Lucro como responsabilidade social

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5 min readMay 18, 2022

Texto por Lilian Kingston

O conceito de Corporate Social Responsibility (CSR) encontra-se, simultaneamente, sob os holofotes e nas sombras da realidade empresarial. Por um lado, a conscientização socioambiental da sociedade vem alterando padrões de consumo e, com isso, fazendo da CSR uma pauta relevante para ser analisada. Por outro lado, a proliferação de conceitos criados para designar condutas corporativas muito similares às prescritas com a CSR, como o conceito de Environmental, Social and Governance (ESG), vem tornando o conceito menos popular, frente às alternativas.

Em 1970, quando Friedman publicou o artigo “A Friedman doctrine — The Social Responsibility Of Business Is to Increase Its Profits” no The New York Times, a não enfrentava a concorrência de conceitos alternativos. Portanto, a dura crítica friedmaniana de que a implementação de atividades empresariais de caráter socialmente responsável para além dos determinantes legais — noção central da CSR — recaiu única e exclusivamente sobre este conceito.

O atual entendimento deste conceito apresenta duas características básicas: a performance e a observância em excesso. Por performance, deve ser entendida a tangibilidade e mensurabilidade da mentalidade empresarial socialmente responsável com a prática de comportamentos claramente identificáveis. Por observância em excesso, que a performance corporativa excede os níveis estabelecidos por regulamentação obrigatória ou padrões impostos por lei. Essencialmente, a CSR deve implicar em condutas empresariais socialmente responsáveis que vão além dos determinantes legais..

O primeiro argumento do Friedman para criticar a CSR consiste em afirmar que a implementação de atividades empresariais com este caráter entra em conflito com a responsabilidade direta de executivos corporativos com os proprietários do negócio. No sistema capitalista, isso é, um sistema de livre iniciativa e propriedade privada, um executivo corporativo é um empregado dos proprietários do negócio. Por ser um empregado, tem uma responsabilidade direta com seus empregadores, que é conduzir os negócios de acordo com interesses dos proprietários. Entretanto, a CSR implica que o executivo corporativo aloque o dinheiro dos acionistas da empresa em empreendimentos voltados para interesses sociais gerais, que nem sempre estão de acordo com os interesses dos proprietários. Na medida em que o executivo desempenha atividades de CSR, está transgredindo a responsabilidade direta que tem com os acionistas.

Geralmente, o interesse central dos acionistas é ganhar o máximo de dinheiro possível, em conformidade com as regras básicas da sociedade. Em alguns casos, os proprietários de corporações podem ter um objetivo diferente, mas a maximização da obtenção de renda consiste do interesse mais comum. Se o executivo corporativo investir em atividades empresariais de caráter socialmente responsável para além dos determinantes legais, tendo em vista objetivos sociais, ao invés de alocar o dinheiro dos acionistas nos projetos que maximizarão a obtenção de renda a partir das atividades empresariais, ele está violando a responsabilidade direta que tem com os proprietários da empresa.

Outro argumento de Friedman para criticar a CSR consiste em afirmar que a responsabilidade social é cabível no âmbito individual, não no corporativo. Como o executivo corporativo também é uma pessoa, pode ter muitas outras responsabilidades, além da responsabilidade direta que tem com os proprietários da empresa em que trabalha: responsabilidades com a família, com a religião, com o país e outras mais. Se essas outras responsabilidades o incentivarem a investir em causas que considera dignas, cabe a ele alocar uma parcela da própria renda nesses investimentos. Nesses aspectos, o executivo corporativo está agindo como principal, não como agente. A medida em que ele investe o próprio dinheiro, tempo ou energia, e não o dinheiro dos proprietários da empresa ou o tempo ou energia que esses contrataram para ser dedicado aos propósitos empresariais, o executivo corporativo exerce responsabilidades sociais dos indivíduos, não dos negócios.

Mais um argumento de Friedman para criticar a CSR consiste na equiparação do investimento em atividades empresariais de caráter socialmente responsável para além dos determinantes legais, tendo em vista objetivos sociais, com a imposição de impostos arbitrários sobre os proprietários da firma. Dado que a CSR implica que o executivo corporativo aloque o dinheiro dos acionistas da empresa em empreendimentos voltados para interesses sociais gerais, que nem sempre estão de acordo com os interesses dos proprietários, o dispêndio de acionistas com interesses incompatíveis com os deles mesmos pode ser analisado como um imposto. No entanto, a imposição de impostos é uma função do governo, não dos agentes do mercado. Nessa perspectiva, a administração do capital e das atividades empresariais incorre na sobreposição de mecanismos políticos a mecanismos de mercado, dado que os gerentes e administradores empresariais alocariam o capital produtivo das corporações arbitrariamente e investidores teriam de se conformar com a preferência dos gestores com relação aos fins sociais a perseguir.

A palavra chave do mecanismo político é conformidade, enquanto a do mecanismo de mercado é unanimidade. Ao admitir que gerentes decidam as causas sociais nas quais a empresa investirá, ao invés de entender que todos os gerentes devem investir nos projetos com o maior potencial de lucratividade para os acionistas, interesses individuais dos administradores podem ser sobrepostos ao interesse comum de lucrar dos proprietários da empresa. Assim, a RSC consistiria da sobreposição da conformidade à unanimidade e inferiria que mecanismos políticos, e não mecanismos de mercado, consistem da maneira mais apropriada de alocar recursos escassos para usos alternativos.

A máquina política tem a função de orientar a avaliação dos impostos e determinar, por meio de processos políticos, os objetivos sociais a serem atendidos. No entanto, se a taxação de impostos for feita por executivos corporativos, eles concentram os poderes de cobrar os impostos e de determinar como o produto dos impostos será gasto, sem a atuação da máquina política. A tramitação de processos políticos é frequentemente separada entre Executivo, Legislativo e Judiciário, de forma a submeter a qualificação de objetivos sociais a um sistema de freios e contrapesos. Entretanto, se a taxação de impostos for feita por executivos corporativos, a classificação de objetivos sociais é sujeita somente à arbitrariedade desses, de modo a propiciar a qualificação inadequada de objetivos sociais e, assim, direcionar os impostos a destinos ineficientes.

Para apresentar ainda mais um argumento de Friedman para criticar a CSR, temos de fazer uma análise consequencialista do investimento corporativo em atividades empresariais de caráter socialmente responsável para além dos determinantes legais, tendo em vista objetivos sociais. No plano das consequências, os clientes de empresas que fazem investimentos com esse viés podem decidir passar a comprar de outros produtores, menos intentos em cumprir com a CSR, dada a capacidade que produtores menos escrupulosos com responsabilidades sociais têm de fornecer bens e serviços a preços inferiores aos oferecidos por produtores responsáveis no âmbito social. Corporações socialmente responsáveis teriam, assim, uma desvantagem competitiva com relação às firmas tradicionais.

Os argumentos centrais da crítica friedmaniana à CSR retorquem diretamente algumas das questões centrais com relação ao cabimento da proposição de que empresas sacrificam lucros em prol do interesse social: Corporações podem investir em atividades de caráter socialmente responsável, para além dos determinantes legais, tendo em vista objetivos sociais, dado o âmbito de responsabilidades fiduciárias que firmas têm para com acionistas? O investimento em atividades de caráter socialmente responsável pode ser feito de forma sustentável, em um mercado competitivo? E, em última instância, a realização de tais atividades e o subsequente sacrifício de lucros é eficiente?

O artigo “Friedman doctrine — The Social Responsibility Of Business Is to Increase Its Profits” é um bom ponta-pé inicial para uma reflexão quanto à CSR, que encaminhará o leitor às respostas destas perguntas.

Artigo publicado em homenagem aos 110 anos de Milton Fridman

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O Veterano é um jornal estudantil criado por alunos da Escola Brasileira de Economia e Finanças em 2020.