Agricultura Familiar

O Veterano
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4 min readSep 3, 2022

Texto por Lilian Kingstone

De tanto vermos propagandas de tratores, plantadeiras, pulverizadores e colheitadeiras em propriedades rurais de perímetros quilométricos, presumimos que essa é a realidade rural brasileira. De fato, as propagandas são boas representações do agronegócio nacional, mas não refletem a realidade da agricultura familiar no país. Dado que, três anos atrás, 84% dos estabelecimentos rurais do país eram de agricultores familiares e que 77% dos trabalhadores rurais eram empregados pela agricultura familiar –setor que foi responsável por 10% do Produto Interno Bruto nacional — a agricultura familiar tem de ser levada em consideração dentro de qualquer imagem minimamente realista do campo brasileiro.

Vejamos mais alguns dados que apontam a importância da agricultura familiar para o país: este setor envolve o trabalho de 10 milhões de pessoas e movimenta R$ 107 bilhões na economia, o que equivale a 23% da toda a produção agropecuária nacional. Entre os outros 77% da produção agropecuária, os principais produtos não se tratam de alimentos para o mercado interno, mas de mercadorias para exportação. Assim, a maior parte da comida presente no prato do brasileiro vem da agricultura familiar, que é responsável por 70% dos alimentos consumidos diariamente no país. Esse setor, assim, se prova fundamental para o sustento da população nacional.

Frente à importância econômica da agricultura familiar e à relevância do setor para a segurança alimentar da população, o governo implementou políticas de estímulo para incentivar a produção em propriedades rurais desta categoria. O Ministério da Agricultura, por meio do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), apresenta aos agricultores familiares a oportunidade de obter taxas de juros mais baixas para o custeio da plantação. Além disso, o governo também desenvolveu políticas públicas interministeriais de apoio à agricultura familiar, como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), que compra alimentos de agricultores familiares para pessoas em situação de insegurança alimentar e nutricional. E, além do PAA, o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) também adquire alimentos da agricultura familiar e suporta o setor escolar.

Contudo, muitos produtores rurais apontam a falta de apoio governamental como um entrave às atividades da agricultura familiar. A distribuição desigual do suporte dado pela Pronaf faz com que certos segmentos de agricultores familiares não contem com apoio por parte do governo e, por conta disso, não tenham condições necessárias e suficientes para crescer.

E, de fato, nota-se a distribuição desigual dos créditos concedidos pela Pronaf entre regiões. Em 2020, por exemplo, 85% das operações do Plano Safra foram realizadas na região Sul e 10%, no Sudeste, enquanto somente 3% foram no Nordeste, 1% foi no Centro-Oeste e 0,5%, no Norte. Como as taxas de juros do Pronaf beneficiam significativamente menos produtores no Nordeste, Norte e Centro-Oeste que no Sul e Sudeste, a dificuldade de acesso a crédito agrícola é perceptível entre agricultores das regiões com menos beneficiários do Pronaf.

Um entrave particular à produção de alimentos para o mercado nacional consiste na distribuição desigual dos créditos concedidos pela Pronaf entre os produtores de mercadorias de exportação e os de produtos da cesta básica. Do total das contratações do Pronaf em 2020/2021, somente 18,6% foi destinado à produção de itens da cesta básica — a maior parte do crédito concedido não vai para produtores de alimentos para o mercado nacional, mas, sim, para os produtores de mercadorias comercializadas no mercado internacional. Desse modo, mesmo que as taxas de juros do Pronaf realmente sejam mais baixas e beneficiem produtores do setor, certos segmentos da agricultura familiar contam com muito menos apoio do que outros.

É muito menos provável que alguém encontre um agricultor nordestino que plante abacaxi, banana e mamão do que um sojicultor sulista entre os beneficiários de programas governamentais de financiamento da agricultura familiar. Entretanto, o fato de certos segmentos de agricultores estarem menos presentes na pauta de beneficiários do governo não deve nos levar a ignorar a existência dos mesmos.

O perfil de beneficiários de programas governamentais de financiamento da agricultura familiar não reflete a realidade rural brasileira de forma integral, assim como as propagandas de tratores, plantadeiras, pulverizadores e colheitadeiras em propriedades rurais de perímetros quilométricos não apresentam um retrato fidedigno da agricultura nacional. A falta de representatividade de produtores rurais de certos ramos os torna quase invisíveis para a população, que se torna mais insensível aos interesses desses. A invisibilidade acaba acarretando na insensibilidade. Afinal, o que os olhos não veem, o coração não sente.

Fontes:

Governo Federal, em https://conafer.org.br/10-razoes-do-porque-a-agricultura-familiar-e-o-verdadeiro-agronegocio-do-brasil/

Canal Rural, em https://conafer.org.br/10-razoes-do-porque-a-agricultura-familiar-e-o-verdadeiro-agronegocio-do-brasil/

INCRA, em https://conafer.org.br/10-razoes-do-porque-a-agricultura-familiar-e-o-verdadeiro-agronegocio-do-brasil/

IBGE, em https://g1.globo.com/economia/agronegocios/agro-a-industria-riqueza-do-brasil/noticia/2020/12/17/de-onde-vem-o-que-eu-como-nova-geracao-da-agricultura-familiar-encara-dificuldades-para-continuar-missao-dos-pais.ghtml

G1, em https://g1.globo.com/economia/agronegocios/noticia/2021/08/11/recordes-no-agronegocio-e-aumento-da-fome-no-brasil-como-isso-pode-acontecer-ao-mesmo-tempo.ghtml

MDA, em https://g1.globo.com/ba/bahia/especial-publicitario/unicafes/noticia/2021/12/14/agricultura-familiar-do-campo-a-mesa-dos-brasileiros.ghtml

MAPA, em https://g1.globo.com/economia/agronegocios/noticia/2021/08/11/recordes-no-agronegocio-e-aumento-da-fome-no-brasil-como-isso-pode-acontecer-ao-mesmo-tempo.ghtml

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O Veterano é um jornal estudantil criado por alunos da Escola Brasileira de Economia e Finanças em 2020.