Coluna | Dificuldades para lecionar na pandemia

Por Danielle Tavares da Rocha, Letícia Fonseca Almeida e Maria Letícia Guimarães Ornellas

O Veterano
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5 min readDec 21, 2020

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Obs.: informações sobre as autoras são encontradas no final da coluna

O coronavírus tem aterrorizado não apenas o nosso país, mas o mundo inteiro, colocando a todos em uma situação nada comum. Nesse sentido, esta pandemia se tornou uma das frequentes crises que o mundo enfrenta desde 1980, com a imposição do neoliberalismo como forma dominante do capitalismo [1]. Tendo isso em vista, nos propomos a pôr em discussão o que está ocorrendo no sistema educacional brasileiro durante a pandemia de COVID-19, através da análise de reportagens e de uma entrevista com a professora Claudia Castro, atuante há 34 anos na área.

A profissão do professor é desvalorizada, os investimentos na área são escassos e a situação de muitos estudantes é delicada. Vale relembrar o Projeto de Emenda Constitucional (EC) de 2016 [2] que congelava os gastos com saúde e educação por 20 anos, o que faz falta em momentos como esse. Isto é, o problema da desvalorização dos professores vai para além da pandemia — é anterior a ela — e, como será visto, evidencia muito mais, tendo a desigualdade social um papel central.

A falta de planejamento pedagógico que ocorreu inevitavelmente fica em segundo plano quando se leva em consideração que nem todas as pessoas do país têm acesso à internet, à conexão estável, a celulares e computadores, e tampouco têm o preparo para usar as ferramentas necessárias. Esses assuntos são tratados por Dominique Souza e Jean Miranda [3], que trazem dados como o do IBGE, da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua — Tecnologia da Informação e Comunicação, que revela que 16% da população urbana não tem acesso à internet, enquanto nas áreas rurais esse número chega a 50%, sendo que o rendimento real médio per capita das casas com acesso chegava a quase o dobro das que não têm. Ademais, Tokarnia [4] afirma que uma em cada 4 pessoas não têm acesso à internet, sendo um total de, aproximadamente, 46 milhões de pessoas; enquanto Santos Júnior (2020) afirma serem cerca de 70 milhões de pessoas com acesso instável durante a pandemia.

A precariedade do trabalho do professor ficou mais evidente durante a pandemia. Diariamente, os professores têm de lidar com diversas situações como problemas de conexão com a internet e a sensação da jornada de trabalho ter dobrado nesse momento de pandemia. Os professores denunciam que mesmo após o momento da aula são vistos na obrigação de tirar dúvidas dos alunos através de aplicativos de mensagens [5], o que interfere no seu momento de descanso.

Em uma pesquisa realizada pelo portal Nova Escola [6], no mês de maio de 2020, dos 8.121 professores que responderam a pesquisa, 16% avaliam a experiência do ensino remoto como ruim, e 33% como razoável. Sobre a saúde emocional dos docentes, 18% responderam que ficou “ruim” com a pandemia e 10% classificou como “péssima”.

Os problemas já citados são comprovados pelas falas da professora Claudia. Ela nos revela como os professores foram negligenciados pelo Estado e como não houve a oferta de uma formação preparatória para lidar com o ensino remoto. Para além da falta de formação, muitos professores não têm os equipamentos necessários para o ensino remoto. A professora Cláudia nos revela que sempre teve acesso a equipamentos tecnológicos, mas relata que é exceção no meio dos seus colegas: muitos professores não têm condição para adquirir esses equipamentos, ainda mais agora num momento onde alimentos básicos encarecem e os salários diminuem.

Quando questionada a respeito da sobrecarga profissional enfrentada pelos professores durante a pandemia, a professora nos responde através de um aplicativo que reconhece a voz e digita aquilo que escuta, já que, devido a uma tendinite causada pelo trabalho excessivo, seu braço está imobilizado e ela se encontra incapaz de escrever. A professora contou ainda que muitos municípios estão retirando a regência do professor, que chega a corresponder a 30% do salário em alguns municípios — um dinheiro que faz falta no momento de crise.

Outra questão abordada na entrevista foi a saúde mental dos professores e dos alunos. A pandemia provocou um pânico geral sobre todo mundo, algo completamente novo e nunca experimentado; é difícil não se abater pelo medo, seja ele o de morrer infectado ou o de fome, com os preços subindo cada vez mais, o desemprego crescendo aceleradamente, enquanto os salários vêm diminuindo ou até mesmo deixando de ser pagos.

O profissional da educação, que sofre com todos os problemas citados aqui — além de todo o descaso por parte do Estado -, deve ainda lidar com o medo que todos nós estamos sentindo. O professor está tendo que se adaptar a esse contexto caótico e agora se vê coagido a voltar às aulas presenciais antes de uma vacina, o que é completamente inviável diante da falta de estrutura na maior parte das escolas, como a professora Claudia afirma. O professor merece ser reconhecido e não deve ser obrigado a arriscar a sua vida e a de seus familiares com a volta às aulas presenciais sem a vacinação.

Notas de Rodapé

[1] SANTOS, Boaventura de Sousa. “Vírus: tudo que é sólido desmancha no ar”. A cruel pedagogia do vírus. São Paulo: Boitempo, 2020, pp. 7–8.

[2] BRASIL. Presidência da República. Emenda Constitucional nº 95, de 15 de dezembro de 2016. Altera o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, para instituir o Novo Regime Fiscal, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 15 dez. 2016. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc/emc95.htm>. Acesso em: 18 nov 2020.

[3] Souza; Miranda, 2020, p. 83 SOUZA, Dominique Guimarães de; MIRANDA, Jean Carlos. Ibid

[4] apud SOUZA; MIRANDA, 2020, p. 85

[5] COSTA, Gilberto; TOKARNIA, Mariana. Pandemia de covid-19 fez ensino e papel do professor mudarem. Agência Brasil, Brasília; Rio de Janeiro, 15 out. 2020. Disponível em: <https://agenciabrasil.ebc.com.br/educacao/noticia/2020-10/pandemia-de-covid-19-fez-ensino-e-papel-do-professor-mudarem>. Acesso em: 17 nov. 2020.

[6] BIMBATI, Ana Paula. Qual é a situação dos professores brasileiros durante a pandemia?. NOVA ESCOLA. S/I, 01 jul. 2020. Disponível em: <https://novaescola.org.br/conteudo/19386/qual-e-a-situacao-dos-professores-brasileiros-durante-a-pandemia>. Acesso em: 17 nov. 2020.

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O Veterano é um jornal estudantil criado por alunos da Escola Brasileira de Economia e Finanças em 2020.