Coluna | Abolir o 13 de Maio ou Ressignificar a Data?

Por Rogéria C. Alves

O Veterano
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3 min readMay 12, 2021

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Imagem disponível no Acervo do Instituto Moreira Salles

O dia de hoje, 13 de maio, está marcado em nossos calendários escolares como a data da abolição da escravatura. Normalmente, é mais um daqueles momentos em que se prepara algo sobre a importância da data, na qual professores (em especial os de História) devem falar sobre o tema ou produzir um mural para ser afixado em alguma parede da escola. Mas o que há de errado nisso? A memória construída sobre essa data e evocada nestas manifestações escolares quase sempre privilegia uma versão única desta abolição, na qual a princesa Isabel é a protagonista redentora dos escravizados — versão inclusive corroborada pela nossa teledramaturgia.

A chamada Lei Áurea, assinada pela princesa imperial regente Isabel em 13 de maio de 1888, foi o desfecho de um contexto social e político mais amplo do que aquele recordado por grande parte dos manuais escolares. Todo o período que antecede à promulgação da referida lei se deu paralelamente às mudanças na ordem econômica e política, que colocavam obstáculos à existência de um país escravagista no cenário mundial. E contar esse episódio de nossa história nacional enfocando somente o papel da princesa e a importância da referida lei não é o suficiente para trabalharmos numa perspectiva pedagógica engajada (bell hooks) ou libertária (Paulo Freire).

A luta abolicionista no Brasil do século XIX contou com a atuação de muitos sujeitos históricos, como Luiz Gama, André Rebouças, José do Patrocínio e tantos outros negros e negras. E uma proposta de abordagem “descolonizadora” acerca da data deve levar em conta o contexto sociopolítico ao qual o Brasil estava submetido: o Brasil foi o último país das Américas a abolir a escravidão — o que revela o apego daquela sociedade a tal forma de trabalho cruel, base do projeto político e social de construção nacional. A escravidão excluía a cidadania e a dignidade dos escravizados. Além disso, o regime escravista entendia como demoníacas e anormais todas as manifestações culturais (língua, religião e costumes) próprias dos homens e mulheres de origem africana escravizados — gerando estereótipos sobre a população negra que até hoje são reproduzidos e que fomentam o racismo em nossa sociedade.

Libertos da situação de cativeiro, quando da promulgação da “Lei Áurea”, os anteriormente escravizados continuaram excluídos e despossuídos naquela sociedade. Muitos abolicionistas, que demonstravam grande indignação pelas condições de cativeiro dos negros, não foram capazes de pensá-los como indivíduos que deveriam ser inseridos na sociedade pós-abolição. Os ex-escravizados foram lançados à própria sorte, sem nenhuma política por parte do Estado brasileiro que os amparasse ou que previsse qualquer tipo de reparação. Sem oportunidades, sem dinheiro e ainda preteridos a serem contratados como mão de obra assalariada, já que os imigrantes europeus haviam ocupado este lugar, aos negros ex-escravizados e seus descendentes foram relegados, mais uma vez, os não-lugares sociais, as ausências e os barracos construídos nos morros — já que os centros urbanos precisaram ser “limpos” e organizados. É também preciso lembrar que o incentivo à contratação de mão de obra assalariada dos imigrantes europeus durante o pós-abolição envolvia um projeto de embranquecimento da população brasileira.

Argumento, portanto, que não é adequado falar em “comemorações” no dia 13 de maio, mas sim propor reflexões sobre a situação histórica da população negra de nosso país. Deve-se estabelecer um paralelo entre a situação da população negra no Brasil após mais de 130 anos da abolição, buscando-se as razões históricas de nossas diferenciações sociais, raciais e econômicas. É necessário, ainda, o incentivo ao pensamento crítico de nossos estudantes, levando-os a problematizar e questionar a representatividade da data. Abolir o 13 de maio não é uma solução aos nossos problemas: deixar de falar sobre a data só silenciaria sujeitos e uma versão da história que precisa ser contada. O que proponho é ressignificar a data, a exemplo do que a escritora nigeriana Chimamanda Adichie sugere: usar este capítulo de nossa história para “reparar a dignidade despedaçada de um povo”.

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O Veterano é um jornal estudantil criado por alunos da Escola Brasileira de Economia e Finanças em 2020.