O Metaverso não Salvará o Facebook: mas seu Império não Cairá Hoje
O primeiro trimestre de 2022 foi marcado por uma queda nos mercados financeiros mundiais, sendo nenhum resultado negativo tão impactante quanto o tombo que as ações do Facebook — agora Meta — levou. Os valores despencaram de 323 para 237 dólares em um único dia; simbolizando uma perda de mais de 200 bilhões de dólares em market cap.
Para se ter uma ideia da magnitude desse montante, o TCU estimou que todos os gastos do governo brasileiro na Copa do Mundo de 2014 chegaram em R$25,5 bilhões; aproximadamente 11 bilhões de dólares, em valores de 2014. Ou 20 vezes menos do que o Meta perdeu desde o início do mês.
Um dos principais motivos por trás dessa desvalorização foi o lançamento do Year End and Q4 2021 Reports ,que revelou uma contínua estagnação na renda e números de usuários nos produtos META. Todavia, resultados meramente medíocres não explicam completamente a queda vertiginosa que a companhia vem sofrendo. Para isso, precisamos entender o modelo de negócios do Facebook.
O Meta é dividido internamente em dois setores: a “Family of Apps”, que contém as redes sociais da empresa (Facebook, Instagram, WhatsApp) e o serviço de vendas de anúncios; e a “Reality Labs”, que desenvolve tecnologias de realidade virtual, como os headsets Oculus. Ambos setores passam por dificuldades sérias, e distintas.
CORAÇÃO DO METAVERSO É O PONTO MAIS FRÁGIL
A realidade virtual é uma tecnologia revolucionária — com potencial para se tornar tão comum quanto os computadores atualmente são nas diversas residências ao redor do mundo. E quando o Facebook comprou a Oculus em 2014, a companhia se posicionou como um líder nesse mercado.
Ao colocar seu capacete VR da Oculus, o usuário é imediatamente transportado para sua casa virtual — o ambiente padrão é uma mansão mobiliada, com uma lareira e vista para montanhas; que pode ser alterada de acordo com suas vontades. Cansando-se desse ambiente, o usuário pode viajar por uma infinidade de casas construídas pela comunidade — talvez para uma praia, uma fazenda, ou até mesmo outro planeta. E essas viagens não precisam serem feitas sozinhas; o usuário pode convidar amigos ou estranhos para visitar sua casa virtual, e conversar com seus avatares.
É em ambientes assim — e não no Facebook — que Mark Zuckerberg vê o futuro das redes sociais. Por isso, o Facebook se renomeou Meta, visando a concretização de um grande plano: criar um metaverso que unifique a tecnologia VR do Reality Labs com as redes sociais do Family of Apps.
Porém, esse objetivo ambicioso colide com uma realidade de altos custos e baixa lucratividade. A divisão causou um prejuízo de aproximadamente 8 bilhões de dólares para o Meta apenas no ano de 2021; um valor que se assemelha à Copa do Mundo de 2014, sem a construção de estádios novos. Isso é quase um terço da renda bruta do Meta, e têm como consequência a retirada de recursos de outros projetos e a diminuição dos dividendos para os acionistas.
Todo esse investimento pode ter ótimos retornos a longo prazo, mas a Reality Labs está a anos — senão décadas — de distância da lucratividade.
Anúncios personalizados em risco
“É gratuito e sempre será”. Por anos, esse slogan seria visto por todos os usuários que entrassem no Facebook sem uma conta logada. E, apesar do bordão ter sido removido em 2019, o Facebook — e todos os outros membros da “família de apps” — continuam comprometidos em não cobrar diretamente de seus usuários. O custo de entrada para uma rede social gratuita é, e sempre foi, vender a privacidade de seus usuários para anunciantes.
Como descrito no Q4 Earnings Report, 97% de toda a renda bruta do grupo Meta vem da venda de anúncios. Seu modelo de negócios consiste em tentar criar um perfil preciso de cada um de seus usuários, para mostrar-lhes propagandas de produtos que melhor condizem com o perfil formulado. Gênero, idade, sexualidade, opinião política… O Meta rastreia tudo isso, e muitos dos cookies encontrados nos mais diversos websites são feitos especificamente para fornecer mais informações sobre os usuários para Zuckerberg.
A maioria das pessoas não se sente confortável com esse sistema e, dadas a oportunidade, darão o mínimo de informações possíveis para anunciantes. O Facebook ganhou em média $10USD por usuário em cada trimestre de 2021, o que equivale a um lucro de centenas de reais todos os anos, advindo de produtos supostamente gratuitos.
No entanto, com novas medidas de privacidade nos aparelhos Apple — que podem ser copiadas pela Google em um update próximo do Android — o modelo de negócios do Meta está em sério risco.
Ainda no Q4 Earnings Report, o Meta ameaçou deixar a União Europeia caso novas leis de privacidade entrem em vigor. Dias depois, o Meta disse que não fez nenhuma ameaça, mas reiterou que poderia ser obrigado a sair da União Europeia. Políticos e europeus não se intimidaram; o mercado do continente é vasto e lucrativo, e outras redes sociais podem substituir as do grupo Meta. A mensagem enviada por governanças e usuários é clara: o Facebook deve se curvar às novas regras de privacidade, não o contrário.
Perspectivas de longo prazo
Como consequência do crescimento de medidas de privacidade impostas por governos e pelo mercado, o Meta terá uma menor lucratividade com seus anúncios personalizados, no futuro próximo. Até o momento, seus executivos ainda tentam impedir que essas medidas venham à frente, e não estão focados em se preparar para as mudanças por vir. Ao mesmo tempo, bilhões de dólares são gastos todos os anos em tecnologias de realidade virtual, e não há nenhuma previsão para quando esse investimento se tornará lucro.
Em um cenário assim, a queda das ações do Facebook/Meta era inevitável. Porém, mesmo diante destas circunstâncias, o futuro não é funesto.
O Tik Tok é visto como o maior concorrente do Facebook, mas não tem qualquer potencial de destruir o império da Family of Apps. Muitos usuários que saem do Facebook migram para o Instagram, e o WhatsApp se tornou essencial para o dia-a-dia de pessoas em dezenas de países. Não importa se você prefere o Facebook, Instagram ou WhatsApp; o Meta coleta suas informações da mesma maneira. E a estagnação no número de usuários não aparenta ser um mal sinal para o futuro, dado que as redes sociais do Meta já são utilizadas por quase 3,6 bilhões de pessoas todos os meses.
Os maiores controles de privacidade podem até ser positivos para o Meta a longo prazo; é possível aprimorar a efetividade dos anúncios personalizados, e ao mesmo tempo dar mais privacidade para seus usuários.
Veja um exemplo engraçado: comecei a receber muitos anúncios para vestibulares da FGV no Facebook desde que iniciei meu curso na EPGE. O Meta analisa minhas interações fora de suas redes sociais, percebe que eu pesquiso muito sobre a FGV, e entende que eu sou um aluno perspectivo. Mas o mesmo sistema não analisa uma informação que já lhes dei voluntariamente: meu perfil público no Facebook indica que estou cursando economia na FGV! O Meta não precisa de mais informações sobre seus usuários, mas sim aprender a utilizar melhor a informação que lhe é dada.
Em um futuro não tão distante, o Meta deve recuperar suas perdas de fevereiro de 2022. Porém, essa recuperação não será rápida, muito menos indolor. Essa queda aconteceu devido a problemas estruturais sérios na companhia; a habilidade de resolver esses problemas vai ditar se estamos vendo um mero tropeço; ou o começo de um desabamento.