Conflito Armênia x Azerbaijão: A geopolítica do Cáucaso

Pedro Cytryn
O Veterano
Published in
6 min readOct 8, 2020
Mapa Geopolítico do Cáucaso Fonte Wikipedia

A região conhecida como Cáucaso, na Eurásia, é a divisória entre a Europa Oriental e a Ásia Ocidental, situando -se entre os mares Negro e Cáspio. Atualmente, potências regionais como Rússia, ao Norte, e Turquia e Irã, ao Sul, a espremem de cima para baixo com sua inflûencia política e militar. A história da ocupação da região pode ser descrita como resultado de conflitos travados por grandes reinos e impérios. Esta profusão de influências, por séculos, tornou a região extremamente diversa dos pontos de vista étnico — sendo o lar de povos como o cáucaso, o indo europeu e o altaico — , cultural, linguístico e religioso. .

Na Era Contemporânea (pós-1789), o Império Persa, da dinastia de Qajar, controlou o Cáucaso Sul até 1813, quando foi obrigado a cedê-lo em parte a Alexandre I da Rússia através dos Tratados de Gulistan(1813) e Turkmenchay (1828). O que restava a ser conquistado veio das guerras com o Império Otomano. O Norte seria conquistado pouco depois pelos russos por volta de 1850.

A Turquia, ex-Império Otomano, protagonizou durante 1914 até 1923 um triste episódio da história belicosa da região. Ficou conhecida como o Genocídio Armênio a eliminação de 60.000 a 98.000 civis armenos. A Revolução Russa de 1917 e a criação da URSS ecoaram sobre o Cáucaso com a anexação de praticamente toda a região por parte de Stálin — que, aliás, nasceu na região. A mão de ferro soviética foi responsável durante a Segunda Guerra Mundial por uma verdadeira reorganização étnico-demográfica por meio da deportação em massa de aproximadamente 800.000 pessoas de diferentes povos para campos de trabalho forçado na Rússia Central e na Sibéria.

A queda da União Soviética em 1991 significou, na prática, um alívio da dominação sobre todos estes povos da região, o que os deu o empenho necessário para o fortalecimento de movimentos separatistas e independentistas. Desse processo tornaram-se independentes da URSS os Estados da Armênia, Geórgia e Azerbaijão, além de inúmeras repúblicas autônomas no território russo. Porém estes novos estados e lideranças regionais não concordavam entre si com as demarcações fronteiriças, o que culminou nas Guerras de Nagorno-Karabakh (1988–1994), Podgorny Leste (1989–1991), Abkhazia (1992–1993), Primeira Guerra da Chechênia (1994–1996), Segunda Guerra da Chechênia(1999–2009) e Guerra da Ossétia do Sul (2008). [1]

Mapa Étnico Político do Cáucaso Fonte Wikipedia

Um das medidas adotadas pela Federação Russa para manter sua influência geopolítica sobre os países do extinto bloco soviético foi a criação da Commonwealth of Independent States (CIS) uma organização governamental interegional que contava com 9 países, entre eles Armênia e Azerbaijão. A parceria também ocorria no âmbito econômico, com a demarcação da CIS Free Trade Area. Entretanto, as relações com a Armênia eram mais fortes do que as com o Azerbaijão, fazendo com que o pacto militar Collective Security Treaty Organization (CSTO) só contasse com os armênios, em detrimento dos azeris (nativo do Azerbaijão), de modo a deixar claras as preferências da Rússia. O que, inclusive, se fez evidente na disputa por Nagorno-Karabakh — região de maioria Armênia que era território do Azerbaijão — , quando a Armênia a reivindicou e teve pleno apoio russo para conquistá-la. Para melhor dominar o território, os armênios criaram um estado-fantoche, não reconhecido pela ONU, denominado de República de Artsakh.

O Azerbaijão, entretanto, não está isolado no cenário geopolítico regional, contando com fortíssimas relações com a Turquia — com quem dizem ter um sistema de uma nação com dois Estados. Os dois países têm forte laços culturais e linguísticos, bem como fortes laços econômicos, com maciços investimentos em infraestrutura. Acontece que a Turquia, sem reservas de gás natural, é caminho para o grande volume de gás natural azeri chegue até os europeus. Uma relação que de fato não é rica só de cultura.

Perceba que Turquia e Rússia, potências militares, se antagonizam na região há muitíssimo tempo e, apesar da aproximação entre os dois países no pós-União Soviética, os seus interesses permaneceram contrários. Em 2011, a Guerra Civil na Síria fez com que Putin e Erdogan tivessem um novo palco de disputas. Putin apoiou o ditador sírio Bashar al-Assad, temendo sua eventual queda e a perda do monopólio sobre os gasodutos sírios — a Síria é o corredor do gás natural russo para a Europa. Os turcos, por sua vez, tiveram boas relações com a Síria por algum tempo, mas patrocinaram rebeldes sírios e ajudaram a fundar o Free Syrian Army, o que selou a participação deles na Guerra Civil — sem contar com a problemática dos grupos curdos como YPJ e PKK. Os interesses extremamente antagônicos na região, bem como o crescente antagonismo na Líbia, aumentaram a hostilidade de um país para o outro, em um momento no qual Erdogan parece estar em uma de suas fases mais expansionistas.

No dia 12 de julho de 2020, o Cáucaso voltou a servir como território para a ‘queda de braço’ entre Moscou e Ancara, com a escalada nas tensões fronteiriças entre Azerbaijão e a República de Artzhak. No começo de outubro, o Azerbaijão, apoiado logística e operacionalmente pela Turquia — contando, inclusive com mercenários sírios-, lançou uma ofensiva para retomar o controle a região de Nagorno-Karabakh [2] . Vídeos divulgados pelo governo azeri mostram colunas de tanques, veículos de ataque terrestre e caminhões de soldados se dirigindo para o front. O que vem chamando mais atenção, inclusive, é que o conflito está servindo de palco para demonstração da guerra moderna entre nações. Ela envolve táticas de desinformação e a utilização de armas modernas, tais como drones de observação, reconhecimento e ataque. Ambos os lados divulgaram em suas contas no Twitter vídeos gravados por câmeras de drones mostrando ataques ar-terra a comboios de soldados, baterias antiaéreas e de artilharia, tanques e carros de combate. [3]

Potências globais como França, EUA e Rússia condenaram os ataques de ambos os países pedindo por uma negociação imediata para o cessar-fogo.[4] Perceba que, mesmo apoiando a Armênia, os russos têm optado por se colocar em uma posição contrária ao conflito. Putin, que está ocupado com a Síria, a Líbia, a Crimeia, a Bielorússia e com treinos da OTAN perto de sua fronteira, sabe que não pode ser tragado para mais um conflito.

A política externa de manipulação e jogos de interesse e poder já ceifou 250 vidas de civis e militares. Os confrontos continuam no front e o número de mortos continua a subir. Ambos os países têm se acusado de estar levando o conflito para áreas civis.

A beligerância e a belicosidade reacendidas entre Armênia e Azerbaijão, apesar de terem origens em questões étnico-demográficas, parecem estar sendo insufladas pela rivalidade turco-russa, revivendo disputas antigas na região e sendo utilizadas no xadrez da geopolítica global de acordo com os interesses dos países envolvidos. Armen Sarkissian, presidente da Armênia, e Ilham Aliyev, do Azerbaijão, estão determinados em manter suas posições.

Rio de Janeiro, 08 de Outubro, 2020

Drone turco Bayraktar TB2 empregado por forças azeri destrói tanque armênio com míssil UMTAS (Vídeo divulgado no Twitter pelo perfil do governo azeri)

Referências:

[1]Death On Two Legs.The Post-Soviet Wars (Part 1) | The Caucasus. 2019. (22m59s). Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=CldKQGAwVHw&t=1225>. Acesso em: 04 out. 2020.

[2]R7. Presidente turco reforço apoio ao Azerbaijão em Conflito com Armênia. Disponível em: <https://noticias.r7.com/internacional/presidente-turco-reforca-apoio-ao-azerbaijao-em-conflito-com-armenia-28092020>. Acesso em: 04 out. 2020

[3]Hoje no Mundo Militar. Armênia x Azerbaijão — Quem está certo? 2020. (6m32s). Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=LwecPnK7DjU>. Acesso em: 04 out. 2020.

[4]CNN BRASIL.EUA, França e Rússia pedem cessar-fogo no conflito entre Armênia e Azerbaijão. Disponível em:<https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/2020/10/01/eua-franca-e-russia-pedem-cessar-fogo-no-conflito-entre-armenia-e-azerbaijao>. Acesso em: 04 out. 2020

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