Série Moda | A perseverança da indústria da moda

Lilian Kingston Freitas
O Veterano
Published in
3 min readNov 19, 2020
Foto disponível em Unspash

Muito se discute sobre os impactos da COVID-19 sobre a economia: a desaceleração do consumo devido ao isolamento social, a falta de liquidez em empresas, o desemprego, a queda na renda das famílias e a ampliação dos gastos governamentais, entre outros. Visivelmente, a mudança no cotidiano dos residentes de países onde o vírus esteve – e está – em circulação alterou significativamente o padrão de consumo desses indivíduos. Dessa forma, a eclosão da pandemia acarretou uma copiosidade de repercussões econômicas.

Nessa perspectiva, vale ressaltar que a pandemia não afetou de maneira uniforme todos os setores da economia. Claramente, a indústria farmacêutica foi estimulada nesse período, devido à crise atual ser, fundamentalmente, uma crise sanitária. Na contramão, o setor do turismo vivenciou uma queda sem precedentes na quantidade de viajantes internacionais. Em particular, este texto trata da relação da moda com a pandemia.

Elemento surpresa

Para Marc Jacobs, estilista internacionalmente conhecido, “Uma coisa interessante da moda é o elemento surpresa – as pessoas não sabem o que querem, apenas sabem quando a veem”. Com certeza, o inusitado sempre teve uma presença relevante na indústria da moda, com a constante inovação dos estilos, tecidos, cores e técnicas usados na confecção. Dessa maneira, o “elemento surpresa”, típico do mundo da moda, não costuma gerar grande comoção nesse setor, no qual a imprevisibilidade é, em verdade, esperada.

Geralmente, o componente imprevisto é interno à própria indústria – desde o lançamento de uma coleção de inverno com cores de verão à produção de roupas com impressoras 3D. Diferentemente, a eclosão da pandemia da COVID-19 foi um fator externo ao setor e, por essa razão, repercutiu na moda de forma verdadeiramente inusitada.

O impacto da pandemia e a reação dos modistas

Quase da noite para o dia, em um período de poucas semanas, a epidemia do novo coronavírus atingiu alcance mundial. Ao redor do mundo, governantes implementaram restrições ao deslocamento social, com o objetivo de evitar aglomerações e diminuir os índices de contágio do vírus. Embora tenham sido medidas muito necessárias do ponto de vista epidemiológico, as repercussões econômicas foram, inicialmente, catastróficas. Em particular, na indústria da moda, sucederam o cancelamento de eventos, a suspensão da atividade produtiva e o pior desempenho do comércio tradicional como as primeiras consequências da pandemia.

Considerando a necessidade de conter aglomerações para evitar a disseminação viral, naturalmente ocorreu o embargo a eventos de grande porte, como desfiles. Entretanto, antes mesmo de eventos serem cancelados, o coronavírus já estava impactando de forma muito negativa o desempenho internacional da moda. Enquanto a epidemia se alastrava entre os países asiáticos, compradores chineses não estiveram presentes nas semanas da moda de Nova Iorque, Paris e Milão. A ausência desse público, considerando ser a China responsável por um terço do consumo de luxo mundial, diminuiu consideravelmente o sucesso comercial das coleções desta temporada.

No âmbito nacional, a São Paulo Fashion Week, que aconteceria no fim de abril, foi cancelada. A princípio, o futuro da quadragésima nona edição da semana da moda na capital paulista era incerto. Entretanto, a postergação do evento foi confirmada e, na primeira semana deste mês de novembro, o SPFW ocorreu, com formato inédito: cobertura digital de todos os desfiles e transmissão dos mesmos no YouTube. Embora o evento tenha sucedido sete meses depois do esperado, a indústria da moda não se permitiu ser embargada pelo vírus.

A adoção de modelos digitais e híbridos em desfiles não é a única estratégia adotada por modistas para impedirem a pandemia de obstruir o curso da indústria. Em verdade, a reação mais evidente no setor às medidas de distanciamento social – e consequente esvaziamento das lojas físicas – foi o escalamento do comércio online. A partir dos meses de março e abril, marcas internacionais e locais investiram pesadamente no e-commerce, com resultados impressionantes: a taxa de crescimento das vendas digitais no setor corresponde a 95,27% do comércio anterior.

Assim, a indústria da moda persevera em sua atividade, mesmo diante de todas as adversidades sociais e econômicas enfrentadas como consequência da pandemia. Nesse cenário conturbado, com milhares de pessoas sofrendo com problemas psicológicos e batalhando a insegurança econômica, a persistência da moda – apontada por Alexander McQueen, criador de uma das marcas de maior renome internacional, como uma forma de escapismo – oferece uma dose de contentamento muito necessária.

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