Muito além de um Iphone mais caro: a volatilidade atual do câmbio

Este texto é o início de uma série de publicações resumidas da conjuntura econômica brasileira nas redes sociais d’O Veterano. A singularidade dos eventos monetários e fiscais chamaram atenção para a importância de compreender os fenômenos assistidos.

Bernardo Albernaz
O Veterano
5 min readJul 6, 2020

--

Photo by Markus Spiske on Unsplash

O preço relativo das moedas é resultado de vários componentes intrinsecamente ligados com a lei da oferta e demanda das próprias. Quando muitas pessoas compram, sua cotação sobe, ao mesmo tempo em que cai ao enfrentar uma queda na demanda. A partir disso, percebe-se que a análise da cotação trata quedas e subidas da oferta da moeda internacional.

O Balanço de Pagamentos (BP) impacta significativamente nos estoques da moeda. Dentre seus componentes, a Conta Corrente, que contabiliza a diferença entre as exportações e as importações de bens e serviços do país, é um bom parâmetro para se analisar a entrada e saída de dólares na economia brasileira. Desse modo, um déficit comercial — momento em que exportações bens não superam suas importações — culmina em uma saída de dólares no Brasil, e em consequência, a moeda nacional se desvaloriza frente ao Dólar — ceteris paribus.

O Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) projeta um déficit em Transações Correntes para 2020 de -0,7% do PIB, e a diminuição das reservas internacionais foi estimada em US$ 40 bilhões. Visto isso, a causa reside no cenário pandêmico que impulsiona este movimento de capitais, contribuindo ao choque negativo no financiamento dos países emergentes. Dessa maneira, o mundo vai em direção a uma contração econômica extraordinária: o Ibre calcula uma queda de 6,4% do PIB neste ano, com setores secundários e terciários criticamente abalados.

Além da Comercial, a Balança de Serviços, que também compõe as Transações Correntes, atua nessas flutuações cambiais. Atualmente no Brasil, encaramos um déficit em serviços que, por sua vez, drena a moeda estrangeira do país e favorece uma desvalorização cambial do Real. Em 2019, a parte corrente do BP exibiu um resultado negativo de aproximadamente U$50 bilhões.

Tanto eventos internos como externos trazem esses desequilíbrios no mercado cambial, além disso, as oscilações no contexto mundial recente foram determinantes para explicar o comportamento do Real. Em um cenário de curto prazo, a instabilidade brasileira persiste em contribuir para o fenômeno flight to quality — que preza por investimentos mais seguros, com riscos cambiais menores.

Um dos fatores mais icônicos é a chamada Guerra Comercial Sino-Americana que, ao envolver duas grandes forças relevantes ao cenário econômico brasileiro, toma grande figuração no processo decisório de investidores sobre aplicar capital no Brasil ou levá-lo para países economicamente mais estáveis.

Essa instabilidade brasileira decorre da relação de dependência do Brasil com as potências econômicas citadas. O fato da China taxar cada vez mais agressivamente os EUA pode implicar um favorecimento do Brasil em suprir certas demandas chinesas, outrora cobertas pelos americanos. Contudo, caso tanto China quanto EUA reduzam suas importações, o Brasil reduzirá suas vendas e receberá menos dólares e o Real se desvalorizará, uma vez que ambos são os maiores parceiros comerciais dos brasileiros.

Outro evento relevante é a trajetória das taxas de juros dos países. O aumento (2018) da taxa de juros americana (principalmente a 10 Years Treasury Rate) decorrente de um aperto monetário pode enxugar as divisas exteriores do Brasil e levá-las aos EUA, já que o risco de investir no Brasil é maior. Nesse contexto, o Risco Brasil¹ faz sua aparição ao reunir o risco de calote da dívida pública e o risco de aumento da taxa de juros da economia. Quando superestimadas, essas variáveis influenciam na redução do investimento direto externo (IDE), sinalizando, portanto, uma desvalorização na taxa do câmbio².

Os juros altos podem ser um risco efetivo, pois deturpam as condições de estabilidade econômica. A dívida pública, o passivo externo líquido e a trajetória do Produto Interno Bruto (PIB) são fatores estabilizadores cruciais e, ao enfrentarem juros altos, são prejudicados e requerem maiores superávits primários, mas que apresentam tradeoffs socioeconômicos, como entre juros e inflação.

Todavia, juros muito baixos podem representar algo não tão bom. À medida que a taxa Selic decresce, a instabilidade no mercado de ativos aumenta, especialmente no mercado de câmbio. A redução da taxa Selic para 2,25% pelo Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central revela uma preocupação com a meta de inflação vis-à-vis a meta de câmbio. Diante disso, o ministro da economia, Paulo Guedes, reitera o mecanismo de câmbio flutuante, além de afirmar que o impacto da pandemia deve ser limitado dado o histórico de fechamento da economia.

Além do ministro, Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central, em assonância, afirma que o aumento recente da volatilidade cambial no curto prazo é sinal da liquidez do Real no sistema de câmbio flutuante. Atividades operacionais podem ser, de fato, impactadas, mas o banco se considera um bom gestor.

A princípio, o movimento declinante de juros (pela queda nos rendimentos dos títulos da dívida pública) pode gerar uma tendência de desvalorização cambial através de uma possível fuga de capital. Por conseguinte, Dólar mais caro pode gerar um processo inflacionário em razão do aumento nos preços de importados. Esses eventos não ocorrem necessariamente, mas comprometem a convergência das expectativas. Essa tendência de desvalorização poderia mudar caso houvesse expectativas de crescimento na economia brasileira, mas adotar este cenário é muito arriscado em um ambiente tão excepcional como o atual.

No início deste ano, quedas nos índices de confiança foram observadas em países emergentes, e a partir de março e abril, a queda na confiança se tornou generalizada. Nesse tópico, o Brasil enfrentou prejuízos maiores do que a média dos países emergentes. Em contraposição, o mês de junho apresentou uma recuperação nestes níveis, mas sabe-se que os consumidores não deixarão de ser mais conservadores sobre as predições da atividade econômica. Tanto o Índice de Confiança Empresarial (ICE) quanto o Índice de Confiança dos Consumidores (ICC) atingiram mínimos históricos este ano.

Por fim, discorrer sobre o câmbio e suas previsões é tarefa detalhista e exige uma percepção apurada sobre os eventos relevantes. A exposição simplificada de parte dessa discussão será a missão da nova série mensal de conjuntura econômica d’O Veterano nas redes sociais. Diante disso, como entidade do corpo discente na graduação em Economia, o jornal percorrerá o cenário macroeconômico e analisará suas características. Até lá!

Notas Explicativas:

[1] O indicador Risco Brasil sinaliza quanto um investidor exige em receber no título público brasileiro em comparação ao dos EUA, considerado com menor risco do mundo. O risco país calcula o spread soberano que é disposição do investidor em manter o título com o risco de default.

[2] Ph.D. em Economia pelo MIT, Joaquim Toledo, em “Risco-Brasil: O Efeito-Lula e os Efeitos-Banco Central.

--

--

Bernardo Albernaz
O Veterano

Estudante de economia e redator do Jornal Estudantil O Veterano