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Brutalidade Policial

A violência policial como resquício da barbárie de um ocidente afogado em guerras e disputas de poder.

Giovanna Maciel
O Veterano
Published in
4 min readJul 8, 2020

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Em 2020 não podemos mais evitar as brechas no sistema de justiça — representante do estado de direito — que isenta a polícia de prestar contas e abre exceções legais para as mais diversas falhas da corporação. Estaria o mito do “policial-herói” desenvolvido nas últimas décadas entrando em colapso?

O episódio de George Floyd nos lembra da brutalidade policial durante o Movimento dos Direitos Civis nos EUA, na década de 60. Nesse período, houve um esforço concentrado — tanto legal quanto cultural — para centralizar o uso da força na polícia, o que resultou em alguns dos piores abusos da brutalidade policial da história das Américas. Aqui, o mesmo sistema que mata milhares de pessoas todos os anos vítimas de brutalidade policial é o que cria e educa o policial, o que garante que o episódio se repita diversas vezes.

“Mesma população que aplaude violência policial teme ações policiais. ”
Samira Bueno, diretora-executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

No Brasil, a abordagem para lidar com questões sociais levou o país aos seus níveis mais altos de violência nos últimos anos, sendo a taxa de mortes violentas no país comparável à da Guerra Civil Síria. Mas também não podemos ignorar que aqui a polícia que mais mata também é a que mais morre.

Violência justificada? No Brasil, assim como em outros países da América Latina, a violência policial tem um nome: Guerra às Drogas. A proibição de psicoativos justificava-se pela tentativa de combater o tráfico por meio da repressão à oferta — cultivo, produção e comercialização — de drogas. Mas diversos economistas da área destacam que dado modelo não é efetivo.

Se não é efetivo, o que justifica a guerra às drogas? A guerra às drogas legitima a violência policial e, em nome dessa guerra, o Estado justifica uma série de violações de direitos. Não há uma distinção clara entre quem deve ou não morrer, e delegamos ao policial da linha de frente o trabalho de fazer essa separação em questão de segundos antes de decidir entre matar ou não alguém.

Policiais individuais podem ser “bons”? Ainda que as falhas sejam cometidas por indivíduos, o policiamento não é uma questão de individualismo. Não é como se um indivíduo aleatório tivesse uma arma, um distintivo, um carro da polícia e um uniforme. A polícia é uma instituição altamente organizada, com poder sistêmico. E, nesse sentido, para que as falhas individuais não continuem se repetindo, a corporação deve ter accountability[1].

Durante as Revoltas em Hong Kong, a polícia contou à mídia que, apesar da escalada da violência contra manifestantes pró-democracia, havia um “Manual de Procedimentos da Força”, documento com uma série de regras que regem a conduta policial. As diretrizes, no entanto, eram frequentemente ignoradas pela polícia, que usava força excessiva contra manifestantes pacíficos.

“Se a polícia pode se safar com o uso excessivo e inadequado da força, e nunca é responsabilizada por isso, qual você acha que será a resposta das pessoas que estão sujeitas a essa força pela polícia?”
Gary White, policial aposentado no Serviço de Polícia da Irlanda do Norte e consultor em gestão de conflitos. (Tradução Nossa)

Regras per se não garantem o funcionamento da corporação, é preciso ter responsabilização dos indivíduos que comprometem a credibilidade da polícia e põem em risco a segurança daqueles que juraram proteger os cidadãos.

No imaginário popular, 2013 parece ter sido um evento distante na história. Contra a corrupção e aumentos de gastos — entre outras pautas –, o Brasil “acordava” com manifestações por todo o país. Esquecemos que a violência policial nas principais cidades brasileiras preocupava o UNODC (Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime da Organização das Nações Unidas) pelo uso desproporcional da força, que era constantemente justificada pela corporação como estratégia de “contenção”.

Apesar disso, um dos principais indicadores de violação dos Direitos Humanos — a violência policial — foi excluído do relatório anual de direitos humanos no Brasil em 2019. Os dados mais recentes sobre Brutalidade Policial indicavam um crescimento acentuado.

Notas de Rodapé:

[1] Por que precisamos de accountability? Quando a polícia viola as regras, destrói a confiança da comunidade e perde credibilidade. Em última análise, isso dificulta o policiamento, pois é improvável que as pessoas cooperem com a polícia se não confiarem na corporação. Isso implica que, sem a devida prestação de contas, não há como avaliar indicadores de performance.

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