Coluna | Economia do Isolamento

O Veterano
O Veterano
Published in
5 min readApr 29, 2020

Marcos Duarte, aluno da graduação em Economia na FGV EPGE e Gabriel Boechat, aluno de economia na PUC-Rio, convidados na coluna do jornal O Veterano essa semana nos explicam como fica a economia em tempos de isolamento.

Os governos precisam tomar decisões e, em diversas situações, as opções de escolha apresentam dilemas. Estes são, muitas vezes, denominados como trade-offs na literatura econômica e apresentam o aspecto conflituoso, isto é, a escolha de determinada opção gera um custo de oportunidade [1]. Por conseguinte, o problema do tomador de decisão envolve a realização de um desejo, ou parte dele, frente ao custo subsequente de sua ação. Em alguns cenários, entretanto, as incertezas são tamanhas que os custos de sua escolha não são claros.

Dessa forma, muito se discute sobre como responder à crise conflagrada pela pandemia viral do Sars-CoV-2, o causador do COVID-19. Entretanto, em que a teoria econômica e, também, as evidências empíricas podem nos auxiliar nessa questão? Será que existe, realmente, um dilema — um trade-off — entre saúde e economia? Aparentemente, não. As evidências empíricas acerca das respostas e impactos da gripe de Influenza em 1918 nos Estados Unidos (EUA) [2] e São Paulo [3], além do modelo macroeconômico desenvolvido recentemente por Eichenbaum et al (2020) [4] mostram que, diferentemente do que é posto no debate público, as ações de redução da propagação da doença, tais como o isolamento social, não geram, necessariamente, um trade-off entre economia e saúde.

Por mais que os vírus sejam diferentes, as medidas preventivas tomadas pelos governos em resposta a maior crise sanitária do último século, causada pela gripe de Influenza, são similares ao que observamos contra o COVID-19. As saídas encontradas em ambos os casos, entretanto, são as que mais afetam o andamento econômico: o fechamento de estabelecimentos, proibições de funerais públicos e de aglomerações em eventos e espaços públicos, realização de um lockdown, a redução do horário comercial e, também, promoção de medidas de higiene. Chamaremos esse conjunto de política de Intervenções Não-Farmacêuticas (NPI).

O que foi observado sobre o Influenza nos EUA é que não somente essas NPI salvaram vidas. Os estados que foram incisivos no combate à gripe e prolongaram por um período maior as medidas intervencionistas obtiveram um crescimento econômico superior no período pós-pandemia em comparação àqueles que foram brandos em relação à doença. Dessa forma, as NPI não geraram efeitos adversos de agravamento da crise econômica produzida pelo vírus da Influenza.

Como explicar, através de um modelo macroeconômico, a não adversidade econômica causada pela implementação de medidas restritivas ao convívio social, dado que sua aplicação reprime as atividades econômicas que demandam contatos sociais? A chave para entender esse processo pode ser o aspecto da externalidade clássica, mostrada no desenvolvimento do SIR-macro. Ao incluir os comportamentos econômicos nos agentes e o aumento de probabilidade de infecção decorrente de atividades econômicas, como infecções durante a atividade laboral ou de consumo, no modelo epidemiológico clássico SIR [5] identifica-se que, ao permitir a atividade normal, o resultado das ações formadas dessa maneira não gera o melhor cenário possível. Isso se justificaria pela falta de restrição ao comportamento dos infectados, o que levaria a um aumento de transmissão do vírus de forma generalizada. Em reação a isso, os agentes tomam como dado o aumento da mortalidade e respondem esse acréscimo com a redução drástica da oferta de trabalho e da demanda por consumo para reduzir a probabilidade de ser contaminado. Dessa forma, a recessão econômica com ausência de restrição de isolamento seria maior do que sem aumento das restrições sociais. [6]

Ladeira Porto Geral, no centro de São Paulo, vazia durante quarentena (Amanda Perobelli/Reuters).

Grandes choques que deprimiram a economia foram observados e mensurados nesses estudos, tomando a real dimensão dessa adversidade, principalmente enquanto a pandemia ainda atingia em peso a economia. O que ficou cicatrizado, porém, como visto em estudos observando São Paulo, foi a perda permanente da qualidade do capital humano paulista, que reverberou uma perda de produtividade 20 anos após a pandemia, o que nunca foi recuperado. Os governos, a exemplo de São Paulo, em 1918 também subestimaram a crise e, quando perceberam, já seria tarde demais para evitar o caos que era iminente. Portanto, o que as evidências da crise de 100 anos atrás podem nos dizer? Ela pode nos auxiliar a entender que não existe necessariamente um conflito entre o isolamento social e a atividade econômica tal como posto em algumas discussões sobre como responder a crise atual. Com isso, não há evidência clara que nos leve a não seguir as recomendações de aplicações NPI sugeridas pelas autoridades médicas. Por fim, vale ressaltar que as consequências econômicas de uma crise desse tipo se dissipam ao longo do tempo, mas vidas humanas, uma vez perdidas, não são recuperadas.

Notas e Referências

[1] Ao escolher uma opção o custo é a outra opção.

[2] Correia, S and Luck, S and Verner, E, Pandemics Depress the Economy, Public Health Interventions Do Not: Evidence from the 1918 Flu (March 30, 2020). Available at SSRN: https://ssrn.com/abstract=3561560 or http://dx.doi.org/10.2139/ssrn.3561560

[3] GUIMBEAU, A; MENON, N; MUSACCHIO, A. The brazilian bombshell? the long-term impact of the 1918 influenza pandemic the south american way. National Bureau of Economic Research, 2020.

[4] EICHENBAUM, M S.; REBELO, S; TRABANDT, M. The macroeconomics of epidemics. National Bureau of Economic Research, 2020.

[5] O modelo matemático para estudos epidemiológico, o SIR clássico, foi proposto por Kermack and McKendrick (1927). Nesse trabalho, os autores buscavam estudar a dinâmica de uma pandemia e seus impactos. Por ser um dos modelos canônicos de epidemias, os leitores mais interessados podem ter acesso completo ao modelo pelo link: https://royalsocietypublishing.org/doi/10.1098/rspa.1927.0118

[6] Esse resultado é verificado no modelo mesmo ao mudar os cenários em relação a doença, como um cenário de crise no sistema de saúde, de descoberta de um medicamento para o tratamento da doença ou de uma vacina para realizar a prevenção, isto é, pelo SIR-macro, os cenários econômicos são melhores — menor número de mortes e sem gerar efeitos adversos na economia no médio prazo — quando o governo impõe uma medida de restrição à interação social do que quando o governo não aplica esse tipo de política.

--

--

O Veterano
O Veterano

O Veterano é um jornal estudantil criado por alunos da Escola Brasileira de Economia e Finanças em 2020.