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Série Moda | Mão de obra e Moda

Condições precárias de trabalho na indústria da moda

Gabriel Thomas
O Veterano
Published in
6 min readDec 12, 2020

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Quando se pensa em moda, é muito comum que as primeiras imagens que venham à cabeça sejam as capas de revistas como a Vogue e os tapetes vermelhos de grandes eventos como os Oscars e o Met Gala, onde celebridades e modelos ostentam as tendências do momento. O que essas imagens sempre têm em comum é uma noção de que o glamour e o refinamento permeariam todo esse universo cultural ligado à indústria da moda. No entanto, ao avaliar mais minuciosamente a cadeia produtiva dessa indústria, vemos que “glamour” e “refinamento” de forma alguma caracterizam as situações pelas quais muitos trabalhadores desse ramo são obrigados a passar. Neste texto, vamos analisar como é a mão de obra em uma das principais dimensões da indústria da moda: os trabalhadores das fábricas de roupa.

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A indústria da moda é um empreendimento a nível global voltado para a produção e a venda de roupas, calçados e acessórios, se inserindo no universo cultural da moda à medida que reflete as tendências de vestuário que são observadas na sociedade em um dado momento. A cadeia produtiva da indústria da moda se divide em 4 estágios: a produção dos materiais brutos, como fibras e couros; a produção dos bens finais, conforme os designs dos estilistas; a venda do produto pelos varejistas, seja por meio de lojas de departamento, boutiques ou até mesmo online; e, por fim, o marketing desses produtos. Essa multiplicidade de atividades na cadeia produtiva dessa indústria significa que são vários os perfis de trabalhadores envolvidos nesse processo.

Uma das principais diretrizes da indústria da moda nas últimas décadas é a chamada ‘fast fashion’. Até meados do século XX, as marcas de moda produziam apenas 4 coleções de roupa ao ano, de modo a seguir os estilos condizentes com as estações do ano. Em contraste, atualmente essas empresas produzem em média 15 coleções por ano, e algumas delas chegam ao limite de fabricar 52 micro-coleções anualmente (isto é, uma coleção nova a cada semana). Essa dinamização da indústria da moda, a qual chamamos de fast fashion, implica uma enorme quantidade de roupas baratas sendo produzidas rapidamente e com materiais de baixa qualidade, de maneira a atender aos anseios mais consumistas dos compradores e a aumentar as vendas no varejo.

O trabalho nas fábricas

Essa necessidade de dinamização da produção das marcas de moda tem uma consequência perversa especialmente para um perfil específico de trabalhadores dessa indústria: os operários nas fábricas de vestuário. Isso se deve ao fato de que as atividades exercidas nessas fábricas demandam uma mão de obra pouco qualificada, e o caráter global da indústria da moda permite que a oferta de mão de obra seja quase ilimitada. Assim, os salários desses trabalhadores por definição já seriam muito baixos, mas esse cenário é agravado inicialmente devido à falta de fiscalização das condições de trabalho nas fábricas e à debilidade das leis trabalhistas em diversos países do globo, notadamente a China, a Índia, Bangladesh, o Paquistão e a Tailândia. No entanto, há ainda um outro fator que agrava a situação desses trabalhadores: a falta de controle das marcas sobre o seu próprio processo produtivo.

Como já mencionado, a cadeia produtiva da indústria da moda tem diversas etapas e é altamente descentralizada e complexa. De modo geral, uma marca só é legalmente responsável pelas condições de trabalho daqueles trabalhadores diretamente empregados por ela e pelos fornecedores que estão sob seu controle. O que ocorre na prática, no entanto, é que, sendo parte de uma cadeia de produção global, boa parte dos fornecedores das marcas de moda não funcionam sob o seu controle, operando na realidade como contratantes de outras empresas que, por sua vez, podem ainda ter seus próprios subcontratados.

Esse cenário de completa descentralização acerca da origem dos produtos vendidos pelas marcas torna extremamente complicada a tarefa de controlar as condições de trabalho de todos os trabalhadores que estão de alguma forma envolvidos no processo produtivo. Assim, a inércia e até mesmo negligência das marcas inseridas na indústria da moda fazem com que a exploração de trabalhadores nas fábricas de seus fornecedores em países como Índia e Bangladesh muitas vezes não venha ao seu conhecimento. Isso porque, diante da impossibilidade de responsabilização legal, essas marcas não têm incentivo jurídico a se preocupar com a condição de trabalho daqueles que estão na base da cadeia produtiva.

Fonte: JJ Harrison (https://www.jjharrison.com.au/), CC BY-SA 3.0 <https://creativecommons.org/licenses/by-sa/3.0>, via Wikimedia Commons

Nesse sentido, a palavra que melhor define a condição dos trabalhadores de fábricas de vestuário é exploração, uma vez que as companhias de moda se aproveitam de população pobres que não têm a opção de recusar uma oferta de emprego, independentemente das condições de trabalho. Além dos salários muito baixos e das péssimas condições de trabalho, um problema recorrente que trabalhadores de fábricas da indústria da moda sofrem é o trabalho forçado. Recentemente, a TAL Apparel — uma das maiores fornecedoras globais para as marcas de moda — foi acusada pela Transparentem — empresa sem fins lucrativos que fiscaliza os direitos humanos de trabalhadores na indústria — de empregar trabalho forçado. De acordo com a acusação, a TAL Apparel teria uma fábrica na Malásia onde 70% dos trabalhadores seriam imigrantes obrigados a pagar uma ‘taxa de recrutamento’ — descontada gradualmente dos salários — para garantirem uma vaga de emprego na fábrica antes de mudarem de país. Assim, esses trabalhadores seriam forçados a continuar a trabalhar na fábrica até que quitassem suas dívidas, o que não aconteceria tão cedo em razão dos baixos salários recebidos.

O que pode ser feito?

Diante do reconhecimento das condições de trabalho precárias nas fábricas da indústria da moda, surge o questionamento do que pode ser feito para solucionar esse problema. Em resposta às acusações feitas à TAL Apparel, Joy Roeterdink, gerente executivo de responsabilidade social de uma das marcas que têm contrato com tal fornecedora, afirmou que, quando se descobre um problema dessa magnitude, o correto não seria simplesmente cortar relações com a fábrica — o que não ajudaria os trabalhadores –, e sim investir em mudanças efetivas no processo produtivo. Para que essas mudanças ocorram, no entanto, as marcas devem ter um maior controle sobre o seu processo produtivo, responsabilizando-se até mesmo legalmente de quaisquer violações de direitos trabalhistas nas fábricas de vestuário. Por sua vez, para que as marcas de moda se sintam impelidas a ter esse maior controle sobre o seu processo produtivo, os próprios consumidores devem exercer pressão sobre as marcas. Essa mobilização, contudo, não deve se constituir apenas de uma cobrança de atitudes da indústria, mas também de um comprometimento do consumidor em alterar seus próprios padrões de consumo em direção da chamada ‘slow fashion’.

O movimento da slow fashion se propõe a conscientizar a indústria da moda e os consumidores desta acerca da importância de uma produção mais cuidadosa, que respeite o meio-ambiente, os direitos trabalhistas e os direitos humanos, bem como que empregue materiais naturais e produza bens mais duráveis. A slow fashion prega também que os consumidores freiem seus impulsos mais consumistas, o que seria factível diante de uma maior durabilidade e qualidade dos produtos. Assim, não basta apenas cobrar que a indústria da moda resolva unilateralmente a precariedade no trabalho nas fábricas de vestuário; é papel dos consumidores se tornarem mais conscientes e priorizarem as marcas que sinalizarem uma mudança nos paradigmas de produção.

Nesse sentido, na expectativa de aumentar o acesso à informação e assim fomentar atitudes mais conscientes por parte dos consumidores, a ONG Repórter Brasil lançou em 2013 um aplicativo chamado Moda Livre. Por meio desse app, o usuário pode checar se uma dada marca tem acusações de empregar trabalho forçado em sua cadeia de produção ou não. Para fazer parte desse movimento em favor de uma indústria da moda mais consciente e atenta aos seus trabalhadores, baixe aqui o Moda Livre pela Apple Store ou pela Google Play.

Referências:

STEELE, Valerie; MAJOR, John. ‘Fashion industry’, Britannica, 23/10/2020. Disponível em https://www.britannica.com/art/fashion-industry. Acesso em 08/12/2020.

STANTON, Audrey. ‘What is fashion, anyway? A closer look at the definition and why it’s time to slow down’, The Good Trade. Disponível em https://www.thegoodtrade.com/features/what-is-fast-fashion. Acesso em 09/12/2020.

SOBEL-READ, Kevin; MONAGHAN, Georgia. ‘Fashion Industry Giants Keep Failing to Fix Labor Exploitation’, The Fashion Law, 28/07/2020. Disponível em https://www.thefashionlaw.com/why-does-the-fashion-industry-keep-failing-to-fix-labor-exploitation-its-simple/. Acesso em 09/12/2020.

PATON, Elizabeth. ‘A Close Look at a Fashion Supply Chain Is Not Pretty’, The New York Times, 28/07/2020. Disponível em https://www.nytimes.com/2020/07/28/style/malaysia-forced-labor-garment-workers.html. Acesso em 08/12/2020.

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