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Engano Mortal

Emanuel Bissiatti
O Veterano
Published in
7 min readSep 29, 2021

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Foi-se o tempo em que era preciso comprar jornais nas bancas para conhecer o que está acontecendo no país e no mundo. Hoje, já com o advento da internet, em segundos se tem acesso às notícias em primeira mão pelo smartphone, inclusive os conteúdos deste periódico. Seja em navegador, redes sociais ou outros aplicativos, qualquer um com internet pode se informar e se atentar aos fatos. Porém, não são todos que o querem fazer. A população brasileira ainda possui geralmente um baixo grau de escolaridade, e mesmo aqueles alfabetizados em sua maioria não possuem bons hábitos de leitura. Além disso, a verdade nem sempre é o que as pessoas querem ler ou ouvir: uma notícia falsa pode servir como um viés de confirmação, principalmente vindo de alguém confiável. O problema é que a mentira pode ruir com uma sociedade e pessoas podem ser mortas por causa da desinformação, como o incidente de Chernobyl, no qual governo escondeu o vazamento radioativo de sua população.

Segundo pesquisa realizada em 2019 pela FGV SP, no Brasil há, em uso, cerca de 230 milhões de celulares. Considerando que em 2019 a população brasileira era de aproximadamente 211 milhões de acordo com o IBGE, existem mais smartphones em uso do que brasileiros. É possível, então, concluir que esses dispositivos são acessíveis e estão disseminados no país. Porém, diferente dos países desenvolvidos, a população do Brasil possui baixa escolaridade. Mais da metade da população com 25 anos ou mais, segundo dados de 2019 do IBGE, não concluíram a educação básica obrigatória, isto é, o ensino médio. Esse resultado é um dos fatores que explicam os baixos hábitos de leitura da população atual: apenas metade da população possui o hábito de leitura, sendo que a faixa de idade que possui mais leitores é a de pré-adolescentes. Dessa forma, a população brasileira, que não possui o hábito de se informar, está mais suscetível a acreditar nas informações que são lhe passadas por parentes e amigos, mesmo que estas não sejam verdadeiras.

Colaborando com isso, na internet não importa se o conteúdo é verdadeiro ou não, o que importa é quão popular ele é. Qualquer um pode criar um site de conteúdo, publicá-lo na internet e obter uma renda por meio de anúncios em suas páginas. Neste modelo de negócio, quanto maior for o alcance de uma notícia, mais “clicks” uma página recebe e maior é a receita. E, como as pessoas estão mais propícias a acreditar em notícias que justificam a sua opinião — viés de confirmação — elas questionam menos uma informação falsa que incentiva a sua crença, mais facilmente caindo na desinformação. Ora, é mais cômodo acreditar numa mentira do que admitir o erro. Seja por pertencer a um grupo social que pensa de maneira igual, seja por acreditar em algo por bastante tempo, seja pela frustração que o erro traz, seja pela perda financeira que a decisão pode causar, é melhor acreditar na própria crença.

Diferente da opinião de uma pessoa, a ciência possui um método para explicar o mundo. Diversos cientistas tentam refutar teorias de outros da área, mas apenas aquelas que resistem permanecem na ciência. Foi assim, por exemplo, com a teoria da relatividade de Albert Einstein. Inicialmente, o físico alemão propôs sua teoria que refuta a mecânica newtoniana com a seguinte afirmação: a gravidade não é só uma propriedade da massa dos corpos, ela causa uma distorção do espaço-tempo. Mas, em tempos de primeira guerra mundial, muitos cientistas das principais academias discordaram das ideias dele: como que esse alemão poderia ir contra os princípios estabelecidos por Newton séculos atrás? A academia britânica, a “Royal Astronomical Society”, não poderia aceitar.

Fotografia do eclipse de 1919, no artigo de Eddington de1920

Pois bem, provou-se que a ciência é maior do que a política e a xenofobia, e o físico inglês Arthur Eddington acabou trocando cartas com Einstein mesmo durante a guerra entre ingleses e alemães, desenvolvendo um experimento capaz de mostrar para a comunidade científica a teoria da relatividade é verdadeira, e a de Newton, ultrapassada. Com uma foto de um eclipse solar registrado no Ceará em 19 de maio de 1919, comprovou-se que o sol, por causa da sua massa, distorce o espaço-tempo próximo de si, modificando a trajetória da luz das estrelas durante o dia. Enfim, é por causa do método científico que alguma teoria é validada na ciência, não sendo possível refutar uma teoria apenas com opinião.

Einstein and Eddington

Mesmo existindo o método científico, existem pessoas que querem refutar a ciência através do senso comum. Desde a filosofia grega, pensadores desenvolveram uma forma de buscar atingir a verdade: Sócrates, conhecido como o pai da filosofia, questionava o conhecimento e a verdade das pessoas, inclusive o seu próprio. “Só sei que nada sei” é a sua célebre frase. Mas, na internet, parte da sociedade não busca conhecer a verdade, pelo contrário, busca o viés de confirmação. As redes sociais proporcionaram que homens com crenças incompatíveis com a teoria científica se reunissem, “fortalecendo” as suas teses. Por exemplo, existe no Facebook um grupo chamado “Debate da Terra Plana” onde há pessoas que juravam que a terra é plana, com “provas” que vão desde notícias falsas e memes e até citações religiosas.

Captura Emanuel Bissiatti

Além disso, em diversos momentos da história, governos e grandes empresas mentiram para o povo, seja por Fake News, doutrinação ou omissão. Como disse o ex-ministro de propaganda nazista, “uma mentira repetida mil vezes torna-se verdade”, assim se deu o nazismo-fascismo do “nós contra eles”. Esses líderes enganaram a população para que servissem aos próprios interesses de poder. Eles não seguiram a ciência, pelo contrário, criaram a sua própria lógica que “justificou” a morte de milhões de inocentes judeus, eslavos, ciganos e homossexuais: a proteção da “raça superior ariana”. Porém, esse problema ainda não foi solucionado: existem governos, como o da Coréia do Norte, que controlam a informação circulada no país e doutrinam seus cidadãos. O Estado controla os meios de comunicação pela TV e a internet de seus cidadãos.

Mesmo assim, apesar da ampla disposição de informação disponível na sociedade brasileira atual, existem pessoas e instituições mal-intencionadas que financiam influenciadores ou empresas para repassar informações falsas à população. Nas investigações da CPI da Pandemia, o senador Otto Alencar (PSD-BA) apresentou documentos indicando que a fabricante de ivermectina Vitamedic pagou bonificações para médicos indicarem o tratamento precoce para Covid. Esse tratamento, porém, não possui comprovação científica, e por isso é uma informação falsa que foi veiculada por causa do financiamento, ou seja, um crime.

Em outro ponto da investigação da CPI, os senadores descobriram que a empresa Prevent Senior supostamente alterou o prontuário de pacientes para não constatar a morte pelo coronavírus. Segundo o dossiê entregue pelos médicos da empresa, a Prevent Senior obrigava os servidores a trabalharem sem o uso de máscara com objetivo de deixar o vírus circular para fins de um “experimento científico”, sem notificação aos pacientes inclusive. Além disso, os médicos alegaram que os medicamentos de tratamento precoce da Covid-19 eram receitados mesmo para aqueles que não estavam contaminados com essa doença. Visando a difundir o tratamento precoce, a Prevent Senior colocou a vida de pessoas em risco e ainda enganou os familiares, um crime contra a vida.

Questiona-se, qual é o objetivo da empresa quando ela mente e engana? Ainda não está claro, mas pode ter ligação com a estratégia do governo federal de “imunização de rebanho” e tratamento precoce sem comprovação científica. Não se sabe a razão que justifique tal decisão, pode ter sido corrupção, uma estratégia política, ou até uma tentativa de minimizar os efeitos da pandemia. Mas com certeza não foi uma decisão baseada na ciência, pelo contrário, médicos e epidemiologistas são a favor da vacinação, do distanciamento social e do uso de máscara, já o presidente e os seus “assessores” do “gabinete paralelo” são contrários. O resultado desta decisão já está marcado na história, com mais de 500 mil brasileiros mortos por causa da pandemia, sendo que 300 mil mortes poderiam ter sido evitadas.

Infelizmente, muitas pessoas são enganadas, seja por falta de conhecimento dos fatos, seja por influência de alguém de confiança, seja por propaganda, seja por ir contra a própria convicção. É preciso se atentar ao que dizem a ciência, os diferentes especialistas e os vários meios de comunicação que são confiáveis. Mesmo que estes inevitavelmente tenham defeitos, eles possuem uma reputação a zelar, assim como, por exemplo, os integrantes deste jornal. É triste saber que parte das vítimas do coronavírus no Brasil morreram não por não acreditarem na ciência, mas sim pela desinformação. Tome o devido cuidado com as mentiras.

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Emanuel Bissiatti
O Veterano

Aluno de Matemática Aplicada da FGV. Amante de tecnologia, jogos de tabuleiro, jogos eletrônicos e cinema.