Governo Chinês contra a Cultura Caótica dos Fãs
Sobre grupos fanáticos de fãs chineses e como o governo chinês está reprimindo-os.
Nos últimos anos, a China passou por um aumento da cultura de fã, criando fanbases (grupo de fãs) para artistas com um poder de compra e influência absurda. Essas fanbases são chamadas de “bar”, por causa do Baidu Postbar, uma comunidade online que possuía fóruns fechados sobre assuntos específicos e acabou por receber o nome de “bar”. Contudo, esses fãs entram em conflito direto com os valores do Partido Comunista da China (PCC), que começou a reprimi-los após diversos acontecimentos.
Esses bars são formados por usuários do Weibo, a rede social mais usada pelos chineses, e funcionam quase como uma empresa, onde os fãs têm cargos e funções para que essa organização cumpra seus objetivos. Elas estão sempre arrecadando dinheiro e planejando projetos, esses projetos sempre têm como objetivo agradar seus ídolos. Algumas fanbases chegam a dar levas de presentes que custam mais de 100 mil dólares em itens de vestuários e eletrônicos, outras chegam ao nível de alugar uma ilha para fazer um evento de aniversário para o seu ídolo.
O principal motivo dessas fanbases ganharem a atenção do governo chinês foi pela compra em massa. Algumas delas chegam a gastar milhões de dólares, comprando diversas cópias do mesmo álbum para inflar os números do artista e depois descartando-os nas ruas, hospitais e até escolas como forma de “doação”.
Além disso, os bars têm um grande poder de censura. Quando algo que acham negativo em relação ao seu ídolo vem à tona, fazem denúncias em massa e tentam subir outros assuntos nas redes sociais. Por exemplo, em 2020, fãs do ator e cantor Xiao Zhan conseguiram fechar um site de fanfiction (histórias fictícias criadas por fãs) pois esse site possuía uma história sobre ele da qual não gostaram. Isso causou uma grande revolta entre os usuários do site contra os fãs dele e até contra o artista.
Mas o governo chinês só foi tomar uma atitude perante isso por causa do Youth With You, um reality show chinês que forma um grupo musical por temporada. Na última temporada, uma das votações usava QR code em tampinhas de garrafas de leite. Quanto mais leite você comprava, mais você poderia votar no seu participante favorito. Isso levou a uma compra massiva de leite, seguida por um grande derramamento do líquido em rios. Como é possível ver nas imagens, os fãs contrataram idosos pobres para abrirem as garrafas.
Dessa vez o PCC não deixaria passar. Foi criada uma lei contra o desperdício de alimentos, e o comportamento dos fãs foi veementemente criticado. Além disso, diversas regras foram implementadas para acabar com qualquer tipo de ranking ligado ao entretenimento no país. Os reality shows foram os primeiros a serem banidos por tempo indeterminado, e nenhuma música poderia mais ser listada por quantidade, para não dar incentivo ao consumo dos fãs. Como exemplo disso, o SNH48 — um dos maiores grupos chineses de música — teve extinto seu ranking individual, sendo necessária a busca por formas de fazê-lo sem a votação direta dos fãs.
Juntamente a essa polêmica, surgiram outras ligadas a nomes grandes do entretenimento chinês. São os casos, por exemplo, da atriz Zheng Shuang e do cantor e ator Kris Wu. Zheng Shuang era uma das maiores atrizes da China, conhecida por ter atuado em diversos dramas chineses famosos e por ter sido embaixadora de grifes até mesmo de fora da China, como a Prada. Em janeiro de 2021, seu ex-namorado revelou que ambos foram para os Estados Unidos em busca de barrigas de aluguel — algo que é proibido na China — e a denunciou por abandono dos seus próprios filhos. A parte mais polêmica dessa história é que ela quis forçar um aborto nas duas barrigas de aluguel, quando já possuíam mais de 6 meses de gestação, por causa do fim do relacionamento. Quando não conseguiu, quis convencer seu ex-companheiro a abandoná-los nos Estados Unidos, pois esses bebês trariam “gastos”. Como seu ex-companheiro recusou, ela abandonou seus filhos e voltou para China. Só que, para as crianças deixarem o país, era preciso autorização da mãe e ela se recusava a dar, mesmo sabendo que o visto do pai delas estava quase expirando e ele não poderia permanecer mais tempo no país.
Essa notícia causou um grande choque na população, já que ela era uma pessoa bem querida por todos, há mais de 10 anos atuando em diversas produções, e se revelou um “monstro” ao ir contra os valores chineses. Além da barriga de aluguel, o que deixou o governo chinês mais alerta foi uma sonegação de impostos. Então, o governo a deixou sem nada, pois congelaram todo o dinheiro que ela possuía.
O caso de Kris Wu aconteceu pouco tempo depois e é mais grave, sendo o estopim para as atitudes da China perante seus artistas. Kris Wu possuía uma legião de fãs, que inclusive já tinham sido acusadas por Ariana Grande e seu empresário Scooter Braun de manipulação de charts (ranking de música baseado em popularidade) — sendo depois esclarecido que os seus fãs chineses mudaram a localização dos seus dispositivos para o EUA e fizeram compras em massa de suas músicas. o motivo foi a música ter sido liberada antes nos Estados Unidos do que na China. Com isso em mente, é bem perceptível o quão forte é a sua fanbase na China.
Em agosto de 2021, Kris Wu foi acusado por uma atriz de estupro com diversas provas. Com isso, a atriz revelou que existiam dezenas de mulheres do entretenimento chines e fãs que passaram por isso. Ele também fazia um tipo de “teste de sofá” com meninas jovens que queriam algum tipo de oportunidade em sua empresa e isso incluía menores de idade, segundo o relato. Além da acusação inicial, uma das integrantes do SNH48 confirmou tudo que a atriz falou, afirmando que quase passou por isso, e então outros relatos no Weibo foram aparecendo. Por fim, acabou sendo o assunto mais falado por muitos dias na rede social.
Com todas essas acusações, as autoridades chinesas começaram a tomar atitudes, a começar pela recomendação às grandes marcas para que interrompessem seus contratos com o cantor. Apenas uma semana depois, o cantor foi preso para evitar que interferisse no caso e logo depois foi banido de todas as plataformas da China. Suas músicas e filmes como protagonista foram apagados, qualquer conteúdo com o rosto dele teve que ser borrado e suas contas pessoais foram banidas.
Uma grande parte dos fãs continuaram o apoiando e protestaram contra as decisões das autoridades chinesas. Como resposta, foi banida qualquer conta que estivesse dando algum tipo de apoio ao cantor. Em adição, a mídia chinesa fez uma série de comentários negativos sobre esses fãs, sempre deixando claro que ninguém está acima da Lei da China.
Por conta de todas essas polêmicas recentes e o aumento da cultura de fãs obsessivos, a Administração Nacional de Rádio e Televisão, órgão regulador chinês, impôs uma série de regras para esses artistas. Uma lista resumida das novas regras:
- Qualquer pessoa que seja considerada imoral ou suspeita de coisas ilegais está banida de qualquer fonte de entretenimento.
- Promover cultura tradicional, estabelecer um padrão de beleza “correto” e boicotar artistas homens “afeminados”. Boicotar celebridades da internet com grandes fortunas e de fofocas ou considerados vulgares.
- Está proibido qualquer programa que tenha como foco números e induza pessoas a votação e consumismo em massa.
- Banimento de pagamentos exorbitantes para celebridades e punimento de evasões fiscais e contratos falsos
Esse tópico foi baseado na Zheng Shuang, a atriz comentada no início do texto, pois uma das coisas que mais chamou atenção do público foi o quanto ela ganhava por atuação. Foi debatido em diversas redes chinesas sobre como era um absurdo ela ganhar tanto para atuar, enquanto outros chineses ganhavam tão pouco.
5. Regularização de todas as pessoas que trabalham por trás das câmeras e profissionalização e licenciamento dos apresentadores de TV ,incluindo “ensino moral”.
6. Celebridades não devem usar de sua fama para obter lucros.
7. Mais profissionalismo na indústria do entretenimento, respeitando valores políticos corretos, criticar os incorretos.
8. As associações de entretenimento devem fornecer treinamentos e regular a indústria.
Algumas dessas imposições foram vistas como algo positivo, como as que limitavam as compras massivas por conta da saúde mental dos fãs, pois os bars chegam ao ponto de competirem entre si para ver qual compra mais ou faz o projeto “mais grandioso”. Porém, o item mais criticado, em específico pelos ocidentais, foi a proibição de homens afeminados, já que é homofobia explícita por parte do governo chinês. A argumentação do governo para a inclusão desse tópico foi que maquiagens em homens é influência do K-pop (pop coreano).
Logo após essas regras, também foram impostas mudanças diretas nos bars e colocado um limite para que todos se adaptassem. Só que, na chegada do dia limite, diversos caíram — como a SehunBar — que é a maior fanbase de um estrangeiro na China e é conhecida pelos integrantes terem alto poder aquisitivo. Esses banimentos foram temporários e os bars foram obrigados a mudar de nome, sem citar o artista do qual são fãs.
A tolerância em relação a qualquer polêmica de celebridade caiu e sempre é motivo para algum tipo de banimento, pois o governo chinês tem como objetivo acabar com essas imagens problemáticas no país. Por exemplo, o Lucas Wong, que faz parte do grupo chinês WayV, foi exposto por falar mal dos outros integrantes e por fazer sexo casual. Essa “polêmica” no Brasil não seria vista como algo grande, mas para os chineses foi o suficiente para cancelarem todas as suas atividades e forçar um hiato do grupo, além de tirarem a imagem dele de plataformas de música, deixando apenas os outros 6 integrantes. E isso pode acontecer com qualquer artista que apresente algum tipo de comportamento que discorde do que eles acham correto.
As fanbases da China apresentavam comportamentos problemáticos e que precisavam de algumas limitações, já que existem inclusive casos de integrantes que se endividaram tentando dar o máximo para seu ídolo. Porém, a maneira que a China está fazendo isso está sendo desproporcional, punindo pessoas que não deveriam ser afetadas e causando de certa forma uma censura — que, vindo do governo chinês, não é uma atitude nova.
