Concorrência Desleal e A Revolta do Varejo

O Veterano
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5 min readMay 12, 2022

Texto por Alan Gayger e Grabriela Albuquerque

Imagem disponível em: https://pixabay.com/photos/ecommerce-internet-marketing-online-3546296/

Em pleno 2022, quem nunca se deparou com um produto incrível na internet, a um preço muito mais acessível do que o padrão, e ficou simplesmente maravilhado? Tal experiência, muito comum nos dias de hoje, é produto do crescimento exponencial que as empresas de e-commerce (comércio na internet) tiveram nos últimos anos. No entanto, o sucesso dessas companhias não trouxe somente flores, gerando atritos com grandes varejistas de lojas físicas já estabelecidos no mercado.

Mais recentemente, um grupo de organizações mais tradicionais acusou essas novas empresas de concorrência desleal, devido aos menores impostos que elas estariam pagando. Isso fez com que os grandes varejistas pressionassem o governo para que este aprovasse uma medida provisória para taxar as concorrentes. Assim, para entendermos melhor essa medida e seus impactos, é importante, primeiro, analisarmos o modelo de negócio que gerou essa revolução no mercado através de algumas empresas que o utilizam.

O principal formato pelo qual o e-commerce atuou e se propagou, e que hoje constitui a maior parte de suas vendas, é o Marketplace. Nesse sistema, diferentes vendedores podem ofertar seus produtos na plataforma, que os exibe para que todos os consumidores possam visualizá-los como se fosse uma “vitrine”. Uma vez que o consumidor encontra aquilo que deseja, ele realiza a compra e o vendedor recebe o dinheiro relativo a sua venda, deixando uma comissão para a empresa detentora do Marketplace. No caso do Brasil, esse modelo popularizou-se através de empresas como o Mercado Livre e as Lojas Americanas, que se constituíram como pioneiros do e-commerce brasileiro. Após o sucesso dessas empresas, organizações internacionais — como a Alibaba, a Shein e a Shopee — instalaram-se no país e obtiveram grande êxito.

A primeira dessas empresas foi a gigante chinesa Alibaba, trazendo ao país a sua plataforma de Marketplace, o Aliexpress, e gerando um sucesso estrondoso com seus preços altamente competitivos. Tal vantagem comparativa só foi possível devido ao sistema de envio direto entre pessoas físicas, o que nunca foi devidamente taxado. Isso ocorre, pois, além de ser muito difícil fiscalizar todos os produtos importados na modalidade de pessoa física para pessoa física, o valor mínimo do produto para a cobrança de impostos é de US$ 50,00, isentando a maioria das mercadorias. Logo, tensões entre grandes empresas de varejo, governo e Marketplaces estrangeiros já têm uma longa história no Brasil.

Uma década após o sucesso da gigante chinesa, outra empresa do mesmo país veio pro Ocidente para gerar uma disrupção completa no mercado da moda: a Shein. Extremamente famosa entre os jovens da geração Z, a organização desenvolveu um processo de criação de novas peças extremamente ágil e dinâmico. Através do uso intensivo de dados sobre tendências na moda e do lançamento em massa de novos produtos, ela consegue adicionar milhares de novas mercadorias ao seu Marketplace diariamente. Além disso, a companhia também conta com a não taxação de seus produtos e com uma incrível rede de influencers promovendo a marca por todo o mundo, somando 500 deles só no Brasil. Assim, por meio de toda essa estrutura, a empresa alcançou um sucesso notável no país, obtendo um lucro de US$ 10,00 bilhões em 2020, tomando para si uma parte considerável do mercado das tradicionais varejistas de moda.

Além do Aliexpress e da Shein, outra empresa que se destacou no ramo foi a varejista Shopee, que já é vista por muitos como a melhor plataforma de e-commerce do país. Em seu Marketplace, são comercializados produtos dos mais diversos tipos e de vendedores tanto do país quanto do exterior. Nesse contexto, a empresa conta com uma forte presença nacional, já incluindo mais de 2 milhões de vendedores brasileiros registrados na plataforma. Dessa maneira, a Shopee somou-se ao rol de organizações odiadas pelo varejo tradicional.

Assim, o crescimento de empresas de Marketplace do exterior — como Aliexpress, Shein e Shopee — ofuscou o brilho do varejo tradicional, que recentemente acusou as novas organizações de concorrência desleal. Tais ataques alegaram a suposta vantagem tributária que as empresas estrangeiras teriam, e o consequente ganho de competitividade advindo dela. Isso culminou na atual discussão que está ocorrendo no Ministério da Economia — mais especificamente na esfera de influência da Receita Federal — sobre a promulgação de uma MP para taxar os Marketplaces estrangeiros. A Medida Provisória prevê a cobrança de impostos de qualquer produto importado em 60%, independentemente do seu valor, diferenciando-se da sua versão anterior, em que só havia cobrança para produtos acima de US$ 50,00.

Caso o governo, pressionado por empresas tradicionais de varejo — como Havan e Multilaser — , efetive essa medida, todos os players do mercado sofrerão seus efeitos. No caso dos Marketplaces, o impacto geral seria de aumento dos preços dos seus produtos vindos do exterior e diminuição dos seus retornos. No entanto, observando-se os casos da Shopee e da Shein, acredita-se que a primeira pode acelerar as suas operações já presentes no Brasil, enquanto a segunda tende a ter mais perdas com a medida. Enquanto isso, as grandes varejistas e lojas de departamento tendem a beneficiar-se dessa situação, uma vez que elas teriam menos concorrência. Por fim, o governo pode ganhar pontos com os grandes empresários nacionais no setor, mas perder com os consumidores, que tanto apreciam essas plataformas.

Isso posto, vale citar que tensões entre empresários nacionais e novas empresas, sejam elas vindas de fora ou de dentro do país, não é algo recente. A discussão de pautas como essa tem grande relevância para diversos setores da sociedade, tornando vital a difusão de informação confiável sobre o assunto. Assim, após munir o presente leitor de conhecimento sobre o assunto, deixo para ele os seguintes questionamentos: faz sentido proteger as empresas nacionais frente às estrangeiras? A cobrança de um imposto tão alto como esse sobre empresas que atendem a tantos consumidores é justa? Qual o nosso papel enquanto cidadãos em meio a esse tipo de decisão?

Referências

Mercado Livre faz 15 anos e diretor para o Brasil dispara: ‘Concorrência é bom’

https://www.techtudo.com.br/noticias/2015/03/mercado-livre-faz-15-anos-e-diretor-para-o-brasil-dispara-concorrencia-e-bom.ghtml

Vendas da ‘Black Friday’ no país mais que dobram e somam R$ 217 milhões https://g1.globo.com/economia/negocios/noticia/2012/11/vendas-da-black-friday-no-pais-mais-que-dobram-para-r-217-milhoes.html

Para líder do AliExpress no Brasil, escritório local pode ser questão de tempo

https://canaltech.com.br/e-commerce/para-lider-do-aliexpress-no-brasil-escritorio-local-pode-ser-questao-de-tempo-46205/

POR TRÁS DO SUCESSO DA SHEIN

https://elle.com.br/moda/por-tras-do-sucesso-da-shein

Shopee já é mais popular que Ifood: como fazer renda extra com o app

https://exame.com/invest/minhas-financas/shopee-ja-e-mais-popular-que-ifood-como-fazer-renda-extra-com-o-app_red-01/

Na mira do governo, Shopee já conta com 2 milhões de vendedores brasileiros

https://www.terra.com.br/noticias/tecnologia/na-mira-do-governo-shopee-ja-conta-com-2-milhoes-de-vendedores-brasileiros,3d4b9da68d009e6f86cca56831693f0fhorcsrg3.html

Nova tributação pode aumentar em 60% preço em apps de compra internacional

https://exame.com/economia/nova-tributacao-pode-aumentar-em-60-preco-em-apps-de-compra-internacional/

Mercado Livre, Shopee e outras são acusadas de concorrência desleal

https://www.tecmundo.com.br/mercado/235907-empresarios-acusam-aliexpress-shopee-outras-concorrencia-desleal.htm

Shopee e Shein com dias contados?

https://conteudos.xpi.com.br/acoes/relatorios/shopee-e-shein-com-dias-contados-varejo/

Originally published at https://medium.com on May 12, 2022.

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O Veterano é um jornal estudantil criado por alunos da Escola Brasileira de Economia e Finanças em 2020.