John Stuart Mill, o super heroísmo e o pensamento feminista

Iasmim Matias
O Veterano
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6 min readFeb 24, 2021
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John Stuart Mill é um dos maiores nomes do Liberalismo Inglês, sobretudo no século XIX. Mas, neste artigo, será abordada a ideia de utilitarismo com a necessidade da inserção das mulheres na igualdade de sexo. O texto base para o desenvolvimento de tal perspectiva se chama “A Sujeição das Mulheres” de Harriet Taylor e John Stuart Mill, produzido em 1869.

Sem sombras de dúvida, o utilitarismo de Mill ajudou em sua compreensão sobre a importância dos direitos civis e políticos das mulheres, que até então eram negados. A ética utilitarista é tal que considera útil aquilo que traz felicidade ao maior número de pessoas. É válido ressaltar que a União Nacional de Sufrágio Feminino só foi criada 28 anos depois, e que os primeiros movimentos de mulheres na Inglaterra dessa época eram os movimentos feministas liberais, que tinham, como linha de frente, mulheres de classe média lutando para além dos direitos políticos — o direito ao voto, por exemplo -, e queriam, além disso, liberdade econômica e financeira.

Na obra (1869), Mill fala sobre sua mulher, Harriet Taylor, que já havia falecido, como uma das mentes mais brilhantes que havia conhecido. De fato, ela foi uma das grandes inspirações para que o autor pudesse notar a importância da garantia dos direitos das mulheres. Para além da menção à sua falecida esposa, no livro, Mill faz uma comparação entre a luta pela liberdade política dos indivíduos e a também luta das mulheres perante os homens. Em especial, para ele, não havia motivo para deixar de inseri-las na vida social.

Não nos deixemos incorrer no erro de sermos anacrônicos e negligenciar a importância que esse livro forneceu à época. Sobretudo porque falamos do século XIX, no qual mulheres eram vistas como inferiores aos homens, vivendo à mercê de seus maridos e pais. Falar, escrever e lutar por essa pauta era um ato mais que revolucionário. Mas não podemos esquecer, por outro lado, que o olhar de Mill não era apenas sobre mulheres com direitos de votos e afins, se tratava do coletivo. Isto é, para o autor a restrição não retardava apenas as mulheres no sentido político, mas a sociedade como um todo, sobretudo pela ética praticada pelo autor, lembrando que seus livros mais conhecidos se chama Utilitarismo (1861).

Se a inserção das mulheres não fosse possível, segundo o autor, a felicidade plena da maioria dos cidadãos tampouco o seria. Então vejamos, Mill não enxergava uma desigualdade no sentido da (in)capacidade das mulheres para exercer o trabalho ou fazer parte da vida política, a inserção das mulheres faziam parte da ética no qual o mesmo pregava. Ressalto esse ponto para não começarmos a tratá-lo como salvador da pátria, mas para entendermos que se trata de um olhar objetivo; o que não significa que ele não tenha favorecido ou ajudado a luta feminista de alguma forma.

Harriet Taylor, co-autora da mencionada obra que aqui analisamos, ao contrário de Mill, ficou apagada do reconhecimento do livro. A obra é tratada como mentoria apenas de Mill, até porque a publicação foi feita após a morte de Taylor. O fato de Mill falar sobre a inspiração que Taylor trouxe à obra, traz um sentido de produção total do autor, e que sua esposa fora apenas um objeto de referência de seus pensamentos pro luta feminista.

Para Mill, o acesso à informação e educação das mulheres forneceria um melhor relacionamento entre homens e mulheres. Além disso, o casamento não deixaria de ser essencial na vida destas, mas acreditava que devessem ter o controle sobre a escolha de se casar ou não. No mesmo contexto, Mill apresenta uma análise sobre o domínio e hierarquia que havia, dos homens sobre as mulheres, que se materializava em atos de tirania e violência do sexo masculino como: controles financeiros da família; proibição e controle da vida pessoal de suas eposas e filhas.

Acredito que uma das partes mais importantes foi a contestação dos autores sobre a diferença biológica dos sexos. Esse debate foi abordado por muito tempo e não nos abandona nos tempos atuais, não é difícil ouvirmos como os homens são “biologicamente” mais fortes que as mulheres e por isso à eles é destinado trabalho com mão de obra pesada. Esse preconceito social já foi reconhecido como tal há tempos, podemos citar, por exemplo, o livro “Mulheres, Raça e Classe” da autora Angela Davis. Neste, ela relata episódios como as mulheres negras eram obrigadas a fazer os mesmos serviços que os homens escravizados, sem distinção de força, tempo e carga de trabalho. Para Mill, essa diferenciação era baseada na forma que as mulheres eram ensinadas, diferenciando-se dos homens. Isto é, para ele não havia como saber se essa diferença de força de fato existia enquanto os tratamentos e cuidados fossem distintos entre os sexos.

O olhar masculino toma atenção até hoje, fato que podemos observar através da autora Mary Wollstonecraft, que escreveu, um século antes que Mill e também na Inglaterra, sobre a Reivindicação dos Direitos das Mulheres. Se olharmos o sumário do livro, por exemplo, conseguimos notar a precisão de temas que já eram debatidos pelas mulheres anos antes do autor, como: considerações sobre os direitos e os consequentes deveres da humanidade, discussão sobre a opinião prevalecente a respeito do caráter sexual, observações sobre o estado de degradação a que, por causas diversas, se encontra reduzida a mulher, os efeitos perniciosos que surgem das distinções não-naturais estabelecidas na sociedade, entre outros temas de igual importância.

Como já dito anteriormente, o presente texto não aborda Stuart Mill como se não houvesse agregado à luta feminista. Mas não podemos negar que o fato de ser um homem, do século XIX, faz com que à ele seja levantado o título de um super homem. Mary Wollstonecraft aborda também a necessidade de estudos às mulheres e a importância da educação para as mesmas na sociedade.

Diante de todas críticas encarregadas à autora (que não foram poucas), é notória a importância de sua obra para a luta feminina ao longo do tempo. Primeiro porque o livro “Reivindicação dos Direitos da Mulher” foi escrito paralelamente à Revolução Francesa, e foi uma forma de resposta a um folheto que dizia que as mulheres deveriam se dedicar à vida no lar. A obra, no entando, não era vista ainda como um livro feminista, mesmo que hoje a consideremos como tal, e, inclusive, uma das primeiras obras do movimento, apesar de o conceito não ser ainda existente na época.

Quando tratamos sobre perspectiva de gênero, é importante para além da obra, observar qual o pensamento do autor, sua trajetória e afins para que possamos entender se o diálogo que foi proposto já não foi dito anteriormente, no entanto silenciado por se tratar, como vimos acima, de uma mulher, por exemplo. Ambos autores — Mill e Taylor — são importantes para a produção de um pensamento e luta das mulheres. Em especial, podemos dizer que Mill foi importante para que outros homens entendessem a necessidade da defesa de seus direitos de maneira igualitária. No entanto, é fato que há um engrandecimento deste autor em detrimento de Taylor, por se tratar de um filósofo conhecido e importante da época, mesmo que a obra da qual tratamos aqui tenha sido escrita por ambos.

Referências Bibliográficas

WOLLSTONECRAFT, Mary. Reivindicação dos direitos da mulher. Motta, Ivania Pocinho. São Paulo: Boitempo, 2016.

MILL, John Stuart e TAYLOR, Harriet. A Sujeição das Mulheres (1869). Coimbra: Almedina, 2006

https://www.eusoulivres.org/textos/a-sujeicao-das-mulheres/

https://tatianamaretoescritora.com/2020/02/21/john-stuart-mill-e-sua-obra-feminista/

https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/4545865/mod_resource/content/1/Reivindica%C3%A7%C3%A3o%20dos%20direitos%20da%20mulher%20-%20Mary%20Wollstonecraft.pdf

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