Conflito Armênia x Azerbaijão: A geopolítica do Cáucaso
A região conhecida como Cáucaso, na Eurásia, é a divisória entre a Europa Oriental e a Ásia Ocidental, situando -se entre os mares Negro e Cáspio. Atualmente, potências regionais como Rússia, ao Norte, e Turquia e Irã, ao Sul, a espremem de cima para baixo com sua inflûencia política e militar. A história da ocupação da região pode ser descrita como resultado de conflitos travados por grandes reinos e impérios. Esta profusão de influências, por séculos, tornou a região extremamente diversa dos pontos de vista étnico — sendo o lar de povos como o cáucaso, o indo europeu e o altaico — , cultural, linguístico e religioso. .
Na Era Contemporânea (pós-1789), o Império Persa, da dinastia de Qajar, controlou o Cáucaso Sul até 1813, quando foi obrigado a cedê-lo em parte a Alexandre I da Rússia através dos Tratados de Gulistan(1813) e Turkmenchay (1828). O que restava a ser conquistado veio das guerras com o Império Otomano. O Norte seria conquistado pouco depois pelos russos por volta de 1850.
A Turquia, ex-Império Otomano, protagonizou durante 1914 até 1923 um triste episódio da história belicosa da região. Ficou conhecida como o Genocídio Armênio a eliminação de 60.000 a 98.000 civis armenos. A Revolução Russa de 1917 e a criação da URSS ecoaram sobre o Cáucaso com a anexação de praticamente toda a região por parte de Stálin — que, aliás, nasceu na região. A mão de ferro soviética foi responsável durante a Segunda Guerra Mundial por uma verdadeira reorganização étnico-demográfica por meio da deportação em massa de aproximadamente 800.000 pessoas de diferentes povos para campos de trabalho forçado na Rússia Central e na Sibéria.
A queda da União Soviética em 1991 significou, na prática, um alívio da dominação sobre todos estes povos da região, o que os deu o empenho necessário para o fortalecimento de movimentos separatistas e independentistas. Desse processo tornaram-se independentes da URSS os Estados da Armênia, Geórgia e Azerbaijão, além de inúmeras repúblicas autônomas no território russo. Porém estes novos estados e lideranças regionais não concordavam entre si com as demarcações fronteiriças, o que culminou nas Guerras de Nagorno-Karabakh (1988–1994), Podgorny Leste (1989–1991), Abkhazia (1992–1993), Primeira Guerra da Chechênia (1994–1996), Segunda Guerra da Chechênia(1999–2009) e Guerra da Ossétia do Sul (2008). [1]
Um das medidas adotadas pela Federação Russa para manter sua influência geopolítica sobre os países do extinto bloco soviético foi a criação da Commonwealth of Independent States (CIS) uma organização governamental interegional que contava com 9 países, entre eles Armênia e Azerbaijão. A parceria também ocorria no âmbito econômico, com a demarcação da CIS Free Trade Area. Entretanto, as relações com a Armênia eram mais fortes do que as com o Azerbaijão, fazendo com que o pacto militar Collective Security Treaty Organization (CSTO) só contasse com os armênios, em detrimento dos azeris (nativo do Azerbaijão), de modo a deixar claras as preferências da Rússia. O que, inclusive, se fez evidente na disputa por Nagorno-Karabakh — região de maioria Armênia que era território do Azerbaijão — , quando a Armênia a reivindicou e teve pleno apoio russo para conquistá-la. Para melhor dominar o território, os armênios criaram um estado-fantoche, não reconhecido pela ONU, denominado de República de Artsakh.
O Azerbaijão, entretanto, não está isolado no cenário geopolítico regional, contando com fortíssimas relações com a Turquia — com quem dizem ter um sistema de uma nação com dois Estados. Os dois países têm forte laços culturais e linguísticos, bem como fortes laços econômicos, com maciços investimentos em infraestrutura. Acontece que a Turquia, sem reservas de gás natural, é caminho para o grande volume de gás natural azeri chegue até os europeus. Uma relação que de fato não é rica só de cultura.
Perceba que Turquia e Rússia, potências militares, se antagonizam na região há muitíssimo tempo e, apesar da aproximação entre os dois países no pós-União Soviética, os seus interesses permaneceram contrários. Em 2011, a Guerra Civil na Síria fez com que Putin e Erdogan tivessem um novo palco de disputas. Putin apoiou o ditador sírio Bashar al-Assad, temendo sua eventual queda e a perda do monopólio sobre os gasodutos sírios — a Síria é o corredor do gás natural russo para a Europa. Os turcos, por sua vez, tiveram boas relações com a Síria por algum tempo, mas patrocinaram rebeldes sírios e ajudaram a fundar o Free Syrian Army, o que selou a participação deles na Guerra Civil — sem contar com a problemática dos grupos curdos como YPJ e PKK. Os interesses extremamente antagônicos na região, bem como o crescente antagonismo na Líbia, aumentaram a hostilidade de um país para o outro, em um momento no qual Erdogan parece estar em uma de suas fases mais expansionistas.
No dia 12 de julho de 2020, o Cáucaso voltou a servir como território para a ‘queda de braço’ entre Moscou e Ancara, com a escalada nas tensões fronteiriças entre Azerbaijão e a República de Artzhak. No começo de outubro, o Azerbaijão, apoiado logística e operacionalmente pela Turquia — contando, inclusive com mercenários sírios-, lançou uma ofensiva para retomar o controle a região de Nagorno-Karabakh [2] . Vídeos divulgados pelo governo azeri mostram colunas de tanques, veículos de ataque terrestre e caminhões de soldados se dirigindo para o front. O que vem chamando mais atenção, inclusive, é que o conflito está servindo de palco para demonstração da guerra moderna entre nações. Ela envolve táticas de desinformação e a utilização de armas modernas, tais como drones de observação, reconhecimento e ataque. Ambos os lados divulgaram em suas contas no Twitter vídeos gravados por câmeras de drones mostrando ataques ar-terra a comboios de soldados, baterias antiaéreas e de artilharia, tanques e carros de combate. [3]
Potências globais como França, EUA e Rússia condenaram os ataques de ambos os países pedindo por uma negociação imediata para o cessar-fogo.[4] Perceba que, mesmo apoiando a Armênia, os russos têm optado por se colocar em uma posição contrária ao conflito. Putin, que está ocupado com a Síria, a Líbia, a Crimeia, a Bielorússia e com treinos da OTAN perto de sua fronteira, sabe que não pode ser tragado para mais um conflito.
A política externa de manipulação e jogos de interesse e poder já ceifou 250 vidas de civis e militares. Os confrontos continuam no front e o número de mortos continua a subir. Ambos os países têm se acusado de estar levando o conflito para áreas civis.
A beligerância e a belicosidade reacendidas entre Armênia e Azerbaijão, apesar de terem origens em questões étnico-demográficas, parecem estar sendo insufladas pela rivalidade turco-russa, revivendo disputas antigas na região e sendo utilizadas no xadrez da geopolítica global de acordo com os interesses dos países envolvidos. Armen Sarkissian, presidente da Armênia, e Ilham Aliyev, do Azerbaijão, estão determinados em manter suas posições.
Rio de Janeiro, 08 de Outubro, 2020
Referências:
[1]Death On Two Legs.The Post-Soviet Wars (Part 1) | The Caucasus. 2019. (22m59s). Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=CldKQGAwVHw&t=1225>. Acesso em: 04 out. 2020.
[2]R7. Presidente turco reforço apoio ao Azerbaijão em Conflito com Armênia. Disponível em: <https://noticias.r7.com/internacional/presidente-turco-reforca-apoio-ao-azerbaijao-em-conflito-com-armenia-28092020>. Acesso em: 04 out. 2020
[3]Hoje no Mundo Militar. Armênia x Azerbaijão — Quem está certo? 2020. (6m32s). Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=LwecPnK7DjU>. Acesso em: 04 out. 2020.
[4]CNN BRASIL.EUA, França e Rússia pedem cessar-fogo no conflito entre Armênia e Azerbaijão. Disponível em:<https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/2020/10/01/eua-franca-e-russia-pedem-cessar-fogo-no-conflito-entre-armenia-e-azerbaijao>. Acesso em: 04 out. 2020