Enem 2021: expectativas e reflexões

Paulo Henrique da Silva
O Veterano
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4 min readAug 11, 2021
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Marcado para os dias 21 e 28 de novembro, o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) 2021 tem o menor número de inscritos dos últimos 13 anos. Como se relacionam as edições do Enem de 2020 e de 2021? O que esperar de mais uma edição do ‘maior vestibular’ brasileiro? Esses e outros questionamentos pretendo responder — ou ao menos comentar — ao longo deste texto.

O Enem 2020 certamente foi único. Tendo a estreia da versão digital e sendo aplicada em circunstâncias pandêmicas, a edição anterior teve seu grau de exclusividade. Nesse sentido, interliga-se a edição de 2020 à de 2021: mais um ano de Enem digital e, ao que tudo indica, mais uma aplicação durante a pandemia de COVID-19. Além disso, a inserção de uma foto digital atual do(a) candidato(a) no ato da inscrição também permeia o universo desses dois anos de prova. Talvez uma das poucas diferenças do exame, quando comparados 2020 e 2021, seja a presidência do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), órgão responsável pela elaboração e aplicação do Enem, que durante esta edição é ocupada por Danilo Dupas, e não por Alexandre Lopes como em 2020.

Para 2021, em termos de estruturação, a prova aparentemente seguirá como de costume: 180 questões divididas em quatro áreas de conhecimento e dois domingos de aplicação, além da exigência de um texto dissertativo-argumentativo — a tão conhecida redação. Todavia, resta-se o teor das questões, sobretudo de Ciências Humanas e suas Tecnologias, ameaçado? Em junho do corrente ano, o atual ministro de Estado da Educação, Milton Ribeiro, manifestou em entrevista seu interesse em ter acesso antecipado à prova do Enem para evitar o que ele classifica como questões ‘ideológicas’. Muitos entenderam tal declaração como um alerta de censura e, mais tarde, pressionado, o ministro voltou atrás. Porém, Milton não está sozinho: em 2018, o presidente da República já manifestava seu querer em acessar o conteúdo do Enem anteriormente a sua aplicação. Perguntas sobre diversidade, (des)igualdade de gênero e afins parecem incomodar muito o corpo governamental, assim como aparentam ter motivado a exoneração do ex-presidente do Inep, Alexandre Ribeiro Pereira Lopes.

Outrossim, o Enem 2021, ao que tudo indica, não será uma etapa acessível aos estudantes brasileiros que sonham com a tão desejada vaga na universidade. Discentes que faltaram à prova de 2020 e justificaram a ausência alegando receio quanto à pandemia tiveram o pedido de isenção da taxa de inscrição atual, a qual na edição desse ano é de R$ 85,00, negado; uma política — a isenção — que para muitos pode parecer irrelevante, mas que, aos que dela necessitam, é essencial para garantir o acesso ao exame.

No 1º dia de aplicação do Enem 2020, 51,5% dos inscritos faltaram. Já no segundo domingo de prova, o índice de abstenção foi maior do que 55%. Mais da metade dos inscritos faltaram em ambos os dias da edição do Enem do ano anterior. Um fato como esse é normal? não. É compreensível? Definitivamente. Os motivos das faltas podem ser variados, mas certamente o receio quanto às garantias sanitárias de prevenção à transmissão do novo coronavírus pairaram o pensamento de muitos daqueles que escolheram não realizar a prova. Eu, por exemplo, me inscrevi para o Enem 2020, mas não compareci. Faltei por medo — do vírus e do descaso governamental. Optei por não ir devido à insegurança de uma possível contaminação, preferi não colocar a mim mesmo e minha família em risco. E, infelizmente, os relatos pós-prova confirmaram muitas das minhas desconfianças quanto à garantia de um ambiente de prova seguro: salas lotadas, locais de aplicação onde o distanciamento só foi cumprido devido às abstenções, entre outros.

As políticas públicas de acesso ao Enem demonstram falhar, mas sobre ela insurge a perseverança estudantil de um futuro melhor, futuro esse que para muitos inclui o ensino superior. Talvez um tema para discorrer a redação desse ano que seja realmente atual e alinhado à vivência dos candidatos, assim como considero ter sido o de 2020 (“O estigma associado às doenças mentais na sociedade brasileira”), seja uma motivação para aqueles que se preparam ansiosamente em busca de um resultado promissor no Enem 2021.

As circunstâncias de realização do Enem 2021 não aparentam ser perfeitas; a pandemia ainda vigente certamente implicará no desempenho de alguns, senão muitos, dos candidatos, devido às suas várias vertentes de impacto. Além disso, recai quase que exclusivamente ao alunato — sobretudo o de escola pública — a obrigação de tirar notas altas em todas as áreas de conhecimento do exame, uma vez que o ensino remoto exigiu um protagonismo estudantil em escala exacerbada e sem preparação para acesso quanto para interpretação do conhecimento.

O Enem era considerado a porta de entrada para o ensino superior. Hoje, no entanto, em meio a tantas adversidades, começo a duvidar se os esforços governamentais estão alinhados para proporcionar que os jovens alcancem tal objetivo.

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Paulo Henrique da Silva
O Veterano

Graduando em Ciências Sociais na FGV. Fascinado por educação, cultura e direitos humanos.