Histórico de Impeachments do Brasil

Emanuelle Peixoto
O Veterano
Published in
6 min readMay 13, 2020

Diante de graves acusações e da crescente insatisfação popular, um possível impeachment de Jair Bolsonaro (sem partido) tem sido debatido em revistas, telejornais e mídias sociais. Em meio ao cenário político e econômico conturbado em que vivemos em 2020, é importante que o passado seja revisitado, como forma de iluminar o presente. Para isso, portanto, devemos entender o que é esse processo, como e por que ele já ocorreu anteriormente com os ex-presidentes Fernando Collor de Mello (PRN) em 1992 e Dilma Rousseff (PT) em 2016.

O sistema presidencialista dentre suas vantagens e desvantagens prevê a possibilidade de destituição do cargo político, conhecido como impeachment. Esse processo pode ser instaurado contra presidentes da República, governadores, prefeitos ou ministros do Supremo Tribunal, por má conduta no exercício de suas funções, como abuso de poder, crime de responsabilidade, desrespeito às normas constitucionais ou violação dos direitos pétreos previstos. A partir de uma acusação que pode ser movida por qualquer cidadão e com uma posterior investigação, o pedido é aberto e avaliado pelo Congresso. Assim, ao ser condenado, prevê-se que o Presidente da República, além de perder seu cargo, perca a possibilidade de exercer função pública por um período de oito anos, podendo também sofrer outras sanções judiciais.

No final de 1989, após três décadas de Regime Militar, o primeiro presidente foi eleito democraticamente. Collor, em sua campanha, apresentou um discurso diversificado política e socialmente com grande foco no combate à corrupção, ficando conhecido como “caçador de marajás” o que atraiu a atenção de diversas camadas populares.

Imagem: Jorge Araújo/Folhapress — 15.03.1990

Apesar de ter defendido fortemente a não intervenção estatal em sua campanha, como solução para alta inflação, Collor propôs o confisco provisório de valores em contas bancárias e poupanças, com o intuito de diminuir a moeda em circulação, preservando o poder de compra. Além disso, congelou preços e salários e demitiu funcionários públicos. Suas decisões econômicas, além de ineficazes, afetaram duramente a população, causando insatisfação e revolta.

Para agravar sua situação e deteriorar ainda mais sua popularidade, em maio de 1992, seu irmão, Pedro Collor, concedeu entrevista à revista Veja[1] acusando-o de participar de um esquema de corrupção de transações financeiras fraudulentas com o empresário Paulo César Farias. A transação determinante na CPI de Collor foi a compra com um cheque fantasma de um Fiat Elba com nome de Farias. Foi nesse contexto que surgiu, em agosto de 1992, o movimento Caras-pintadas, promovido essencialmente pela União Nacional dos Estudantes (UNE) e pela União Brasileira dos Secundaristas (UBES), com o objetivo de retirar Collor da presidência. Em junho do mesmo ano, uma CPI foi instaurada pelo Congresso a fim de verificar a denúncia feita por seu irmão. O então presidente foi afastado após o pedido de impeachment ter sido aceito, porém antes de sua efetivação, Collor renunciou ao seu cargo.

Para o historiador Thomas Skidmore[2], além das questões legais, um dos fundamentais motivos de sua queda foi sua personalidade arrogante e inflexível ao lidar com outros indivíduos, quase como um Coronel, tornando-o isolado politicamente. Na análise do autor, mesmo com o escândalo de corrupção, Collor possivelmente não teria sofrido impeachment, caso tivesse um melhor relacionamento com o Congresso.

Dezenove anos depois, Dilma assumiu o governo já com problemas financeiros deixados pelo seu antecessor para que ela pudesse ser eleita, o que ficou conhecido por “custo Dilma” (VILLAVERDE, 2016). Além disso, a então presidente e seu ministro da Fazenda, Guido Mantega, acreditavam que, para haver crescimento econômico deveria haver expansão de gastos. Isso foi evidenciado na seguinte frase de Rousseff: “gasto público é vida”. Esse objetivo foi efetivado através de uma aliança com a iniciativa privada que foi chamada oficialmente de Nova Matriz Econômica (NME) e apelidada de “Agenda Fiesp” (CARVALHO, 2018).

As principais iniciativas econômicas da NME foram a redução da taxa de juros dos bancos federais; a redução do valor da conta de luz; o Programa de Investimento em Logística com previsão de custo de 133 bilhões de reais; o aumento de gastos com programas sociais como Mais Médicos, Minha Casa Minha Vida, Pronatec e Bolsa Família. No entanto, tais ações não tiveram o efeito esperado e, para agravar a situação, os cenários econômicos interno e externo ao país pioravam. Internamente o Sudeste sofria com uma das piores secas da história (TRAUMANN, 2018), enquanto externamente a China desacelerava seu consumo de produtos brasileiros.

Além das questões financeiras que o governo enfrentava, havia um clima de desconforto entre a presidente, seus funcionários de confiança e os burocratas. De acordo com Mantega, o período de 2013 foi difícil devido à forte popularidade de Dilma: “Naquele momento, a autoconfiança impedia ouvir qualquer sugestão de correção de rumo” (TRAUMANN, 2018). Além disso, ministros e funcionários de alto escalão relataram que poucos falavam durante as reuniões, pois ponderações e críticas não eram bem vindas por Dilma e Arno Augustin, ex-secretário do Tesouro Nacional, que sempre rebatiam negativamente as opiniões. “É um governo de muitas certezas e quase nenhuma dúvida”, segundo outra autoridade do governo[3].

Para agravar a situação, o Tribunal de Contas da União (TCU) reprovou as contas da presidente da República devido às pedaladas fiscais efetuadas por Arno Augustin, com aval de Dilma. A partir disso, a credibilidade do governo se exauriu, suscitando forte instabilidade política no Congresso e dentro do próprio PT.

Imagem: Evaristo Sa/AFP

Nesse contexto, o movimento “Vem pra rua” ganhou proporção. Com o intuito de retirar Dilma do poder, em março de 2016, cerca de 4 milhões de pessoas participaram dos protestos por todo o Brasil, de acordo com dados das Polícias Militares locais. A então presidente alcançou 71% de rejeição, a maior da história do país. Cinco meses depois, o impeachment de Rousseff foi efetivado.

Imagem: Sergio Lima/AFP

O atual presidente da República, em sua campanha eleitoral em 2018, possuía um discurso de combate à corrupção, inovação política e redução burocrática semelhante ao de Collor. Além disso, a falta de partido, sua postura no combate ao Coronavírus, o envolvimento na Polícia Federal, bem como os desentendimentos com os ex-ministros Luís Henrique Mandetta e Sérgio Moro causaram certa instabilidade política. Tudo isso somado à crise econômica que se arrasta, um perfil autoritário e inflexível, à falta de base no Congresso e a diversas manifestações da população, Bolsonaro começa a traçar um caminho similar ao de seus antecessores presidenciais. Esse cenário remonta a um argumento relevante do ex-ministro da Comunicação Social do governo Dilma:

“A comparação entre os casos revela um padrão. A permanência de um presidente depende, por natureza, da força da base governista no Congresso, sempre influenciada pelas manifestações de rua e pelas pesquisas de opinião. As duas variáveis, porém, estão diretamente vinculadas ao desempenho da economia (TRAUMANN, 2018)”.

Será Bolsonaro o novo ‘caçador de marajás’ em um Fiat Elba? Ou poderá o presidente escapar do padrão histórico exposto?

[1] A entrevista que Pedro concedeu à VEJA há 20 anos e que está na raiz do ódio que Fernando Collor tem da revista. Veja, 8 de maio de 2012. Disponível em: https://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/a-entrevista-que-pedro-concedeu-a-veja-ha-20-anos-e-que-esta-na-raiz-do-odio-que-fernando-collor-tem-da-revista/. Acesso em: 12 de maio de 2020.

[2] SALLUM JR., Brasilio; CASAROES, Guilherme Stolle Paixão e. O impeachment do presidente Collor: a literatura e o processo. Lua Nova, São Paulo, p. 163–200, 2011.

[3] O aviso foi dado: pedalar faz mal. Valor Econômico, Brasília, 11 de dezembro de 2015. Disponível em: https://www.valor.com.br/pedaladas. Acesso em: 12 de maio de 2020.

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