Coluna | “Ouvi que gays precisam trabalhar o dobro para ganhar metade no mercado financeiro”

Por Leonardo Uller

O Veterano
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3 min readJun 9, 2021

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Texto originalmente publicado no Warren Blog em 16 de Abril de 2020, autorizado pelo autor a ser republicado.

Foto: José Benigno.

Desde quando era criança, sempre soube que eu era diferente. Lembro quando tinha 6 anos de idade: enquanto todos os meus amigos jogavam o saudoso Mario Kart com o gigante Bowser, o Donkey Kong ou o Mario, eu me recusava a jogar se não deixassem eu usar o avatar da Princesa Peach.

Sempre tive um olhar diferente da média dos meninos da minha idade e preferia andar com as meninas. Na adolescência, fui me entendendo melhor e descobri que a minha sexualidade é diferente da maioria das pessoas, sou gay.

Meu primeiro contato com o mercado financeiro foi pelo meu irmão mais velho, que estagiou em um dos maiores bancos do mundo, na famosa avenida Brigadeiro Faria Lima (a qual, aliás, passei quase 7 anos da minha carreira).

As impressões que ele me contava sobre o trabalho eram péssimas: uma rotina frequente de assédios e humilhações apenas pelo fato de ser estagiário, e tudo isso com um salário astronômico. Ficava pensando que se, para ele, homem hétero, já era algo duro e difícil de aguentar, para mim, como gay, seria algo inimaginável.

Mas as voltas que o mundo deu me fizeram justamente cair no mercado financeiro que tanto temia. Antes da Warren, trabalhei em três das maiores instituições financeiras do Brasil e, degrau por degrau, fui fazendo a minha carreira. Sou muito grato por tudo que vivi e aprendi em todas as empresas que passei. E longe de mim ser vitimista: prefiro encarar os limões que a vida dá e fazer uma limonada (ou uma caipirinha).

Isso dito, confesso que encontrei ambientes muito mais acolhedores do que o que meu irmão descrevia, mas isso não me impediu de ver barreiras veladas e explícitas. Das situações agressivas, a pior foi quando ouvi que “mercado financeiro não é para viado e nem para gente frouxa”. Foi logo no começo da minha carreira e, honestamente, não soube como reagir a esta agressão.

Mas, para mim, o pior preconceito é o velado, aquele que não é explicitado e que, ironicamente, costuma vir de gente que se considera “sem preconceitos”. Na média, sou uma pessoa extrovertida e expansiva, então foram inúmeros os feedbacks que tinha que “controlar meu temperamento” e “tomar cuidado com as brincadeiras”.

O pior neste tipo de feedback, para mim, é que nunca vi nenhum hétero receber este mesmo tipo de conselho dos superiores, mesmo quando passavam horas e horas discutindo sexo em voz alta nas bancadas ou falando sobre as baladas do último fim de semana, entre outros temas inadequados. O incômodo nunca foi com a minha expansividade, e sim com a minha homossexualidade — mas isso nunca foi dito.

Tenho certeza que tenho muito a crescer e aprender, mas em todas as instituições financeiras que trabalhei antes da Warren, olhava para cima e não via pessoas parecidas comigo, seja na formação, background social e, principalmente, não via nenhum funcionário gay assumido.

E foi justamente esse um dos fatores que me fez me encantar com o projeto da Warren quando fui chamado para fazer parte do time. Não idealizo a empresa, ainda temos muito a evoluir.

Porém, aqui nós temos um ambiente honesto e transparente o suficiente para que não apenas eu possa ajudar ativamente a construir estes espaços em iniciativas incríveis como o Warren Equals, mas também tenha liberdade total para atrair talentos diferentes do que as empresas da Faria Lima estão acostumadas a contratar.

LEIA MAIS | Conheça o Warren Equals

Ouvi de outros gays mais velhos também no mercado financeiro que nós temos que “trabalhar o dobro para ganhar metade”. Infelizmente, concordo com essa frase, mesmo achando ela é extremamente injusta.

Sou cercado de privilégios, nunca passei fome, tenho um teto, tenho uma família estabilizada e sou branco. Tudo isso me coloca em bastante vantagem em relação à média das pessoas, mas nada disso me impediu de sentir o preconceito de maneira explícita e velada ao longo dos anos. A pergunta que fica é: quando isso vai acabar?

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O Veterano é um jornal estudantil criado por alunos da Escola Brasileira de Economia e Finanças em 2020.