O Legado dos Garotinhos — e sua sobrevivência — na política

Anthony Garotinho e Rosinha já carregam uma história intrigante no meio político fluminense. Agora é a vez dos filhos tentarem a mesma sorte.

Bernardo Albernaz
O Veterano
5 min readOct 29, 2020

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Anthony Garotinho, e Rosinha Garotinho em 2° plano

Você conhece House of Cards (Netflix)? Já ouviu falar? Bem, é uma aclamada série — póstuma — norte-americana que mostra ficticiamente o jogo de interesses políticos. No decorrer das temporadas, o telespectador aprende que tudo pode ser esperado por aqueles que detêm o poder de decisão nas mãos. Em alguns casos, a ficção encontra a realidade.

Com um histórico caótico, Anthony Garotinho exibe uma série de pontos positivos e outros nem tanto — às vezes até sensacionalistas — em seu currículo. O Ex-governador, Ex-Prefeito e Ex-Deputado tem muita história para contar, que por sinal começa no rádio no interior do Estado Fluminense, em Campos dos Goytacazes.

A carreira de radialista começou nas Rádios Nacional e Tupi AM, quando lhe foi conferido o apelido “Garotinho”, e que agora faz parte da identidade do político. Isso porque começou a narrar eventos esportivos aos 15 anos de idade, conferindo-se como um destaque no meio radialista. O fato é que Garotinho nunca deixou o rádio e fez dele sua estratégia política de comunicação com o seu eleitorado.

Prefeito de Campos por dois períodos (1989–1992, 1997–1998), Garotinho se apoderou de bandeiras populares como o fortalecimento de direitos sociais e dos servidores públicos. Desse modo, como um populista, conferiu diversos programas que garantiam alimentos e medicamentos a preços acessíveis à população carente, ampliando ainda mais a sua base eleitoral nesse nicho. Fora o âmbito social, o político conseguia apoio da classe evangélica não só por se intitular como tal, mas por ser de fato uma espécie de líder religioso ratificado por meio de programas de rádio com este cunho.

Decerto, estamos frente a um acertado comunicador que conseguiu juntar um eleitorado fiel. Em 1998, abandonou a prefeitura de Campos para se candidatar ao governo do Estado e que, através do apoio de Leonel Brizola e da recém-descoberta das quantidades extraordinárias de petróleo na Bacia de Campos, obteve seu êxito na mudança para o Palácio da Guanabara (sede oficial do governo do Rio de Janeiro). Seu mandato se absteve até o início de 2002, momento durante o qual renunciou para tentar conquistar seu lugar em Brasília, no Palácio do Planalto. Não conseguiu desta vez, no entanto, começou a deixar seu legado político-parental.

Foi nesse ano que sua esposa, Rosinha Garotinho, foi eleita governadora do Rio de Janeiro, e mais tarde, em 2008, prefeita de Campos, cumprindo dois mandatos. No mesmo período, Clarissa Garotinho (PL), sua filha, foi eleita vereadora do Rio de Janeiro. Em 2010, quase 700 mil fluminenses elegeram Anthony Garotinho a deputado federal e mais de 100 mil elegeram Clarissa a deputada estadual do Rio de Janeiro.

Parecia um esquema de sucesso. Parecia. Em 2010, o casal de políticos teve que lidar com a cassação do mandato de Rosinha e a inelegibilidade de Garotinho por usos indevidos de poder econômico e de meios de comunicação social nas eleições de 2008 — não se esquecendo da influência dos políticos no rádio.

A partir daí o cenário se revirou para os Garotinhos. Em 2016, o Juiz Glaucenir de Oliveira da 100a zona eleitoral expediu o mandado de prisão de Anthony Garotinho pela Operação Chequinho que apurava compra de votos no programa social Cheque Cidadão, posteriormente a prisão domiciliar foi revogada. No próximo ano, veio a segunda prisão enquanto apresentava um programa na Rádio Tupi, sendo autorizado a cumprir prisão domiciliar.

Novamente em 2017, o episódio se repetia, mas agora com Rosinha no meio por apuração de crimes de corrupção, participação em organização criminosa e falsidade de contas eleitorais na Operação Caixa D’água. Em 2019, uma nova ordem de prisão foi expedida contra o casal acusado de superfaturamento em contratos entre a prefeitura de Campos e a empreiteira Odebrecht.

Família: Anthony, Rosinha, Clarissa e Wladimir

Determinados a esquecer a história recente de prisões e aparições inesperadas nos noticiários, a família lança mão da sua influência com a candidatura de Clarissa, filha, para a prefeitura do Rio de janeiro. É a primeira vez que a então deputada federal (2015) concorre a um cargo em primeiro exercício no poder Executivo. Ela diz:

“Todo mundo me conhece e sabe que sou filha do Garotinho, mas acho que toda eleição majoritária é uma oportunidade de contarmos nossa própria história e mostrar o que a gente defende para cidade. Meu objetivo é mostrar para a população do Rio quem é Clarissa. Sou Clarissa Garotinho, vírgula e não um ponto final”

A intenção de conquistar sua própria identidade faz parte da campanha eleitoral de Clarissa, que, no entanto, depende da habilidade dos pais de captar votos, já que ambos, Garotinho e Rosinha, a ajudam na produção de conteúdo midiático. No entanto, ao mesmo tempo que os pais ajudam, eles atrapalham, já que o índice de rejeição da candidata à prefeitura do Rio é um dos mais altos, representando 40% das pessoas entrevistadas que “não votariam de jeito nenhum” nela (Ibope/Rede Globo) e perdendo apenas para o atual prefeito Marcelo Crivella (Republicanos) com 57% — que, convenhamos, não é uma grande dificuldade.

O mesmo acontece com Wladimir Garotinho (PSD), filho, que é candidato à prefeitura de Campos dos Goytacazes. Diferentemente do currículo político da sua irmã, Wladimir conta a apenas com o cargo de deputado federal conquistado em 2018, mas a influência parental já desbanca o candidato como o primeiro na pesquisa eleitoral no início de outubro da TV Record com 14% das intenções de votos, favorecido também pela rejeição de grande parte dos campistas ao governo atual de Rafael Diniz (Cidadania) — é importante frisar que 49% ainda não sabiam ou não quiseram responder.

O Legado ainda tenta sobreviver depois de todos os escândalos, e a fidelidade de parte do eleitorado de Garotinho parece ter se mantido. As eleições dirão com mais certeza. O certo é que o espírito radialista de Garotinho permanece por meio do programa “Fala Garotinho” na Super Rádio Tupi. Sábado, 6 horas da manhã — por sua conta e risco.

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Bernardo Albernaz
O Veterano

Estudante de economia e redator do Jornal Estudantil O Veterano