O IPO da Robinhood e a nova era do mercado financeiro

Conheça mais sobre os negócios 100% digitais

Renan Magalhaes
O Veterano
5 min readJul 28, 2021

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Photo by Clay Banks on Unsplash

No dia 2 de julho deste ano, a corretora de investimentos Robinhood entrou com pedido de IPO — Initial Public Offer, ou Oferta Pública Inicial, que ocorre quando uma empresa oferta ações em uma bolsa de valores — junto à NASDAQ (bolsa de valores de empresas de tecnologia nos Estados Unidos), o que pode ser um indicativo de uma nova era em que o mundo financeiro está entrando.

História da Robinhood até o IPO

Fundada em 2013, o conceito dessa corretora é ser 100% digital e atender a todo tipo de investidor, sem exigir taxas de corretagem — encargos tipicamente cobrados pela compra ou venda de ativos. Assim, essa empresa é especialmente atrativa para os pequenos investidores por sua acessibilidade e preços baixos. Esse modelo vem sendo copiado e aplicado nos mais diversos setores financeiros, como feito pelo Nubank no setor bancário.

Na pandemia, a Robinhood viu um grande crescimento dos seus negócios: a quantidade de usuários saltou de 7,2 milhões, em 2020, para 18 milhões, já neste ano. Isso se dá em parte pois, por conta da crise sanitária global, diversas pessoas, principalmente pertencentes à geração Millennial, se viram com tempo em excesso e com dinheiro sobrando — que usualmente teria sido gasto em lazer, por exemplo -, e por conta disso começaram a investir. Exigindo acessibilidade e preços baixos, esse público se voltou a corretoras como a Robinhood. Afinal, a ideia de enorme facilidade e zero gasto em transações no mercado financeiro é bem animadora a princípio. Outra estratégia voltada aos Millennials que deu certo foi a de adotar um visual mais amigável ao público novo, empregando-se artifícios estéticos que remetem até mesmo aos videogames. Por exemplo, quando se faz uma compra de ações na plataforma, surgem balões e confetes na tela para comemorar a compra. A empresa se aproveita desse simbolismo para dar uma percepção de outsiders para os novos investidores, que rejeitam a ideia tradicional dos investidores de Wall Street como os grandes tubarões que se aproveitam uns dos outros para ganhar mais dinheiro.

Mas este modelo de negócios tem um lado obscuro. Apesar de não cobrar taxas quaisquer de corretagens — o que significa não ter receita com qualquer transação realizada na plataforma — o ganho por usuário foi de 108,90 dólares. O que ocorre é que a Robinhood vende o direito de realizar as compras e vendas de ações em nome de seus usuários para terceiros, que costumam ser os hedge funds. Já dizia o ditado: se você não está pagando por um serviço, então você é o produto. Esses fundos realizam essa compra para ter informações sobre quais ações estão sendo menos ou mais negociadas na bolsa de valores, facilitando assim a entrada em ações ou derivativos mais lucrativos pelos mesmos. Ou seja, o preço oculto que o cliente está pagando na Robinhood é o de ter seus dados expostos e o preço de suas ações manipuladas por terceiros. Isto torna-se mais preocupante ainda quando comparado ao fato de mais de 50% dos investidores da corretora serem iniciantes no mercado financeiro, que recebem constantes ofertas de uso de opções complexas na plataforma, assim induzindo-os ao erro. Ainda por cima, há sucessivas investigações do SEC (Securities and Exchanges Commission, em português, Comissão de Valores Mobiliários) sobre a empresa, ameaçando sua credibilidade. Essas investigações atingem diferentes serviços da empresa, desde o já citado modelo de geração de receitas, junto a práticas com criptomoedas e proibições de compra e venda suspeitos, além da multa em 70 milhões de dólares que a corretora recebeu da Finra — uma autoridade regulatória da indústria financeira estadunidense — um dia antes do anúncio do pedido de IPO.

Independentemente das controvérsias, o caso da Robinhood é mais um de duas tendências atuais no mercado financeiro: o dos negócios puramente digitais e gratuitos e o dos IPOs.

Boom dos negócios 100% digitais e gratuitos

Um dos fundamentos mais conhecidos dos investimentos é a relação entre taxas de juros e investimentos. Idealmente, taxas de juros mais baixas levam a uma migração do capital de ativos de renda fixa — como os títulos do tesouro ou a poupança — para ativos de renda variável — como as ações ou as criptomoedas. Assim, como as taxas de juros estão relativamente baixas no mundo como um todo (no Brasil, estava em 2% aa no início do ano, mas o aumento das expectativas de inflação já levaram a 4,5% ao ano), há uma grande onda de capital das poupanças em direção às corretoras; principalmente em direção às ações. Há atualmente cerca de 1 trilhão de reais em cadernetas de poupança, e é justamente todo esse capital investido que as novas corretoras digitais e fintechs (startups de finanças) estão objetivando tomar.

No Brasil, a grande responsável por começar essa onda de inovação foi a XP, que observou a grande deficiência de serviços financeiros prestados pelos grandes bancos aliada à falta de praticidade das agências físicas. Segundo a Morgan Stanley, a XP deve tomar 20% desse mercado até 2025. Desde então, há várias concorrentes diferentes, desde corretoras digitais, como a Rico e a Clear, até os bancos de investimentos digitais, como a BTG Pactual e o Nubank — o qual adquiriu a Easynvest, que aderiu à tática de zerar corretagens. É razoável projetar que essas novas empresas possam ajudar a resolver o enorme problema de concentração bancária e financeira que existe em nosso país.

No Brasil, ainda estamos no início dessa mudança, mas, nos EUA, essas corretoras e bancos já são o padrão. Um grande exemplo é a Charles Schwab, maior corretora de investimentos norte-americana, que, ainda em 2019, zerou as corretagens, seguindo o exemplo da Robinhood e da Interactive Brokers Group. Essa decisão, entretanto, pesou significativamente sobre a empresa, que teve de abdicar de 7% da receita anual.

Boom dos IPOs

Outra tendência recente do setor financeiro é a entrada de cada vez mais empresas na bolsa de valores através dos IPOs. O motivo principal disso é o já explicitado crescimento do capital em renda variável — evidenciado pelo fato de que as bolsas de valores brasileira e norte-americana tiveram sucessivas altas históricas durante 2021 — e a necessidade de captar recursos para o crescimento das empresas, seja em caixa ou em patrimônio. Os dados até o momento apoiam a entrada de empresas para negociação na bolsa de valores, visto que, em média, as ações de uma empresa valorizam em 43% desde seu IPO. Não à toa, 2020 foi o ano com mais IPOs na bolsa de valores brasileira e, já no primeiro semestre de 2021, a bolsa norte-americana superou o número de IPOs de 2020.

Todavia, há de se tomar cuidado com este momento de otimismo, pois o cenário de crescimento constante das empresas e de preços altos de ações nas bolsas de valores podem ser sinais de uma economia em superaquecimento, evidenciando potencialmente a uma bolha econômica. E, sempre que uma bolha explode, as perdas são enormes para todos os lados, principalmente para os pequenos investidores que confiaram seu precioso dinheiro às rendas variáveis. Nesse sentido, a corretora Robinhood é um ótimo caso para entender os rumos atuais do mundo das finanças, seja para o bem ou seja para o mal.

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Renan Magalhaes
O Veterano

Bacharel de Economia pela EPGE-FGV Rio, gosto de aprender sobre os mais diversos assuntos em um empenho de tentar compreender melhor o mundo e as pessoas