O grupo BTS em uma performance. Fonte: By Dispatch photographer Min Kyung-bin, CC BY 3.0, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=80497151

K-Pop no topo da Hot 100

Como a indústria do entretenimento gera crescimento econômico?

Gabriel Thomas
O Veterano
Published in
7 min readOct 22, 2020

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Uma dos fatos mais emblemáticas com os quais nos deparamos no estudo do crescimento econômico é o seguinte exemplo: em 1970, o PIB per capita do Brasil era 27,5% maior do que o da Coreia do Sul; mas, em 2016, o PIB per capita sul-coreano já superava o brasileiro em 168,2%. Dentre os fatores que poderiam explicar esse crescimento superior do tigre asiático, a maior acumulação de capital ganha destaque em muitos modelos macroeconômicos, notadamente no Modelo de Solow. Essa simples descrição, no entanto, leva as pessoas a repetidamente ignorarem que o capital em questão não é apenas o físico ou o humano. Assim, quero ressaltar neste texto a importância do capital cultural de um país para a geração de crescimento econômico, e, para tanto, vamos analisar o sucesso do chamado K-Pop.

Fonte: ‘Our World in Data’, disponível em https://ourworldindata.org/grapher/average-real-gdp-per-capita-across-countries-and-regions?time=1960..2016&country=BRA~KOR (Creative Commons License)

Não é nenhuma novidade que a pandemia de Covid-19 causou uma grande crise em vários setores econômicos, e a indústria da música, com certeza, foi um desses. Nesse setor, a crise é representada por uma queda de um terço das vendas físicas de música, bem como de 11% das vendas digitais. Isso sem contar com a falta de receita de performances ao vivo, que representavam metade da renda total da indústria musical global. Mesmo assim, para a felicidade dos fãs, muitos artistas pop continuam a lançar novas músicas: The Weeknd, Dua Lipa, Lady Gaga e Taylor Swift são alguns nomes que lançaram novos álbuns durante a pandemia (sem contar os rumores de comeback de Adele e os já confirmados álbuns de Ariana Grande e Lana del Rey).

Dentre todos esses lançamentos de artistas de alcance internacional, um que ganhou bastante destaque foi o single ‘Dynamite’, do grupo sul-coreano BTS. E esse destaque não foi sem um bom motivo: pela primeira vez, um grupo de K-Pop atingiu a primeira colocação na Billboard Hot 100, a mais famosa parada musical do mundo e a responsável por listar as cem músicas mais vendidas nos Estados Unidos ao longo de uma semana. Ademais, o videoclipe de Dynamite quebrou o recorde de maior quantidade de visualizações de um vídeo no Youtube em seu dia de estreia (101,1 milhões de views). A comoção foi tanta que o próprio presidente da Coreia do Sul, Moon Jae-in, celebrou a conquista em suas redes sociais, afirmando que esse feito aumenta ainda mais o orgulho do K-Pop.

Além de aclamação crítica, estima-se que Dynamite trará aclamação econômica. Isso porque o Ministério da Cultura, do Esporte e do Turismo sul-coreano, em colaboração com o Instituto de Cultura e Turismo da Coreia, estimou o impacto econômico do single em 1,7 trilhão de won — o equivalente a 1,43 bilhão de dólares –, além da criação de 8 mil novos postos de trabalho. Esse impacto seria resultante tanto da receita diretamente proveniente das vendas do single quanto do aumento das exportações sul-coreanas de cosméticos, comida e moda. Cabe ressaltar que, em decorrência da pandemia de Covid-19, esse estudo excluiu impactos na indústria de turismo local.

No entanto, um impacto que o estudo não considera é aquele sobre a imagem da Coreia do Sul que é captada pelo resto do mundo. Ao se tornar um dos centros de produção de cultura pop no contexto internacional, o país tem um ganho intangível que pode ser compreendido como uma valorização do “made in South Korea” (ou “produzido na Coreia do Sul”), revelando assim a importância que o capital cultural tem na promoção de crescimento econômico. Para entender melhor essa dinâmica, vamos analisar o crescimento da indústria de entretenimento na Coreia do Sul, notadamente do K-Pop.

A história cultural sul-coreana está fortemente ligada à sua história política. Até a Coreia do Sul adotar um regime democrático em 1987, o governo interferia ativamente na produção cultural do país, prezando pela promoção de músicas patrióticas. Assim, em 1992 — superada essa interferência -, ocorreu uma verdadeira redefinição de todo o ambiente cultural do país a partir da apresentação do grupo Seo Taiji and Boys em um show de TV ao vivo na Munhwa Broadcasting Corporation. A música, com influências do swingbeat e refrãos ao estilo pop, aliada à estética colorida e aos passos de dança coordenados surpreendeu a audiência a tal ponto que criou uma tendência de ocidentalização da produção cultural sul-coreana. A partir desse momento, estavam criadas as bases para que a música começasse a ser produzida na Coreia do Sul como uma commodity cultural, o que inauguraria a chamada Onda Coreana (ou hallyu).

Em 1999, como forma de superar a recessão econômica causada pela Crise Financeira Asiática, o governo sul-coreano apostou na visão de que a cultura deveria ser a próxima grande indústria de exportação do país e aprovou a Lei de Promoção das Indústrias Culturais, por meio da qual o Estado se comprometia a direcionar pelo menos 1% de seus gastos à promoção da cultura. Diante disso, 3 grandes empresas sul-coreanas de entretenimento — SM Entertainment, YG e JYP — aproveitaram a oportunidade para expandir seus negócios. E foi por meio dessa expansão que criou-se a ‘fórmula de sucesso’ dos Idol Groups (como são chamados na Coreia do Sul os grupos de K-Pop).

É muito comum ouvir que K-Pop não seria um gênero musical, mas uma ideia de indústria. O motivo por trás disso é o fato de que o processo de criação dos grupos de K-Pop segue uma fórmula que representa uma verdadeira inovação econômica semelhante àquela das indústrias na Revolução Industrial. Ao invés de contratar artistas já em ascensão e simplesmente lucrar a partir daquilo que eles oferecem como talento, as grandes empresas de entretenimento da Coreia do Sul produzem seus talentos em uma ‘esteira de produção’. O processo se inicia nas audições e se intensifica durante o tempo de preparação. Neste, os candidatos a idols têm aulas de canto, de dança e de atuação, e a medida do sucesso é o mérito pessoal nessas tarefas. Quando as peças estão prontas, é a hora de montar o produto: essas empresas juntam artistas em potencial de tal modo a criar um grupo com harmonia; isto é, um grupo em que cada integrante tem um papel, seja de líder ou de dançarino. Assim, cria-se um grupo de K-Pop.

Essa descrição da ‘fórmula’ da indústria musical sul-coreana demonstra que o K-Pop é mais um empreendimento comercial do que uma produção artística preocupada com a originalidade. Mas é justamente por entender que o público geral não busca autenticidade na música, e sim a sensação mais imediata de prazer — seja nos visuais exuberantes ou nas letras, que por vezes trazem temáticas de valorização de si próprio — que o K-Pop é um grande sucesso comercial. Isto é, o K-Pop faz sucesso porque as empresas de entretenimento da Coreia do Sul entendem essa demanda do mercado musical e, assim, criam em esteiras de produção os grupos que já se espera que terão sucesso.

Essa produção em massa de bens de entretenimento, como música, é o que chamamos aqui de capital cultural. E qual é o impacto desse tipo de capital para o crescimento econômico? Em “Does entertainment industry entertain the economy?”, Khan, Raheen, Ilyas e Mehmood concluem que há uma relação causal entre a indústria do entretenimento e o crescimento econômico. A explicação para isso reside no fato de que essa indústria do entretenimento atrai estrangeiros para um país — tanto produtores de conteúdo como turistas –, o que eleva a demanda agregada por bens e serviços. Assim, o consumo do país aumenta, o que por sua vez gera maiores lucros para as empresas de entretenimento, tornando possível que estas invistam mais na sua produção cultural. Ademais, ressaltam-se os efeitos sobre as indústrias de cosméticos e da moda do país, que também atendem a essas empresas de entretenimento.

Assim, vemos que a indústria musical sul-coreana é um caso de sucesso na promoção de crescimento econômico sustentado na esfera do entretenimento. Ao adotar um sistema de produção quase industrial e focado em atender às demandas do mercado, as grandes empresas de entretenimento da Coreia do Sul geram uma acumulação de capital cultural para esse país. Isso contribui para que o tigre asiático se torne uma das principais potências na de produção de cultura pop nos últimos anos, além de prover frutos econômicos em um período em que outros setores industriais estão afetados em razão da pandemia. Dessa forma, mantendo-se essa produção cultural tão explosiva quanto o single ‘Dynamite’, do BTS, parece cada vez mais que o futuro da cultura pop passará necessariamente por Seul.

PSY — Gangnam Style (강남스타일) MV. Fonte: https://www.flickr.com/photos/yonghokim/7821125000/in/photostream/ (Creative Commons License)

Referências:

HALL, Stefan. ‘This is how covid-19 is affecting the music industry’, World Economic Forum, 27/05/2020. Disponível em https://www.weforum.org/agenda/2020/05/this-is-how-covid-19-is-affecting-the-music-industry/. Acesso em 17/10/2020.

QUEIROGA, Louise. ‘Moon Jae-in parabeniza BTS por 1º lugar na Hot 100, conquista inédita para Coreia do Sul’, Extra, 01/09/2020. Disponível em https://extra.globo.com/tv-e-lazer/musica/moon-jae-in-parabeniza-bts-por-1-lugar-na-hot-100-conquista-inedita-para-coreia-do-sul-24618393.html. Acesso em 16/10/2020.

AGENCY. ‘BTS’ ‘Dynamite’ expected to create economic effect worth RM6bil for South Korea’, The Star, 08/09/2020. Disponível em https://www.thestar.com.my/lifestyle/entertainment/2020/09/08/bts039-039dynamite039-expected-to-create-economic-effect-worth-rm6bil-for-south-korea. Acesso em 18/10/2020.

SINHA, Vimmy. ‘BTS tops Billboard 100 list: How K-pop helped Korea improve its economy’, The Economic Times, 30/07/2020. Disponível em https://economictimes.indiatimes.com/magazines/panache/bts-tops-billboard-100-list-how-k-pop-helped-korea-improve-its-economy/articleshow/65266543.cms?from=mdr. Acesso em 17/10/2020.

KHAN, Mannan; RAHEEM, Asim; ILYAS, Saddam.; MEHMOOD, Bilal. ‘Does Entertainment Industry Entertain the Economy? Empirical Evidence’, Department of Economics, GC University, Lahore, Pakistan. Disponível em http://www.sci-int.com/pdf/19237224251%20a%20609-612%20%202_Mannan%20Hassan%20Khan%20%20Bilal_%20GC%20%20Final.pdf. Acesso em 18/10/2020.

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