Ah, o Sete de Setembro…

Um texto sobre liberdades seletivas e patriotismos de ocasião

Caio Romio Augusto
O Veterano
7 min readSep 1, 2021

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Quo usque tandem abutere, Catilina, patientia nostra?

Independência ou Morte — Pedro Américo, 1888.

A queixa

Estudei na mesma escola dos sete aos quinze anos. Nesse período, a escola se tornou bilíngue: duas horas de inglês por dia, oportunidades de intercâmbio, testes de Cambridge etc..

Junto a isso, vieram as imersões na cultura anglo-americana: Dia de Ação de Graças, Dia de São Patrício, Dia das Bruxas e o tal de 4 de julho — o dia da Independência das 13 Colônias do Império Britânico. Até aí, tudo bem.

O problema, que começou a me revoltar quando iniciei meus pensamentos políticos, era a total ausência de cerimônias em relação aos feriados e às datas comemorativas brasileiras. Dia do Folclore? Esquece. Tiradentes? Só na prova de História. Sete de Setembro? Nunca ouviram falar. Até que cobrei da diretoria e passaram a tocar o belíssimo Hino da Independência nas proximidades do Sete de Setembro.

Era 2015, e Mato Grosso (meu estado) babava com a possibilidade de Dilma Rousseff sofrer um impeachment. Aécio Neves era o herói inquestionável daquela gente, e Sérgio Moro começava a despontar como um deus na terra. Bolsonaro era só mais um radical entre Malafaias, Felicianos e Edir Macedos. O local favorito de férias da diretoria da minha escola? Orlando. Parece sátira, mas todo fim de ano as fotos eram nos mesmos lugares.

Seis anos se passaram e a bola da vez está com o Bolsonaro. Aécio Neves, PSDB e Sérgio Moro se tornaram traidores aos olhos da elite mato-grossense, e quaisquer tentativas de fiscalizar o Presidente e de preservar as nossas instituições são vistas como golpismo. Como se o impeachment da Dilma tivesse ocorrido na maior normalidade do mundo.

Acompanho os stories dessas pessoas que, apesar de tudo, ainda trato com carinho. Tenho o defeito de colocar divergências políticas, ainda que extremas, de lado ao pensar sobre o caráter de seres humanos, e ainda me pego querendo dialogar racionalmente sobre os porquês de o Bolsonaro não ter os direitos de ameaçar o Supremo Tribunal Federal e atacar os possíveis resultados das próximas eleições. Vejo bandeiras do Brasil, discursos vagos e ufanistas sobre defender a nossa nação, mas não percebo sequer um argumento lógico em defesa do “Mito”. Cultivo esperanças de debater civilizadamente com pessoas assim, sem ser ignorado ou ameaçado de morte. Citando Tim Bernardes: “Ai, ai, como eu me iludo”.

Os fatos

Jair Bolsonaro e seus apoiadores vão ocupar as ruas neste Sete de Setembro. Não que seja novidade um Presidente da República incentivar atos populares em apoio de seu governo, mas este é o primeiro de nossa história democrática a ir manifestamente contra as instituições, desde antes de ser eleito.

Não à toa, Alexandre de Moraes, Ministro do STF, abriu investigação contra Bolsonaro e deu mandado de prisão a Roberto Jefferson por supostas violações à Constituição, ao Código Penal e à Lei de Segurança Nacional.

Começo pelo caso de Roberto Jefferson. A decisão de Alexandre de Moraes cita falas como:

“Eu penso que nós temos que agir agora. Concentrar as pressões populares contra o Senado e, se preciso, invadir o Senado e colocar para fora da CPI a pescoção. Porque moleque a gente trata a pescoção. Aqueles moleques da CPI, que são os senadores irmãos metralha, que ousam acusar um presidente honrado, digno e decente, como o presidente Jair Messias Bolsonaro (…)”;

Nós, o povo, fazermos uma pressão no dia da CPI, invadirmos aquele troço e colocar (sic) pra fora a pescoção os senadores que compõem a comissão de inquérito. Começando pelo Renan… pescoção no pé da orelha dele, porque moleque a gente trata a pescoção. Aquele Osmar (sic) Aziz… moleque a gente trata a pescoção. E jogar todo mundo dentro daquele lago em frente ao Congresso Nacional, pra ver se eles fazem um batismo em água e Deus entra no coração daqueles satanazes”;

“E quando a gente vive essa ameaça à ordem institucional pela corrupção, tanto do Supremo, que é corrupto, tanto do Senado, que é corrupto, não há saída”.

A lista é ampla e suficiente para possivelmente enquadrá-lo em sete crimes do Código Penal, em três da Lei de Segurança Nacional e em um do Código Eleitoral.

E não me esqueci de este tweet que, não fosse publicado por quem foi, teria sido hilário por atingir níveis até outrora inalcançáveis de vergonha alheia:

Foto: Reprodução

Jefferson não é um sujeito qualquer. Filiado ao PTB desde 1980, foi deputado federal pelo Rio de Janeiro de 1983 a 2005, quando teve seu mandato cassado. Vinte e dois anos de vida pública foram suficientes para alçá-lo à presidência de seu partido. Ironicamente, apesar de chamar todos os Ministros do Supremo de corruptos, esta não é a primeira vez do ex-deputado atrás das grades: foi condenado a mais de 10 anos de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro em 2012, dentro do escândalo do Mensalão. Sua pena foi reduzida para 7 anos e 14 dias, devido ao estranho fenômeno da delação premiada. Pelo visto, o sujeito se acostumou ao cárcere.

Como já era de se esperar, Jair Bolsonaro saiu em defesa de seu querido apoiador. Não só isso: anunciou, em sua conta do Twitter, que encaminharia ao Senado Federal um pedido de impeachment contra Alexandre de Moraes, com base no artigo 52, inciso II, da Constituição Federal, além de dizer que tentaria o mesmo com Luis Roberto Barroso — mas deste acabou desistindo. Levantou supostas violações ao direito fundamental à liberdade de expressão cometidas pelo Ministro do Supremo (artigo 5º, caput, IV, VI, VIII, IX, entre outros, Constituição Federal). O pedido, contudo, foi corretamente rejeitado por Rodrigo Pacheco (DEM-MG), Presidente do Senado.

A crítica

Bolsonaro esquece, contudo, que nenhum direito é absoluto e que existem limites expressos à liberdade de expressão em todo o ordenamento jurídico brasileiro. Limites esses que, inclusive, ele tratou de louvar quando André Mendonça, então Ministro da Justiça, ex-Advogado Geral da União e seu atual indicado ao STF, levantou para enquadrar frases simplórias como “Bolsonaro não vale um pequi roído” em crimes contra a honra do Presidente da República. Frases simplórias ditas por pessoas comuns, não nítidas ameaças proferidas por atores políticos poderosos.

O próprio Bolsonaro já mais do que insinuou seu apreço pela ruptura institucional. Uso esta declaração de exemplo, proferida em 21 de março deste ano contra governadores que impuseram medidas de controle à Covid-19:

“Alguns tiranetes, ou tiranos, tolhem a liberdade de muitos de vocês. Pode ter certeza que nosso Exército é o verde oliva, e é vocês também. Contem com as Forças Armadas pela democracia e pela liberdade. E contem com o povo também.”

Penso ser claro que essa postura é uma possível violação ao artigo 85, inciso II, da Constituição, que estabelece como crimes do Presidente da República os atos que atentem contra “o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes constitucionais das unidades da Federação”. Jair Bolsonaro também deve estar atento aos artigos 5º, inciso XLIV, e 34, incisos III e IV, da Constituição, quando atenta em grupo contra as instituições republicanas e insinua intervenções nos Poderes e nos Entes Federativos (Estados, Municípios e Distrito Federal).

Para este Sete de Setembro, estão marcadas manifestações contrárias e favoráveis ao Governo Federal. Contudo, essas últimas são preocupantes: não por serem favoráveis ao presidente, mas por haver claros indícios de que atenta-se, ao menos verbalmente, contra as instituições de nosso país.

A começar pelo patético e supostamente ameaçador desfile de blindados ocorrido no último 10 de agosto, curiosamente logo antes da derrota da proposta sobre a obrigatoriedade do voto impresso na Câmara. Se a intenção foi demonstrar força sobre o Poder Legislativo, o plano foi muito mal executado, como retratado com fidelidade pelo cartunista Duke:

Duke, 10 de agosto de 2021

Jair Bolsonaro se mostra tão impotente quanto o tanque da charge. Nem o Supremo, nem o Congresso, nem as Forças Armadas, nem o povo, nem o seu próprio Vice, apoiam seus rompantes autoritários. Contudo, o Presidente não é um “moleque”, não é o “tiozão do churrasco”, não é um “influencer” qualquer, para que suas ameaças sejam simplesmente ignoradas e, apesar de atualmente não ter apoio para dar um golpe, é certo que possui bastante poder para causar crises institucionais no Brasil. Cabe repetir a pergunta de Cícero a Catilina: até quando, Bolsonaro, continuarás a abusar de nossa paciência?

Até o impeachment.

Conclusões — Viva o Sete de Setembro!

Eu amo meu país. Não me vejo morando por muito tempo em outro lugar. Meus textos, quase todos, abordam problemas nacionais, e pensar o futuro deste país é minha prática diária.

São poucas as nações mais cativantes que o Brasil — se é que existe alguma. Nossa história, nossa cultura, nossa diversidade — de pessoas, paisagens, sotaques e práticas culturais — são nosso maior patrimônio.

Sobre presidentes, políticos, ministros, juízes: eu discordo ou concordo com eles. Muitas vezes nem discordo nem concordo, ou o inverso. Critico todo mundo.

Jamais vou me utilizar do patriotismo como uma panaceia para defender qualquer coisa. Não há verdadeiro patriota que se enrole em uma bandeira do Brasil e não escute o que outros brasileiros têm a dizer. Esses ditos patriotas são os primeiros que aparecem para vociferar que o Brasil não vai pra frente porque brasileiro é preguiçoso, que o Brasil não vai pra frente porque brasileiro é corrupto, que o Brasil não vai pra frente porque brasileiro é vagabundo. Não, camaradas, esses não são patriotas: são pessoas frustradas que sonham em viver numa Europa tropical.

Portanto, seja qual for o seu posicionamento político: vá às ruas, se quiser. Proteste, grite, xingue, comemore, dance, “faça o que tu queres, há de ser tudo da lei”.

Porém, não nos esqueçamos de que a nossa independência não se consolida sem a nossa união. União em torno de objetivos em comum: um país mais próspero, mais justo, mais tranquilo e mais feliz. Não em torno de um Presidente da República específico, que pouco se importa com o Brasil.

Que todos tenham um ótimo feriado, e “que Deus tenha misericórdia desta nação”.

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Caio Romio Augusto
O Veterano

Estudante de Direito da FGV Direito Rio, cuiabano e quase carioca. Apaixonado por política, História, cultura e artes num geral. Cat person e fã do Al Pacino.