Coluna | O ensinamento do príncipe e do mendigo e o nosso Direito Penal — Antônio Rodrigues Augusto

O Veterano
O Veterano
Published in
4 min readFeb 3, 2021
Retrato de tortura medieval.

“O príncipe e o mendigo” é um dos clássicos da literatura mundial. O escritor norte-americano Mark Twain, ainda no século XIX, retratou a história de um garoto inglês, mendigo, que um certo dia — lá nos tempos da Idade Média — encontra-se com o príncipe, também criança e fisicamente parecido. Em razão de um acidente, ambos trocam de lugar, embora não o desejassem. E vivem histórias mirabolantes. E essas histórias são recheadas de exemplos de como o Reino Inglês tratava as pessoas.

Mas o que isso tem a ver com nosso Direito Penal?

A obra de Mark Twain, embora ficção, está recheada de casos verídicos, retirados diretamente da História, com “H” maiúsculo. Por exemplo: Na Inglaterra, houve um tempo em que 223 crimes eram puníveis com a morte… É até bom escrever por extenso, para não parecer erro de digitação: duzentos e vinte três…

O tipo de morte variava: você poderia ter sorte de ser condenado a uma morte rápida. Ou não…

A obra de Mark Twain, que pode ser comprada por cerca de R$ 20,00 em uma edição pouco maior que a de bolso, narra outras penas, que não a de morte. Coisas como:

Ser chicoteado;

Ter as orelhas cortadas;

Ter a face marcada a ferro.

Por quais crimes? Escrever contra um duque, por exemplo. Em um caso verídico, um advogado perdeu as duas orelhas…

Mendigar, outro exemplo. Uma família teve a propriedade tomada por nobres. Sem sustento, o pai precisou mendigar. Perdeu as orelhas, foi chicoteado e declarado escravo…

Mas, ainda, o que isso tem a ver com nosso Direito Penal?

Escuto muita gente bradar por penas mais duras no Direito Brasileiro. E concordo com algumas opiniões, mas preciso discordar de outras.

Concordo quando dizem que os juízes não aplicam a dosimetria da pena, prevista na Parte Geral do Código Penal. Cada crime tem uma pena mínima e uma máxima. O juiz, conforme o fato e suas circunstâncias, pode dosar a pena entre o mínimo e o máximo. Mas o que presenciamos é que, por preguiça ou por medo de ter a sentença reformada (não sei qual o pior), Sua Excelência, normalmente, aplica a pena mínima. Vivemos a cultura do mínimo penal, o que é injusto com aquele criminoso que realmente merece o mínimo e se vê equiparado a delinquentes piores e que mereciam mais prisão.

Concordo também quando dizem que o nosso sistema de progressão de penas é uma “mãe”. O camarada é condenado a uma pena, mas acaba por cumprir bem menos. Vale lembrar que a condenação normalmente já ocorreu pelo mínimo, conforme a preguiça judicial lembrada no parágrafo anterior.

Enfim, esses dois exemplos efetivamente demonstram razão nos argumentos pelo endurecimento do nosso sistema penal.

Mas dou risada quando vejo gente querendo um sistema penal com cheiro de idade média. Dou risada quando vejo gente defender prisão na calada da noite dentro de casa. Ou defender tortura. Ou prisão perpétua. Ou pena de morte. Ou poder julgador para delegado. Ou penas cruéis e degradantes. Ou grampo telefônico sem autorização judicial. Ou que juiz e Ministério Público possam ficar de conluio no processo. Quero ver o que um cidadão desses faria, em um sistema tal e qual ele defende, se fosse abordado na madrugada por uma patrulha policial com os poderes exacerbados, tal e qual ele pregou ou se, réu em um processo, descobrisse que a denúncia foi ofertada pelo Ministério Público após orientações do magistrado.

Enfim, não domino o tema. Sou advogado, mas civilista. Em relação a este debate, sou apenas mais uma opinião. Mas leia “O príncipe e o mendigo”… E, claro, que nossos juízes deixem a preguiça de lado e façam dosimetria da pena e que nosso sistema de progressão seja menos condescendente.

Ah, só para terminar: qualquer um (qualquer um mesmo, sem exceção, até mesmo você que está agora lendo este texto) pode ser citado para responder processo penal por algo que efetivamente cometeu e que esteja narrado como crime, afinal somos humanos e, portanto, falhos. E se fosse um dos 223 crimes que se pagava com a morte na Inglaterra medieval? Pois é…

Se inscreva: linktr.ee/oveterano

--

--

O Veterano
O Veterano

O Veterano é um jornal estudantil criado por alunos da Escola Brasileira de Economia e Finanças em 2020.