A “Netflixização” dos games

Yuri Giácomo L Barrón
O Veterano
Published in
7 min readMar 4, 2022

A mudança no mercado de games onde a compra individual dá lugar ao serviço de assinatura.

Imagem disponível no portal da Xbox

A Netflix, certamente, é uma das empresas mais importantes do cenário cinematográfico atual. Inicialmente, a companhia consistia de uma locadora de aluguéis de DVDs online, que não chegava perto do que se tornaria no futuro. Em 2007, a empresa lançou seu serviço de streaming, no qual os seus assinantes poderiam assistir qualquer um dos filmes disponíveis no catálogo a qualquer momento em plataformas como consoles de videogames e computadores, que poderiam ser conectados à televisão. Graças a esse modelo de negócio, o jeito que assistimos filmes e séries mudou completamente: não alugamos ou compramos mais o filme específico que queremos assistir, mas abrimos nossa plataforma de streaming de nossa preferência (Netflix, Amazon Prime Vídeo, Disney+, HBO Max …) e procuramos no imenso catálogo um filme de nossa escolha.

Assim como a Netflix modernizou o cinema quando disponibilizou o acesso a um catálogo gigantesco de filmes por meio de um sistema de assinaturas, a empresa, desde o ano passado, tenta replicar sua fórmula no mercado de jogos. No entanto, diferente do ocorrido em 2007, a empresa não é mais pioneira nesse ramo. Empresas estabelecidas no mercado já estão nessa corrida para fornecer jogos, não só por meio de assinaturas de catálogos, mas também por serviços de streaming. Portanto, é interessante saber um pouco mais sobre essa indústria que, sozinha, já é o dobro da indústria cinematográfica e fonográfica juntas, de modo a ser o maior ramo da indústria do entretenimento .

O mercado de games divide-se, primeiramente, a partir do meio no qual se joga : Mobile (celulares e tablets), PC (computadores) e Console (aparelhos de mesa como os Xbox e PlayStation). Cada segmento possui empresas e dinâmicas próprias, apesar de certa intermodalidade (principalmente entre PC e Console, que em geral compartilham obras entre si). Por exemplo, para se jogar online multijogador nas plataformas do PC e no Mobile normalmente não se paga, enquanto nos consoles o padrão se tornou ter uma assinatura mensal para esse serviço.

A Netflix íntegra a indústria por meio do mercado mobile, no qual Google e Apple já oferecem seus serviços para Androids e IOS, respectivamente. As empresas possuem um modelo de negócio diferente entre si. O Google Play Pass oferece um catálogo de jogos que já estão disponíveis na sua loja de aplicativo (Play Store), porém você poderá acessá-lo todos esses games somente pagando o valor da assinatura (ao invés de pagar individualmente por cada aplicativo). O Apple Arcade, no entanto, propõe criar um catálogo diferenciado com jogos exclusivos para esse serviço. A estratégia da Netflix se assemelha mais àquela adotada pelo Apple Arcade, como oferecer jogos exclusivos para os assinantes do serviço, de forma a agregar mais valor a seu catálogo de mídias — filmes, séries e, agora, games.

Agregar valor ao serviço é a palavra-chave desse modelo de negócio. A busca por valorizar o serviço não só incentiva a maior oferta, mas também a melhoria da qualidade da oferta. Por esse motivo, dentro do movimento de “Netflixização” dos games, a Xbox é considerada por muitos a líder desse estilo de negócio. Assim como o Disney+ produz obras dos Super Heróis da Marvel ou a Amazon Prime Video produz uma nova série baseada na Terra Média dos Senhor do Anéis, a Xbox vem adquirindo estúdios de desenvolvimento de games para que produzam jogos que agreguem mais valor ao seu catálogo. E não é só em estúdios pequenos que a empresa está interessada. A Xbox não só concluiu a aquisição da ZeniMax Media(4), conglomerado dono da desenvolvedora Bethesda, por US$ 7,5 bilhões, como também anunciou a compra da Activision Blizzard (5) pela bagatela de US$ 70 bilhões, tornando-se a maior holding de games e proprietária de franquias como Fallout, Elder Scrolls (Skyrim) e Doom pela ZeniMax, além de Call of Duty, World of Warcraft e OverWatch pela Activision Blizzard, todas esses títulos com inúmeros fãs pelo mundo.

Aquisição da Activision Blizzard pela Xbox. Imagem disponível no portal de notícias oficial da Xbox

Sob o ponto de vista do consumidor de Console e PC, esse movimento é muito atrativo. Atualmente, um jogo de grande orçamento triple A (o equivalente a um Blockbuster para os cinemas) está na faixa de US$ 60~70, o que para terras brasileiras pode chegar até R$ 300. Considerando um serviço como Xbox Game Pass no pacote mais completo, que incluem para PC e Console, custa ao mês R$ 45 ou R$ 30, caso o cliente opte pelo serviço só para umas das plataformas. Dessa forma, um ano do serviço seria capaz de comprar cerca de dois jogos grandes, a diferença sendo que o consumidor do serviço poderá não só jogar esses dois jogos, mas também qualquer um de um catálogo com mais de 100.

No mercado mobile é um pouco mais difícil analisar a vantagem comparativa entre assinar ou não o serviço, tendo em vista que, em suma, a maioria dos jogos mobile são free-to-play, ou seja, gratuitos. Por esse motivo, a forma de monetização nesses games costumam ser por meio ou micro transações, compras de itens dentro dos jogos (sendo parte do gameplay ou somente cosmético), ou por propaganda (que muitas vezes pode ser bloqueada através de pagamentos). Dessa forma, é difícil calcular quantos dos jogadores estariam dispostos a pagar a mais por um jogo antes mesmo de jogá-lo. No entanto , considerando não só o crescente número de jogadores, mas também o crescimento do faturamento desse segmento, certamente há possíveis clientes para esse serviço.

Porém, caso tente utilizar a maioria desses serviços de “Netflix de Games”, observará que os jogos, diferentes dos filmes e séries, terão que ser primeiramente ser baixados por meio da loja digital de sua plataforma. Para explicar o motivo de tal modalidade ao invés de “streamar” diretamente o game, possibilitando jogá-lo em qualquer dispositivo, observamos a dificuldade entre a transmissão enfrentada. Uma das dificuldades é a estrutura de internet atual (o que piora em países periféricos como Brasil) tendo em vista que os jogos exigem uma maior capacidade da conexão de internet para que funcionem razoavelmente bem. A latência (tempo entre comando e resposta na tela) é um fator importantíssimo em jogos, principalmente naqueles mais dinâmicos de ação onde um microssegundo pode ser a diferença entre desviar de um golpe ou mesmo acertar o inimigo correndo. Outro problema é o consumo de internet, principalmente onde a banda larga é limitada, como nos EUA, no qual um serviço de streaming de jogos como o Google Stadia (projeto da Google de streaming de qualquer plataforma com processamento diretos nos servidores da Google) chegou a consumir 20 GB por hora em resolução 4K e 60 fps (quadros por segundo). Para efeito de comparação, segundo a própria Netflix seu serviço de streaming gasta 7GB na mesma resolução (Ultra HD). Dessa forma, jogar diariamente algumas horas poderia acabar até mesmo com os planos de internet mais gordos. Diante o problema de latência e o alto consumo de internet, serviços de streaming possuem limitações para se tornarem produtos populares.

Compatibilidade do serviço de streaming Google Stadia. Imagem disponível no portal do Google Stadia

No entanto, muitas empresas enxergam o streaming como uma tendência para o futuro, já que a possibilidade de jogar qualquer game independente da capacidade da plataforma disponível faria com que o consumidor não precisasse mais investir periodicamente na modernização do seu equipamento. Observando esse futuro, Google, Amazon e Microsoft já oferecem betas (testes) desses serviços streaming de jogos, sendo eles respectivamente: Google Stadia, Amazon Luna e Xbox Cloud Gaming. O Google Stadia teve seu lançamento cercado de controvérsias, tanto devido à instabilidade do serviço quanto ao modelo de negócio, no qual cobrava o preço cheio de jogos para jogá-los no serviço que, por sua vez, é de graça. Sob o ponto de vista do consumidor, é menos preferível a compra do jogo dentro da plataforma streaming do que numa loja tradicional, tendo em vista não só da propriedade sobre o arquivo mas esse lhe garantir melhor performance ao jogar. O Amazon Luna preferiu realizar o estilo tradicional de outros serviços no qual paga-se pela assinatura, porém integrados com a Twitch (adquirida pela Amazon 2014), que é a principal serviço de transmissão de lives (vídeos ao vivo), que por sua vez é o local de trabalho de vários streamers de vídeo games. O Xbox Cloud Gaming por sua vez é oferecido aos usuários do Xbox Game Pass em seu plano mais completo (Ultimate), contendo maioria dos títulos na biblioteca do Xbox Game Pass.

Independentemente de qual for a plataforma que você usa para jogar, atualmente existem serviços de catálogo disponíveis para seu uso. Se você joga no console, a PlayStation oferece o PS Now e o PS Plus Collection (caso tenha o videogame da nova geração), a Nintendo oferece o Nintendo Switch Online e a Xbox oferece o Game Pass. Os vidrados no PC tem não só o Game Pass como ainda a Ubisoft+ e a EA play. E os descontraídos do mobile, fora o Google Play Pass e o Apple Arcade, ainda tem a Netflix. O importante é jogar!

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