Manual de Sobrevivência da EMAp

Por Matheus Popst

O Veterano
O Veterano
10 min readFeb 8, 2021

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Então você foi aceito para estudar Matemática Aplicada na FGV EMAp! Você já entendeu a diferença entre Matemática (Pura) e Matemática Aplicada: apenas que a segunda busca motivação em problemas práticos. Você também entendeu que apesar de parecidas e sobrepostas, Matemática Aplicada e Ciência de Dados são coisas diferentes: existem bons modelos que merecem ser feitos que usam poucos ou nenhum dado. Você também entendeu que não queria fazer ciência da computação: apesar de querer aprender a ser um bom programador, você acha que será capaz de produzir grande impacto sem ter uma compreensão profunda de como um computador funciona. Em adição a tudo isso, você gosta da ideia de que os problemas que motivam a sua Matemática tenham origem em ciências sociais aplicadas (não que toda Matemática Aplicada do mundo tenha esse viés, mas na FGV sim). Em resumo, você decidiu escolher pelo sweet spot entre o rigor e a beleza da Matemática, o poder da Computação, a vanguarda da Ciência de Dados e a abrangência de aplicações da Economia.

Aliás, espero que você tenha pensado nisso. Eu não pensei. Quando tinha 17 anos e tomei a decisão de fazer Matemática Aplicada foi porque eu achava a Matemática uma disciplina belíssima e queria aprender mais. Em adição, como não tinha muita ideia do que queria fazer da vida, parecia uma boa ideia se especializar na linguagem da ciência.

De fato, foi uma boa ideia, acho muito difícil que eu tivesse tomado uma decisão melhor e acho que se você se identificou ao menos um pouquinho com a descrição que dei do curso, você também vai adorar.

Este texto terá duas seções:

  1. Big picture da carreira
  2. Dicas acionáveis

Na primeira seção, pretendo te oferecer uma visão do que significa ser um matemático. Nessa visão geral irei humildemente tentar te inspirar para a nossa carreira e oferecer um conselho ou outro nos momentos difíceis da faculdade. Na segunda seção, irei fazer bullet points rápidos oferecendo para você pequenas dicas de coisas que funcionaram para mim e alguns amigos e que talvez funcionem para você.

Big picture

Alguém tem que ser um gênio para fazer Matemática?

A resposta é um enfático NÃO. Para que se façam boas e úteis contribuições para a Matemática, a pessoa precisa trabalhar duro, aprender um campo bem, aprender outros campos e ferramentas, fazer perguntas, falar com outros matemáticos e pensar sobre a “big picture”. E sim, uma quantidade razoável de inteligência, paciência e maturidade também é necessária. Mas a pessoa não precisa de nenhum tipo de “gene genial” que espontaneamente gera ex nihilo ideias profundas, inesperadas respostas a problemas e outras habilidades sobrenaturais.

Terence Tao, ganhador de medalha fields

Quero contar uma história que passei enquanto fazia uma disciplina com um professor que vocês provavelmente irão conhecer no início da faculdade, o professor Luciano. Durante o meu 6º período, fazia a disciplina de Álgebra, Números e Criptografia ou, como dizia o Luciano: “apenas uma desculpa para falar de Matemática”. O Luciano é uma daquelas pessoas que ama o que faz e não tem a menor vergonha de exibir que ele ama o que faz. Confesso que eu invejava a alegria com que ele dava a primeira aula às 7h30 da manhã para a gente. E por conta da sua paixão, o Luciano dizia que o seu objetivo como professor era nos ensinar “a dor de ser um matemático”.

As provas, listas e testes que o Luciano dá raramente são repetições de um padrão de exercício. Não que não exista valor em aprender a derivar, aprender a regra da cadeia e passar uma tarde fazendo exercícios de regra da cadeia, mas o skill-set que o Luciano queria nos ensinar não era exatamente Teoria dos Números. Era a dor de ser um Matemático. Por conta disso, muitos dos seus exercícios exigiam criatividade e não apenas uma repetição de algum truque pronto. Como ele me ensinou, ele não ia dar um toolbox de técnicas de demonstração.

Um evento particular me marcou muito. Era a A1 de Álgebra, Números e Criptografia. Após as 3 horas de prova, eu tinha tido um desempenho que eu julgava bastante mediano na prova e tinha deixado sem resolver alguns exercícios. Ao sair da prova perguntei aos colegas se eles fizeram um certo exercício e eles me explicaram em praticamente uma ideia como se resolvia. Não me lembro exatamente da ideia, mas era tão simples que me explicaram em uma frase.

Naquele sábado voltei para casa e fiquei chateado o resto do dia. Apesar de racionalmente já saber essas ideias que estou passando para vocês, não posso negar que tive uma certa crise de identidade por não ter tido a ideia que julguei simples de como resolver aquele problema. Era até difícil pensar em como decompor a solução do problema em problemas menores. Ou você percebia o padrão ou não percebia. “Será que sou mesmo apto para ser um matemático?” Naquele dia passei a madrugada assistindo a vídeos no YouTube de canais como Numberphile, Standup Maths e lendo o blog do Terence Tao. E foi aí que eu li o texto que citei acima, que serviu de inspiração para me motivar e lembrar que Matemática não é feita apenas de momentos de inspiração ex nihilo.

A dor de se fazer Matemática é que o próximo passo raramente é óbvio. E é óbvio depois que você descobre como faz. O próximo conceito é sempre difícil de entender, mas é fácil depois de aprendido. Como ninguém fica tentando resolver problemas que se sabe como resolver, o padrão na Matemática é que você esteja 99% do tempo travado. Enquanto aprendendo Matemática, vale a máxima “Matemática aprende-se em migalhas, todos os dias”.

E isso vale para outros momentos da sua vida acadêmica, não apenas fazendo demonstrações de Teoria dos Números (de alguma forma vale para toda a ciência, mas vou alegar sem argumentar aqui que o efeito ficar travado é maximizado se você for um matemático em comparação com outras ciências que, por outro lado, têm seus desafios diferentes). Isso vale sempre que você estiver programando, desenvolvendo um modelo de aprendizado por máquinas novo ou aprendendo uma área nova da Matemática.

Parte do sucesso em Matemática, no meu ver, é saber que não existe um “gene mágico” que só é estalado para os melhores alunos da sua turma. Sucesso em Matemática, no longo prazo, é resultado de trabalho duro e paciência. Você verá que os melhores alunos da sua turma sucumbirão a vários desafios. Você sucumbirá a vários desafios também. E para que você consiga ter trabalho duro por muitos anos, é fundamental normalizar a dor do Matemático.

Dicas acionáveis

  • Aprenda como você aprende. Eu apenas aprendo de um jeito horrível que é dedicar tempo às múltiplas matérias em blocos de dias. “Ao longo dos próximos X dias apenas irei estudar Processos Estocásticos”. E focando bastante naquela disciplina naqueles dias. Te desencorajo totalmente de fazer como eu faço. Mas é importante que você descubra se você rende melhor estudando 1h todos os dias cada disciplina ou qualquer outro formato maluco.
  • Aprenda inglês
  • Aprenda a programar
  • Aprenda a programar bem
  • Tenha certeza de que sabe Matemática de Ensino Médio
  • Estude Matemática em grupo (inclusive programação): eu sei, eu sei. Coronavirus, EAD, você não conhece seus colegas direito. Mas apesar de que são importantíssimos os momentos introspectivos de se realizar listas de exercícios, você vai perceber que realmente é mais fácil se você fizer os primeiros exercícios da lista/alguns exemplos (mesmo exemplos bobos!) para fixar os conceitos e verificar se você é capaz de explicar isso a alguém. Além disso, com duas pessoas fazendo Matemática juntos, é mais provável que alguém perceba o sinal de menos errado que você colocou que ferrou toda sua resolução.
  • Faça amigos, sobretudo matemáticos. Isso fará a sua vida mais feliz.
  • Faça colegas, a FGV é um local cheio de gente que será muito bem sucedida. Não perca a oportunidade de fazer conexões. Lembre-se de que no mundo o que importa é QI (Quem Indica). Você vai ter uma oportunidade incrível de melhorar seu QI nos próximos 4 anos.
  • Entre em uma entidade (ver: faça amigos e faça colegas)
  • Vá para os jogos universitários (eu nunca fui, mas meu amigo Alifer foi e disse que gostou)
  • Compre uma mesa de digitalização: essa daqui eu não testei. Mas tenho certeza de que durante a pandemia, uma mesa de digitalização de 300 reais vai facilitar em muito que você colabore com os colegas através da internet. Minha namorada também alega que ela ganha 10 minutos em todas as provas por não precisar scanear os manuscritos.
  • Compre o Wolfram Alpha mobile: 10 reais, uma única vez e te oferece step-by-step solutions para muitos tipos de problema. Utilize sobretudo depois de você ter aprendido como faz as contas manualmente.
  • Assista a maioria das palestras que conseguir: nos primeiros períodos, sobretudo, vai ser uma maneira incrível de ter noção do que é Matemática de ponta. Tudo bem se você não entender. Anos depois você vai aprender algo e vai lembrar da palestra a que assistiu no passado e vai perceber que era daquilo que estavam falando.
  • Um 10 e um 2 é melhor do que tirar dois 6: essa daqui é polêmica. Por conta que o sistema de AS substitui a menor nota, em situações extremas é melhor garantir notas muito boas em algumas matérias do que tirar notas medianas em todas. Se você tira notas medianas em todas as matérias, fica mais difícil fazer AS para melhorar CR. Evite ao máximo se ver numa situação em que este conselho é útil.
  • Você não é o seu CR. No fim do dia, muitas coisas entrarão na função que determinará seu sucesso profissional. Seu CR desempenhará um papel coadjuvante no longo prazo. A principal delas será o seu empenho pelos próximos 30 anos. 4 anos quando se tem 18 anos de vida terão pouco impacto no grand schema of things.
  • Considere sempre fazer AS para melhorar nota quando for fácil aumentar nota: em especial se você for bolsista, em especial se o professor disser que não vai colocar no sistema se isso for te prejudicar. O CR do primeiro período é o que mais importa, no 7º período as notas marginais vão impactar muito pouco seu CR e você vai estar perto do final da faculdade de qualquer maneira. Eu sei que às vezes a gente só quer se ver livre da faculdade depois de uma A2 difícil, mas isso vai te dar muito mais tranquilidade nos próximos anos.
  • Cuide do seu CR. Sua vida vai ser mais fácil se você tiver um CR bom. Os ganhos marginais de ter um CR 9 em detrimento de ter um CR 8 são menores do que ter um CR 8 em detrimento de um CR 7. Você vai se preocupar menos em relação a bolsa (se tiver bolsa), vai ter mais acesso a oportunidades acadêmicas como Iniciação Científica e talvez consiga mais facilmente seu primeiro estágio se tiver um CR apresentável.
  • Fazer eletivas na EPGE não conta pro CR, mas na EMAp contam: durante minha graduação sempre fui muito conservador com puxar eletiva e correr o risco de reprovar e ferrar meu CR. Se você pega eletiva na EPGE, dependendo da eletiva pode contar para as suas horas de eletiva, mas não para CR.
  • O preço de trancar disciplinas (R$100,00) é barato perto do preço de reprovar
  • Muito provavelmente tem um professor gringo, ou até mesmo de um MIT, ensinando essa disciplina no Youtube. A responsabilidade por aprender é muito mais sua do que do seu professor da FGV. Lembre-se: cursos como os de Cálculo são oferecidos há 4 séculos. Se algum professor da EMAp não for um fit para o seu estilo de aprendizado, é sua responsabilidade achar no Google e YouTube alguém capaz de te ensinar. Alguns nomes: Professor Lehonard, Gilbert Strang, MIT OpenCourseWare, O Matemático, entre outros.
  • Estagie, mesmo que seja apenas em summer jobs. (ver faça amigos e faça colegas) O rendimento marginal na sua vida de se fazer uma matéria a mais, sobretudo no verão, é baixo. No entanto, a primeira experiência profissional vai te dar um retorno muito melhor.
  • Entenda a lei dos rendimentos marginais decrescentes. Ao menos eu, só penso em termos dessa lei. Você já deve ter percebido que metade das dicas dessa lista envolvem ela de alguma forma. Um bom vídeo aqui. Um outro jeito de se pensar como na regra de pareto.
  • Não se especialize cedo demais. A beleza da nossa faculdade é ela ser super generalista. Tente sempre ter um pouco de conhecimento sobre tudo, mesmo que alguns “tudos” que não sejam Matemática. Novamente, mais um conselho em termos de rendimentos marginais decrescentes. Você aprender muita Estatística, muito cedo na carreira, vai te impedir de ter conhecimentos superficiais, porém úteis, em outros domínios como Geometria Diferencial, Programação ou Otimização. Um dia você vai precisar se especializar, mas não na graduação.
  • Vá a bares e festas (ver faça amigos e faça colegas)
  • Ligue a câmera nas aulas, isso vai criar um senso de humanidade muito grande para os professores. Também vai te ajudar a ser mais atento.
  • Interaja com os professores e funcionários da Escola. Tipicamente a cultura da EMAp sempre foi uma cultura muito aberta. A dinâmica do EAD atrapalha, mas tente ser proativo sempre que sentir necessário.
  • O NAP (Núcleo de Apoio Pedagógico) está aí para te ajudar, mesmo.
  • O NEDC (Núcleo de Estágio e Desenvolvimento de Carreiras) está aí para te ajudar, mesmo.
  • Caderno sem pauta é melhor para fazer Matemática. Mandar encadernar um pacote de folha sulfite é a melhor forma de ter um caderno sem pauta.
  • Isso não é uma competição com os seus colegas de turma
  • Combata o machismo que ainda existe na Matemática. Apoie suas colegas. Note se você não está interrompendo-as. Mulheres são pessoas e tem seus méritos, e não são esposas, noivas ou namoradas de algum determinado matemático. Peça conselho a elas de como ser um parceiro melhor nessa luta.
  • Não se queime. Se você for se comprometer a fazer pesquisa com um professor, não ignore a pessoa. Pior do que não ter QI, é ter QI negativo.

Algumas dicas aqui não são consenso e te encorajo a encontrar pessoas que vão discordar de mim. Em particular, fazendo isso, você estará mais bem posicionado para fazer amigos e colegas.

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O Veterano é um jornal estudantil criado por alunos da Escola Brasileira de Economia e Finanças em 2020.