Desde Luther King a George Floyd: Racismo Fatídico

flash dos acontecimentos recentes da questão racial americana e seu anacronismo

Bernardo Albernaz
O Veterano
4 min readJun 3, 2020

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“Eu digo a vocês hoje, meus amigos, que embora nós enfrentemos as dificuldades de hoje e amanhã. Eu ainda tenho um sonho. É um sonho profundamente enraizado no sonho americano. Eu tenho um sonho que um dia esta nação se levantará e viverá o verdadeiro significado de sua crença — nós celebraremos estas verdades e elas serão claras para todos, que os homens são criados iguais. Eu tenho um sonho que minhas quatro pequenas crianças vão um dia viver em uma nação onde elas não serão julgadas pela cor da pele, mas pelo conteúdo de seu caráter. Eu tenho um sonho hoje!”

Muitos conhecem a parte mais emblemática do discurso de Martin Luther King Jr. durante a Marcha sobre Washington por Trabalho e Liberdade em 1963 na capital estadunidense. O discurso do pastor marcou a história da luta por direitos civis e é sempre recitado num estágio de esperança pela igualdade. A grande questão é que, quando um sonho é sonhado por muitos há tempo demais, as pessoas passam a enxergá-lo como utopia.

King foi nomeado Personalidade do Ano (1963) pela revista Time e recebeu um Prêmio Nobel da Paz. Seu trabalho revolucionou o sistema legislativo, e, decerto, sua influência é global. Dois anos depois (1965), ativistas ligados ao pastor lideraram três grandes marchas da cidade de Selma, no Alabama, até a capital Montgomery, em protesto aos direitos eleitorais restritos aos brancos na maioria dos estados sulistas dos EUA.

A primeira marcha foi duramente reprimida pela polícia local. Redes televisivas transmitiram aos norte-americanos a brutalidade acometida aos manifestantes, e o jovem Jimmie Lee Jackson foi baleado ao tentar fugir da violência escancarada. Jackson morreu oito dias depois do incidente. A imprensa conseguiu promover não só a visibilidade, mas também a adesão de parte da população em alguns cantos do país, e a partir disso, mais duas outras marchas, cujo trajeto é considerado Trilha Histórica Nacional dos Estados Unidos, foram realizadas.

George Floyd é Jimmie Jackson. Ele, homem negro, morreu asfixiado no chão por um policial branco na cidade de Minneapolis (EUA) no dia 25 de maio, e o mundo testemunhou por meio do compartilhamento midiático nas redes sociais — o que permitiu uma série de manifestações em diversos países. O policial foi preso e acusado de homicídio culposo e assassinato em terceiro grau.

Alguns protestos em cidades americanas foram seguidos de atos de violência e vandalismo, os quais geraram reação negativa do presidente Donald Trump no Twitter: “onde começam os saques, começam os tiros”. A rede social retirou a declaração de circulação por ferir normas de antiviolência da plataforma. Protestos em locais como Brooklyn e Atlanta foram reprimidos por táticas agressivas de oficiais da polícia com uso de bastões, gás lacrimogêneo, spray de pimenta e bala de borracha em manifestantes. Alguns carros da polícia foram quebrados e incendiados.

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Mas é válido notar que nem todos aconteceram dessa forma: há casos em que manifestantes e oficiais desenvolveram relações positivas, como na cidade de Oklahoma, onde policiais se ajoelharam como forma de solidariedade à população negra.

O oficial da Polícia de Nova York, John Miller, afirma que há anarquistas infiltrados nas manifestações a fim de gerar caos. Investigações seguem no rumo de verificar ações destes grupos organizadas por comunicações criptografadas para conseguir financiamento de compra de gasolina, pedras, entre outros artifícios. Algumas autoridades, entretanto, negam.

O ponto é que a depredação de alguns patrimônios e a roubaria têm desvirtuado o movimento que surgiu com King. O mundo testemunhou o racismo e a inconformidade está em protagonismo, mas Martin Luther King Jr. consegue ainda ensinar a eficácia dos métodos de não-violência e desobediência civil. Foi nessa linha que o Ato de Direitos Civis de 1964 e o Ato de Direito do Voto de 1965 foram aprovados, proibindo as práticas discriminatórias que outrora eram institucionalizadas pelo Estado.

A cientista política Erica Chenoweth, da universidade de Harvard, afirma em sua pesquisa que o método pacifista não é só uma escolha moral, mas também a forma mais eficaz de influenciar a política. Com uma amostragem alta de protestos desde o século anterior, a pesquisadora concluiu que manifestações não violentas têm o dobro de probabilidade de atingir suas metas em detrimento de táticas violentas. Contudo, ela mostra que é preciso a adesão ativa de 3,5% da população para que tais protestos gerem efeitos esperados. As conclusões da pesquisa estão em seu livro Why Civil Resistance Works (“Por que a resistência civil funciona”, em tradução livre).

E o discurso de King segue para um final do qual todos estão cansados em procurar:

“…. E quando isto acontecer, quando nós permitimos o sino da liberdade soar, quando nós deixarmos ele soar em toda moradia e todo vilarejo, em todo estado e em toda cidade, nós poderemos acelerar aquele dia quando todas as crianças de Deus, homens pretos e homens brancos, judeus e gentios, protestantes e católicos, poderão unir mãos e cantar: Livre afinal, livre afinal.”

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Bernardo Albernaz
O Veterano

Estudante de economia e redator do Jornal Estudantil O Veterano