Chernobyl: um capítulo sombrio em uma história polêmica

Kaio Torres Dias
O Veterano
Published in
5 min readApr 28, 2021
Imagem de Wendelin Jacober por Pixabay

A História

Toda boa narrativa possui tanto momentos inspiradores quanto devastadores que, em conjunto, criam uma sensação de tensão e prendem a atenção do leitor. Porém, a história da energia nuclear se destaca nesse quesito. Sua introdução começa em 1889, com a descoberta do rádio e do polônio por Marie e Pierre Curie — descoberta que rendeu o primeiro prêmio Nobel concedido a uma mulher –, e acaba poucas décadas depois, quando Marie é morta por uma doença ligada à radiação que ajudou a descobrir. Em seguida, o desenvolvimento se inicia em 1945, quando essa energia protagoniza o término da guerra mais brutal da história ao matar centenas de milhares de homens, mulheres e crianças no Japão. Hoje, ainda longe da conclusão, dezenas de países utilizam o átomo para gerar energia limpa para milhões, enquanto outros tantos o usam para fabricar armas que um dia podem vir a ceifar bilhões.

Assim, em meio a essa intensa montanha-russa de eventos, algumas curvas se destacam sobre os demais e, tanto metafórica quanto literalmente, fazem as pessoas desejarem prender a respiração e fechar os olhos: Chernobyl é um deles. Se os bombardeios a Nagasaki e a Hiroshima mostraram ao mundo a destruição que a energia atômica poderia realizar se a humanidade quisesse, Chernobyl revelou que o mesmo impacto poderia ocorrer sem ninguém desejar. Este evento mostrou que, durante a manipulação do poder do átomo, incompetência, despreparo e acaso podem ser tão perigosos quanto qualquer bomba.

O Evento

Na madrugada de 26 de abril de 1986, no local da antiga URSS onde hoje se encontra a Ucrânia, oficiais do governo soviético conduziram uma simulação de falta de energia no reator 4 da Usina Nuclear de Chernobyl. Ela tinha como objetivo ajudar os engenheiros a projetar medidas de seguranças para o caso de um evento desse tipo acontecer de verdade e, portanto, mecanismos como sistemas de resfriamento de emergência foram desativados. Porém, tal teste estava agendado para o dia anterior, e seu adiamento de última hora resultou na presença de uma equipe despreparada durante a simulação, que não conseguiu evitar o desastre quando o teste deu errado. Sendo “errado”, nesse caso, um eufemismo para duas explosões que rapidamente obtiveram o título de pior acidente nuclear da história.

Para além da equipe incapaz, o acidente também foi provocado e agravado por falhas no design do reator e da construção e, se o papel dos profissionais na contenção do desastre foi heroico, a atuação do governo foi, no mínimo, questionável. Após o evento, centenas de bombeiros, cientistas e operários do reator arriscaram a vida para impedir outras explosões e conter o fogo, e outros tantos pilotos soviéticos se expuseram a doses letais de radiação ao bombardear o local com agentes químicos feitos para prevenir reações nucleares. Enquanto isso, a evacuação nas proximidades só começaria mais de um dia depois do ocorrido. O anúncio do desastre ao resto do país e do mundo demoraria ainda mais, sendo motivado mais por suspeitas de países vizinhos — que começavam a registrar a radiação em seus territórios- do que por iniciativa do próprio governo soviético.

O preço imediato dessa soma de despreparo, má construção e desinformação foi alto: dezenas de pessoas mortas, centenas feridas (a maioria delas trabalhadores do reator e profissionais que atuaram na contenção do desastre) e centenas de milhares deslocadas. Além disso, dezenas de milhares de quilômetros de terra se tornaram inabitáveis e, segundo relatórios da ONU e da OMS, estima-se que milhares de pessoas tenham tido suas vidas encurtadas pela exposição à radiação. Tal evento não apenas mudou as vidas dos milhares envolvidos, como também influenciou a forma como o mundo passou a ver e trabalhar com a energia atômica desde então.

O Presente

Com uma demanda crescente por fontes de energia limpa de um lado e um medo reforçado por experiências passadas de outro, o debate acerca do uso da energia nuclear está tão vivo hoje quanto nos dias da Guerra Fria. Desde Chernobyl, centenas de profissionais e bilhões de dólares foram investidos na criação de usinas mais eficientes e seguras, para provar que as narrativas de meados do século XX sobre o átomo — de que ele seria uma fonte de energia abundante e universal no futuro — não eram infundadas. Entre esses investimentos, algumas iniciativas se destacam, como o projeto TerraPower de Bill Gates, que visa a utilizar novas tecnologias para construir redes que usem reatores nucleares mais ecológicos, baratos e estáveis em conjunto com outras fontes de energia limpa (eólica e solar).

Naturalmente, esses projetos não avançam sem resistência. Muitos cientistas acreditam que a energia atômica seja uma opção cara e perigosa, e que os novos reatores sendo desenvolvidos podem ser tão ou mais perigosos que os antigos, de diferentes maneiras. Outra preocupação é a de que o dinheiro gasto nestas iniciativas mais incertas possa tirar investimentos dos projetos envolvendo as demais fontes de energia renovável. Assim, o legado do desastre de 35 anos atrás se revela em uma hesitação em voltar a confiar o futuro ao poder do átomo.

Desse modo, seria Chernobyl um trauma a ser superado ou um aprendizado a ser lembrado? Provavelmente, um pouco dos dois. É inegável que o evento tenha aumentado o medo já existente da energia nuclear, mas o medo é um mecanismo de defesa e pode ser positivo quando domado pela razão. Nesse caso, aquilo que deve ser mantido do acidente é um temor saudável que faça a humanidade tomar as precauções necessárias para que um desastre dessa magnitude não se repita, e não um pavor irracional que a faça descartar mais de um século de avanço científico na compreensão da energia atômica.

Assim, independentemente de como será o próximo capítulo dessa história, não será da energia a responsabilidade pelos sucessos ou fracassos futuros, da mesma forma como não foi no desastre de 1986. Seja pela escolha de como explorá-la ou pela irresponsabilidade na hora de usá-la, são humanos que tomam as decisões e devem ser culpados por seus resultados. Afinal, nessa história, o átomo é o protagonista, mas a humanidade é a escritora.

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