Finanças Descentralizadas

Inovações nos ativos e tecnologias criptográficas prometem mudar a forma como o mercado financeiro opera

Renan Magalhaes
O Veterano
4 min readDec 1, 2021

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Photo by Michael Longmire on Unsplash

O mercado financeiro é definido como o local onde se encontram agentes com excedentes financeiros e agentes com necessidades financeiras. O exemplo mais comum é o dos empréstimos: geralmente, um indivíduo ou empresa que busca recursos monetários maiores do que possui consegue recebê-los, seja de um banco ou qualquer outra instituição financeira que os empreste. Mas, isso acontece sob a condição de receber remuneração em juros sobre o valor emprestado ao longo de um certo prazo.

Apesar de o primeiro banco moderno ter surgido em 1406 na Itália, e a primeira bolsa de valores em 1487 em Bruges, na Bélgica — o mercado financeiro surge com a própria ideia de comércio e moeda. Isso porque a moeda surgiu como um meio de o Estado pagar seus prestadores de serviço, com recibos (que muito mais tarde dariam origem ao papel moeda) que indicavam a dívida que o soberano tinha com o prestador de serviço. Esse foi o surgimento do crédito, e estes recibos, que já foram sal, metais preciosos ou conchas, começaram a ser utilizados como unidade de conta para precificação e pagamento dos diferentes serviços e bens presentes na economia. Assim, o crédito — a base do funcionamento do sistema financeiro — existe desde o princípio das economias de comércio.

Centralização e Regulação

Desde então, a economia vem se desenvolvendo com estruturas cada vez mais sólidas, através de bancos centrais, comissões de regulação — como o SEC (Securities and Exchange Commission) ou o CVM (Comissão de Valores Mobiliários) — , entre outros que, em teoria, regulam e direcionam o mercado em suas flutuações entre aquecimento e recessão. Para evitar situações como a Bolha das Tulipas, a crise de 1929 ou a crise de 2008, assim como controlar recessões ou superaquecimentos da economia, há a existência do Banco Central: o órgão financeiro “supremo” que controla a taxa de juros e a emissão de moeda em uma economia, e órgãos que regulem a atividade financeira, como os já citados SEC e CVM. Assim, o Estado e suas instituições centralizadas administram tanto o crédito circulante na economia quanto a forma como ele é circulado.

Novas tecnologias

É fato que os avanços na tecnologia como um todo vêm ocorrendo de forma nunca antes vista. Inclusive, alguns especialistas prevêem pontos de inflexão em que a velocidade será tão grande que não conseguiremos acompanhar mudanças sem ajuda de máquinas que nos superarão em intelecto. O setor financeiro não é muito diferente, com cartões de crédito e transações online se tornando o padrão e reduzindo cada vez mais a importância do dinheiro físico, o que aponta para um possível fim do papel-moeda em um futuro próximo. Como exemplo de alterações dramáticas no funcionamento da economia mundial, vê-se a criação de gigantes como a Visa e a Mastercard que, em tão pouco tempo, tomaram conta do sistema de pagamentos mundial.

Assim, nota-se que o poder sobre quem pode conseguir quais tipos de serviços financeiros está extremamente concentrado em poucas instituições. Por um lado, isso representa maior credibilidade e segurança além de ganhos de escala, mas, por outro, também expõe falta de liberdade, preços potencialmente prejudiciais ao bem comum — como acontece no nosso sistema bancário — , falta de privacidade e um enorme poder sobre dados pessoais.

Com isso, surge a ideia de finanças descentralizadas. Afinal, com a internet e a computação, em um estágio avançado como aquele em que estamos, pode-se gerar redes autônomas e interligadas através da segurança e privacidade garantido pelas blockchains. A indústria das criptomoedas tem crescido rapidamente, com 2,63 trilhões de dólares em valor de mercado, mercado esse que surgiu há apenas 10 anos atrás e já possui uma criptomoeda com curso forçado em um país (El Salvador).

De tal modo, as criptomoedas possuem inúmeras ramificações quanto a suas utilidades (ou falta delas), com setores como ‘defi’ (decentralized finances), que consiste em fazer contratos de forma automatizada, sem a participação de terceiros, onde a autenticidade e garantia de efetivação do contrato é garantida pelo código, com segurança e histórico garantido pela blockchain. Assim, até a existência de cartórios pode estar sob ameaça.

Outro exemplo são as oracles, moedas ligadas a contratos inteligentes e que informam aquilo que o contrato especificamente demanda sobre o que acontece no mundo exterior. Há também as Dex, corretoras descentralizadas que permitem a compra e venda de criptomoedas, ações, títulos e etc, de forma autônoma e privada.Cada vez mais, as operações do mercado financeiro podem e estão sendo substituídas em algum grau por criptomoedas, promovendo — apenas teoricamente — maior liberdade, privacidade e eficiência para os agentes econômicos.

Entretanto, várias objeções são feitas por diferentes fontes a respeito das criptomoedas e seus impactos. A principal é quanto à capacidade do Estado de gerir a política monetária de um país, visto que com as criptomoedas não há controle da emissão de moedas. Outro problema sério é como evitar a lavagem de dinheiro e a sonegação de impostos, com a remuneração do Estado sendo enfraquecida, o que atrapalha a condução da política monetária, pois os impostos servem exatamente para reduzir a liquidez na economia. Há ainda a necessidade de proteger a população de golpes e riscos inerentes ao mercado, como a manipulação ou práticas predatórias dos grandes operadores do mercado, como pessoas influentes, corretoras, fundos e muitos outros. Como o Estado reagirá à essas inovações e ameaças, apenas o futuro dirá.

Referências:

RICKARDS, James. Crypto Wars. São Paulo, Empiricus. 2018.

ARSLANIAN, Henry. The Future of Finance. Gewerbestrasse 11, 6330 Cham, Switzerland, y Springer Nature Switzerland AG. 2019.

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Renan Magalhaes
O Veterano

Bacharel de Economia pela EPGE-FGV Rio, gosto de aprender sobre os mais diversos assuntos em um empenho de tentar compreender melhor o mundo e as pessoas