A Reeleição do Presidente na Polônia

Retrato de um país polarizado

Gabriel Thomas
O Veterano
8 min readJul 22, 2020

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Presidente Reeleito da Polônia, Andrzej Duda. Por Kancelaria Sejmu

No segundo turno da eleição presidencial polonesa, ocorrido em 12 de julho, o presidente titular ultraconservador, Andrzej Duda, garantiu sua reeleição com uma margem apertada, contando com 51% dos votos, frente aos 49% de seu oponente mais progressista, Rafał Trzaskowski. Nas semanas precedentes a esse pleito, o acirramento da disputa e a surpreendente campanha do opositor Trzaskowski haviam sugerido para muitos analistas que a onda política do nacional-populismo estaria se esgotando. No entanto, a reeleição de Duda é um indício de que essas esperanças ainda eram prematuras.

Mapa 1: A votação no segundo turno por distrito. Em azul estão os distritos que votaram no candidato Duda, e, em laranja, os distritos que votaram no candidato Trzaskowski

O sistema eleitoral polonês se caracteriza pela eleição presidencial em 2 turnos para um mandato de 5 anos, caso no primeiro turno nenhum candidato tenha a maioria absoluta dos votos. Embora na Polônia o chefe do Poder Executivo não tenha tanto poder legislativo, como o de editar decretos-lei, ele ainda tem poder de veto. Desse modo, é essencial uma boa articulação do presidente polonês com o Parlamento a fim de pôr em prática a sua agenda.

Ademais, desde 2005 há dois partidos políticos hegemônicos: o Lei e Justiça (PiS), que endossou e financiou a campanha eleitoral de Duda — embora ele seja um independente –, e a Plataforma Cívica (PO), do candidato Trzaskowski. Enquanto o PiS é um representante dos setores de direita mais extremistas, seguindo a agenda nacional-conservadora, o PO se alinha à direita mais centrista, adotando pautas liberal-conservadoras e pró-União Europeia.

De 2010 a 2015, a Polônia foi governada por Bronisław Komorowski, do PO, que pouco focou na redução das desigualdades regionais do país e acabou sendo derrotado nas eleições de 2015, das quais Duda saiu vitorioso. Na agenda econômica de seu governo, Duda e o PiS introduziram políticas econômicas desenvolvimentistas de bem-estar social que tiraram muitos poloneses da pobreza, principalmente nas comunidades rurais. Um exemplo é o programa “Família 500+”, por meio do qual o governo concede uma renda mensal de aproximadamente 110 euros para cada criança de famílias de baixa-renda. Além disso, o governo de Duda foi marcado por uma série de posicionamentos xenofóbicos, antissemitas e homofóbicos como uma forma de atrair apoio em um país predominantemente católico e conservador.

Rafał Trzaskowski (PO) é desde novembro de 2018 o prefeito de Varsóvia, a maior cidade e a capital do país. Embora a sua candidatura à presidência só tenha sido oficializada em 15 de maio de 2020, o clima de tensão entre Trzaskowski e o governo liderado pelo PiS remonta ao ano anterior. Em 18 de fevereiro de 2019, Trzaskowski assinou uma declaração em defesa de direitos da comunidade LGBT, comprometendo-se a seguir as diretrizes da OMS por meio da integração da pauta LGBT ao currículo de educação sexual das escolas de Varsóvia. Em resposta, os setores mais conservadores da sociedade, sob liderança de políticos do PiS, reagiram à declaração com uma série de atitudes homofóbicas que consolidaram o cenário de polarização que se instalava no país.

As “zonas livres de ‘ideologia LGBT’” e a polarização:

Ameaçados pela contínua perda de poder da Igreja Católica nos grandes centros urbanos da Polônia, um dos países mais católicos da Europa, mídia e políticos ultraconservadores poloneses reagiram negativamente à declaração assinada por Trzaskowski. O líder do PiS, Jarowslaw Kaczynski, afirmou que direitos LGBT seriam uma “importação de valores estrangeiros” que ameaçariam a própria continuidade do Estado polonês. Diante desse cenário, líderes regionais iniciaram um movimento de classificar suas respectivas regiões como “zonas livres de ‘ideologia LGBT’” — um conceito espantoso que evoca à memória o termo “Judenfrei”, cunhado por Joseph Goebbels para se referir às regiões de onde os judeus haviam sido expulsos na Alemanha Nazista.

Mapa 2: Zonas autodeclaradas “livres de ‘ideologia LGBT’” até janeiro de 2020

De acordo com a escritora polonesa Agnieszka Graff, a comunidade LGBT substituiu na Polônia os imigrantes não-europeus como o principal alvo dos políticos ultraconservadores. Visando à mobilização dos setores mais religiosos e tradicionais da sociedade — para assim consolidar suas bases eleitorais –, esses políticos precisam produzir a noção de que haveria um “inimigo comum” da sociedade polonesa, à maneira populista de se fazer política. Nesse sentido, a comunidade LGBT, enquanto grupo minoritário cujos direitos são constantemente violados, se apresentou como o melhor bode expiatório à disposição para perpetuar essa guerra cultural.

As disparidades locais: Polônias A e B

A comparação do mapa de zonas que se autodeclararam “livres de ‘ideologia LGBT’” ao mapa de regiões em que o presidente Duda obteve maioria nas últimas eleições sugere que a porção leste do território seria mais conservadora e tradicionalista. De fato, deve-se fazer uma importante distinção econômica e cultural entre as regiões do atual território polonês, diferenciação essa que tem bases históricas. Por convenção, essas regiões são chamadas de Polônia A e Polônia B.

Em 1569, o Reino da Polônia e o Grão-Ducado da Lituânia se uniram através da União de Lublin, formando assim a República das Duas Nações, cujo sistema político era o de uma “democracia dos nobres”. Nesse sistema, o poder do monarca era reduzido e o Poder Legislativo era controlado pela nobreza através de um Parlamento, o Sejm. No entanto, ao longo do século XVIII, a República das Duas Nações deixou de existir devido às Partilhas da Polônia — 3 grandes partilhas de seu território entre o Império Russo, o Império Austríaco e o Reino da Prússia. Dessa forma, a Polônia deixa de ser um Estado soberano em 1795, voltando a existir apenas em 1918–123 anos depois — , ao final da Primeira Guerra Mundial.

Considerando que esses territórios que atualmente constituem a Polônia estiveram divididos por tanto tempo entre diferentes nações, é de se esperar que existam marcantes disparidades entre essas regiões polonesas. A principal diferença se dá entre os territórios da Partição Prussiana — que ficam justamente na porção oeste do território polonês — e os territórios das Partições Russa e Austríaca.

Economicamente, a Partição Prussiana era mais desenvolvida do que a Russa e a Austríaca. Dessa forma, quando o Estado Polonês voltou a existir, em 1918, as disparidades regionais eram um aspecto marcante do país: a oeste, havia maior desenvolvimento econômico em razão de maior industrialização e infraestrutura mais desenvolvida. Enquanto isso, o leste se constituía principalmente de regiões rurais. Atualmente, essas disparidades se perpetuam, determinando assim a separação entre Polônia A (a oeste do rio Vistula), mais desenvolvida e metropolitana, e Polônia B (a leste do Vistula), mais pobre e rural.

Mapa 3: Malha ferroviária polonesa em 1953. A maior densidade no oeste é resultado da industrialização da Partição Prussiana

As diferenças entre Polônias A e B se expressam particularmente nos padrões de votação dessas regiões: desde 2007, a Polônia A tende a votar no PO, enquanto a Polônia B se aproxima mais de políticos do PiS. Isso se deve ao fato de que, embora a Polônia tenha dobrado o seu PIB desde 1990, os frutos desse sucesso econômico não foram igualmente distribuídos entre as regiões do país, mas se concentraram nas regiões que já apresentavam melhor infraestrutura.

Desse modo, as regiões ricas e metropolitanas da Polônia A aproveitaram os benefícios de se ter uma economia globalizada, enquanto as regiões mais rurais e de pequenas cidades da Polônia B amargaram perdas diante de indústria e comércio locais declinantes. Nesse sentido, a frustração do eleitorado com o governo do PO, que pouco fez para ajudar as comunidades polonesas atrasadas, levou à derrota para o PiS nas eleições presidenciais de 2015.

Mapa 4: O mapa das regiões que votaram no PO (em laranja) e no PiS (em azul) nas eleições de 2007 para o Senado mais uma vez reforça essa divisão entre oeste e leste — Polônia A e Polônia B.

A divisão cultural e a polarização:

Mais do que uma divisão meramente territorial, a distinção entre Polônias A e B deve ser entendida através de um fator cultural. Os grandes centros urbanos cosmopolitas atraem mais jovens e estrangeiros, de modo que seus habitantes estão em maior contato com a diversidade cultural e, portanto, tornam-se mais liberais em assuntos da esfera privada. Já nas pequenas cidades e nas zonas rurais, onde a população é mais idosa e o tradicionalismo católico se mantém inabalável, o ambiente é propício para que o conservadorismo floresça.

Essas divisões culturais foram largamente exploradas pelos políticos do PiS e por Duda para garantir a sua vitória, fomentando a guerra entre o novo e o velho, entre o progresso e o retrocesso, e, ainda, entre a cidade e o campo. Para afastar o debate eleitoral das políticas antidemocráticas que já estão em curso — como a revisão do Poder Judiciário polonês visando ao desmantelamento da imparcialidade e da independência desse Poder –, Duda inflamou essa guerra cultural com as suas declarações homofóbicas, e colheu os frutos no último dia 12, quando assegurou a sua vitória na acirrada disputa que reforçou o poder de um líder populista na condução de um país para o iliberalismo.

Referências:

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Créditos das imagens:

Imagem: By Kancelaria Sejmu, 10/11/2018. Imagem disponível em https://www.flickr.com/photos/sejmrp/31944600318/in/album-72157700198374482/. Acesso em 22/07/2020

Mapa 1: By Erinthecute — Own work, CC BY-SA 4.0. Imagem disponível em https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=92197454. Acesso em 17/07/2020.

Mapa 2: By Fashaj — Own work, CC BY-SA 4.0. Imagem disponível em https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=86397263. Acesso em 18/07/2020.

Mapa 3: Domínio público. Disponível em https://commons.wikimedia.org/wiki/File:PKP1952-53.jpg. Acesso em 18/07/2020.

Mapa 4: By Aight 2009 — Own work, CC BY-SA 4.0. Imagem disponível em https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=42355694. Acesso em 18/07/2020.

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