Dois anos da Tragédia: Brumadinho e os Punitive Damages

Gustavo de Santana
O Veterano
Published in
6 min readJan 25, 2021
Fonte: Veja. Disponível em https://veja.abril.com.br/brasil/saiba-como-ajudar-as-vitimas-do-desastre-da-barragem-em-brumadinho/

Escrevo este texto com o objetivo de apresentar aos leitores os Punitive Damages, que são, como descrevem Robert Cooter e Thomas Ulen em “Direito e Economia”, indenizações destinadas ao sujeito que sofreu o dano como modo de punir aquele que praticou a ação danosa. Ademais, além de abordar os conceitos e as hipóteses nas quais será eficaz a aplicação do instituto aqui trabalhado, este texto também objetiva expor as possibilidades ou impossibilidades de sua adequação ao ordenamento jurídico brasileiro, apresentando argumentos contrários e favoráveis, além de utilizar a tragédia ocorrida no município de Brumadinho, no estado de Minas Gerais, como base para a exposição.

Detalhes da Tragédia

Dois anos atrás, acontecia no Brasil um dos maiores desastres socioambientais da sua história. A tragédia ocorrida no município de Brumadinho (MG), causada pelo rompimento da barragem de rejeitos da Mina Córrego do Feijão, no dia 25/01/2019, deixou por volta de 270 mortos e 11 desaparecidos, além de um prejuízo ambiental incalculável. A estrutura em questão, pertencente à mineradora Vale — que também foi responsável pelo desastre ocorrido em Mariana (MG), no ano de 2015 -, era classificada como de baixo risco pelo Instituto Mineiro de Gestão das Águas (IGAM). Todavia, o modelo mantido pela empresa brasileira, conhecido como a montante, era o mais perigoso e o mais barato dentre as opções comumente utilizadas pelas mineradoras, sendo, também, o menos adotado no Brasil.

O problema se torna ainda mais grave ao termos acesso à informação, que se tornou pública por meio de diversos veículos de imprensa e de um inquérito policial instaurado pelo MPMG, de que a empresa citada anteriormente possuía um banco de dados interno denominado GRG (Gestão de Risco Geotécnico) no qual se mostrava ciente das condições insustentáveis de segurança da barragem em questão. Ademais, já haviam sido feitos os cálculos dos gastos resultantes de um possível rompimento que poderia acontecer, segundo relatórios internos, por erosão interna e liquefação.

Assim sendo, como apontaram os juristas Antônio Maristrello Porto e Nuno Garoupa no livro “Curso de Análise Econômica do Direito” (2020), a Vale teria feito uma relação de custo-benefício entre as consequências financeiras que poderiam ser geradas pelo rompimento e as despesas resultantes das melhorias que deveriam ser feitas na barragem, preferindo eles a primeira opção, uma vez que, já sabendo dos riscos, não fizeram os ajustes necessários. Essa decisão, conhecida como dano eficiente, ocorre, de acordo com o professor Dr. César Fiuza, quando pagar algumas indenizações e multas é mais vantajoso financeiramente para o autor do que arcar com os custos de prevenção.

A possibilidade da utilização das indenizações punitivas como forma de impedir o dano eficiente

Diante de casos assim, um questionamento importantíssimo surge: como o dano eficiente pode ser transformado em ineficiente, a fim de que as grandes empresas optem pela precaução? Respondendo a questão levantada aqui, a Análise Econômica do Direito traz em seu conjunto de ferramentas o instituto conhecido como Punitive Damages, o qual, por meio da punição, estimula a precaução em situações nas quais os danos gerados a terceiros seriam eficientes.

A utilização do instituto supracitado pode ser vista com bastante clareza no caso Grimshaw vs Ford Motor Company. Ocorrido nos Estados Unidos entre os anos de 1978 e 1981, esse caso foi um dos responsáveis por popularizar as indenizações punitivas. Como resultado do julgamento ocorrido em Orange County, que foi confirmado pela Corte de Apelação da Califórnia, a Ford foi sentenciada a pagar uma indenização de 2.516.000,00 de dólares à vítima do dano causado e mais 3.500.000,00 de dólares a título de Punitive Damages. Essa decisão se fundamentou nos acidentes que estavam acontecendo com os veículos fabricados pela empresa em questão. Na situação de Richard Grimshaw, responsável pelo processo, seu veículo pegou fogo, matando Lilly Gray, a motorista, e deixando o autor da ação gravemente ferido. Com o decorrer da ação, ficou comprovado que a empresa automobilística estava ciente das falhas presentes em seus produtos, mas optou por não adotar nenhuma precaução pois os custos oriundos das possíveis indenizações por danos materiais seriam inferiores ao lucro que seria auferido.

Como pôde ser visto no caso descrito acima, as indenizações punitivas, que são práticas comuns na maioria dos estados norte-americanos, possuem como requisitos para serem aplicadas, conforme os autores Antônio Maristrello Porto e Nuno Garoupa, a ocorrência de um ato ilícito, que seja mais gravoso do que uma ilicitude comum e que resulte em prejuízo à vítima. Além disso, também é requisito para a aplicação do instituto aqui trabalhado, como sustenta André Gustavo Corrêa de Andrade, que o dano causado à vítima seja moral. Isso acontece uma vez que é preponderante na doutrina e na jurisprudência brasileira o entendimento de que a indenização oriunda dessa modalidade de dano cumpriria uma dupla função: a compensação e a punição. Em contrapartida, ficariam de fora do âmbito de incidência das indenizações punitivas, de acordo com Linda Schlueter e Keneth Redden, os danos resultantes da culpa simples (mere negligence), do engano (mistake) ou da ignorância (ignorance).

Por conseguinte, os Punitive Damages devem cumprir duas funções, sendo elas a de punir o autor do dano e a de desestimular outros possíveis praticantes de um ato como esse a optarem por um ilícito por julgarem ser menos custoso financeiramente. Isso deve acontecer por meio da majoração do quantum indenizatório para além de apenas compensar os danos causados.

Os Punitive Damages no caso Brumadinho e a sua aplicabilidade ao Ordenamento Jurídico brasileiro

Levando em consideração a tragédia ocorrida na cidade de Brumadinho, as três situações em que as indenizações punitivas não podem ser usadas, que foram apresentadas por Linda Schlueter e por Keneth Redden, não se aplicam à mineradora brasileira, uma vez que os danos causados não resultaram de culpa simples, do engano ou da ignorância, já que a Vale estava ciente dos riscos. Além disso, os quatro requisitos para a utilização do referido instituto estão presentes na situação, se mostrando eficiente a utilização dele na tragédia pela qual a Vale é responsável.

Posto isso, como consequência da sentença expedida pelo Tribunal competente, a empresa Vale S.A. seria punida em um valor acima do que seria gasto com os reparos que deveriam ter sido feitos na barragem, fazendo com que o dano deixe de ser eficiente. Sendo assim, a mineradora seria punida e tanto ela quanto outras grandes empresas deixariam de ver um gravíssimo crime ambiental como algo financeiramente vantajoso, tornando o custo do cometimento do ato ilícito maior do que o seu benefício.

Todavia, a aplicabilidade das indenizações punitivas no Brasil está longe de ser uma unanimidade. Alguns juristas entendem não ser o ideal. Dessa forma, utilizando-se do argumento de que o referido instituto teria como resultado o enriquecimento sem causa por parte de alguns, o que é vedado pelo artigo 884 do Código Civil, eles o condenam como impraticável no ordenamento jurídico brasileiro.

No entanto, outros muitos, como André Gustavo Corrêa de Andrade, entendem que a previsão dessa norma infraconstitucional, assim como a falta de regra expressa no ordenamento jurídico relacionada à indenização punitiva, não representam um obstáculo a sua aplicação no que concerne aos danos morais, uma vez que extrai seu fundamento da própria Constituição, por meio de princípios garantidores de direitos da personalidade[1] e da dignidade humana[2], cuja proteção efetiva exige tal espécie de resposta dada pelo ordenamento.

Concluo aqui reiterando que a utilização dos Punitive Damages se mostra eficiente nos casos em que estão presentes danos com alto grau de reprovabilidade e que resultam em prejuízo a terceiros, fazendo com que o réu e outros possíveis praticantes do mesmo delito sejam desestimulados a cometê-los. Sendo assim, ela também poderá ser utilizada com eficiência ao crime socioambiental cometido pela mineradora Vale em Brumadinho, pois, estando presentes todos os requisitos necessários e ausentes todas as circunstâncias excludentes, o custo oriundo do cometimento do ato ilícito será maior do que o seu benefício, tornando ineficiente o dano que outrora fora o oposto. Não obstante, também se reconhece aqui a grande divergência que há entre os diversos juristas e tribunais acerca da utilização, no ordenamento jurídico nacional, do instituto aqui trabalhado, que apesar de se mostrar eficiente nos casos concretos, desperta, quanto a sua aplicação, opiniões contrárias em muitos acadêmicos e operadores do direito no Brasil.

Notas de rodapé:

[1] Art. 5º, incisos V e X da CRFB/88

[2] Art 1º, inciso III da, CRFB/88

Referências bibliográficas:

ANDRADE, André Gustavo Corrêa. Indenização Punitiva. EMERJ. Disponível em: <https://www.emerj.tjrj.jus.br/revistaemerj_online/edicoes/revista36/revista36_135.pdf>. Acessado em: 18 de jan. de 2021.

DOCUMENTOS indicam que Vale sabia das chances de rompimento da barragem de Brumadinho desde 2017. G1, 12 de fev. de 2019. Disponível em: <https://g1.globo.com/mg/minas-gerais/noticia/2019/02/12/documentos-indicam-que-vale-sabia-das-chances-de-rompimento-da-barragem-da-brumadinho-desde-2017.ghtml>. Acessado em: 10 de jan. de 2020.

FIUZA, César. Direito civil: curso completo. 11a. ed. rev., atual. e ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 2008.

PORTO, Antônio Maristrello; GAROUPA, Nuno. Curso de Análise Econômica do Direito. FGV Direito Rio, 2020.

SCHLUETER, L. e REDDEN, K. R. Punitive damages. V. 1, p. 20.

Cooter, Robert; ULEN, Thomas. Direito e Economia. Quinta Edição. Porto Alegre. Bookman, 2010.

--

--