos estudos acreditava que os processos menores e cotidianos entre os indivíduos eram os responsáveis por revelar a chave mestra que movimenta a sociedade, ou melhor, a “sociação”. Dessa forma, as relações sociais são as que produzem um movimento interminável na estrutura da sociedade e, assim, a subjetividade dos indivíduos também sofre alteração, quando num cenário anterior, mais rural, as conexões emocionais eram mais profundas, e com extensões lentas ,“onde todos conhecem as pessoas ao seu derredor”.

Conforme o conceito de produtividade foi posto em cheque nas relações cotidianas, ou seja, obter o máximo de resultado em menor tempo, não haveria mais tempo para lidar com tantos estímulos simultaneamente, a percepção do tempo havia corrido! E, com ele, foram-se os papos mais longos, a comunicabilidade mais densa e as relações mais objetivas. Nele, o “valer a pena” seria bem calculado, afinal, é o tempo da moeda.

Com a monetização do interacionismo social, no cenário da economia do dinheiro, as emoções também passaram a ser controladas e, em casos de desenvolvimento de uma relação mais sólida, percebe-se o risco do envolvimento emocional.

A maneira de responder a essas situações passa a ser calculado, com seus lucros e prejuízos. Investe-se no intelectual mais do que no campo emocional, Georg Simmel explica que a personalidade dos indivíduos frente aos cenários corriqueiros do dia a dia torna-se cada vez mais retraída. Essa atitude preservaria a subjetividade das pessoas, pois estas não seriam capazes de lidar com tantos estímulos neurais e, portanto, decidiram ignorar algumas informações e realidades — o caráter blasé. A vida moderna exige a medida objetiva, a pontualidade, o cálculo; o uso da mente mais do que do coração, a fim de alcançar a maior assertividade. Afinal, não haveria tempo para assimilar tudo.

Então, qual seria a saída? A falta de reação. Sim, tornar-se indiferente frente a situações que poderiam ocorrer no caminho de um metrô, por exemplo. A casa amarela na esquina, o morador de rua na calçada, a vizinha que está no mesmo ponto que você todos os dias — estes são casos que podem fazer parte do seu dia a dia e, mas nos quais você talvez nunca reparou. Esses são traços da vida moderna. A informação de ontem já está obsoleta, próximo lançamento, por favor.”

Mudança na concepção de tempo, relações humanas e comunicação.

A percepção do tempo na modernidade passa a ser líquido, e é ponderado pelo imediatismo. Há uma constante mudança na concepção de tempo. Um caso de planejamento a longo prazo e projeto de vida é estranho ao ambiente líquido. A continuidade é frágil, o tempo torna-se pontilista, fragmentado e se transforma numa cultura presentista. Esse é o pensamento do teórico social polonês Zygmunt Bauman, em sua obra “A Vida para Consumo”, de 2007. Nada é feito para durar. Houve a transformação de vários aspectos da vida moderna, a integralização dos avanços no capitalismo, o espaço na cidade, as relações de consumo e a noção de individualidade, além das relações de dominação para além de chefe e operário e as relações matrimoniais.

A comunicação na era da modernização também mudou. O início foi meio difuso, com a vinda da Revolução Industrial instaurando velocidade e produtividade no cronômetro da fábrica. Também houve a Revolução Francesa, com a instauração de um novo regime, enquanto o lugar e o ofício da pessoa não seria mais determinista de sua trajetória — novos hábitos foram criados. Durante esses tempos, Bauman apresenta a modernidade como modernidade líquida, na qual o grau de liquidez torna-se especializado em derreter estruturas que já foram percebidas em um molde diferente, trazendo novos moldes sólidos, mas em contínuo processo de criação e destruição.

Na segunda metade do século XX, os pioneiros da modernidade foram verdadeiramente decepcionados. Eles estavam em busca de uma nova estrutura, que resultasse na “sociedade perfeita”. Esta, por sua vez, seria aquela na qual o antigo regime não conseguiu abarcar, especialmente com a crise da democracia representativa do Estado, Guerras em escala mundial, desigualdades e incapacidade do mercado em lidar com isso. Além disso, podemos inferir que os avanços da tecnologia e a globalização inauguram a pós-modernidade e demandam nova comunicabilidade dos fatos rotineiros. Como lidar com os sentimentos de incerteza da população? Afinal, o que estavam sentindo os indivíduos? Os relacionamentos não estariam isentos a tais mudanças? Alguma semelhança com as manifestações de emoções no advento da realidade virtual?

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Passamos então a falar sobre emoções digitais, reações tão singulares de interação face a face, nas quais seriam transpostas para um universo paralelo — o ciberespaço. Para falar do termo popularizado por Pierre Lévy em 1973, comentamos que as redes sociais que estão localizadas no ciberespaço, como uma janela que se abre ao usuário, por meio da qual é possibilitado reagir aos posts de seus interlocutores — do outro lado da tela.

Emoctions e curtidas: elementos preparados com a finalidade de dar um retorno ao autor sobre a popularidade de seu conteúdo apresentado. Se gostei, sigo e adiciono, caso contrário, posso excluir e bloquear, até denunciar. Sim, há sanções no ciberespaço, e a ‘cultura do cancelamento’ é um bom exemplo, mas isso é assunto para um outro texto.

A vida em rede: é sobre esse ambiente que estamos falando, ambiente no qual a conexão e a desconexão são instantâneas, especificamente a desconexão — isso faz parte da modernidade líquida atrativa, à luz dos estudos de Bauman. Há uma liquidez nas relações online, não havendo na realidade offline a possibilidade de cortes de interatividade tão rápidos, sem considerar uma justificativa para tal ruptura. Mais bloqueios, mais rupturas, mais liberdade, outras conexões.

As novas modalidades no estudo das interações sociais, num contexto tecnológico, também poderiam ser resgatadas. Georg Mead, sociólogo interacionista da Escola de Chicago, em um texto de 1982 apresentou estudos na ação interpessoal e observou como as ações dos indivíduos estimulam reações mútuas, valorações e ressignificações, conjunturas que que agora associamos ao ciberespaço. Ou seja, dentro do contexto das novas tecnologias e da realidade da rede social encontramos reflexos e interações da dinâmica da sociedade fora da ‘tela’ , valores que influenciam os dois universos , e não apenas em jargões, mas como também na lógica da vida cotidiana.

A fugacidade do real e os efeitos do virtual nas relações humanas são marcadores do tempo presente, aquelas relações que são mutáveis, não engessadas, com novas possibilidades. As operações do mercado se assemelham às relações afetivas, o número de opções num catálogo de produtos e serviços aproximam-se a um site de relacionamento com um álbum de parceiros, um verdadeiro site de compras. O interessante é que, dentre todas essas circunstâncias, Bauman não conseguiu definir o que somos, e sim o que não somos estáveis.

Referência Bibliográfica:

BAUMAN, Z. Vida líquida, Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2009.

CASTELLS, M., A Sociedade em Rede, São Paulo: Editora Paz e Terra, 3 edição, 2000 (1999).

SIMMEL, Georg, A metrópole e a vida mental. Em VELHO, Otávio G. (org), O fenômeno urbano, Rio de Janeiro: Guanabara, 1987 (1902).

Mead, G. H. Espiritu, persona y sociedad: desde el punto de vista del conductismo social. Barcelona , Paidos, 1982 (Trabalho original publicado em 1934)

Pierre Lévy. Cibercultura. 34 ed.Rio de Janeiro, 1999.

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Fernanda da Costa
O Veterano

Cientista social (FGV), atua na Secretaria Executiva do Instituto Guetto, além de atuar na Escola da Ponte para Pretxs. Atua na área de Diversidade e Inclusão.