O que Elon Musk e Daniel Silveira têem a ver?

O Veterano
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4 min readMay 5, 2022

Por Lilian Kingston

O que o empreendedor e investidor “visionário” Elon Musk tem a ver com o ex-policial militar e político “delinquente” Daniel Silveira? Antes de mais nada, notamos que tanto um quanto o outro aparecem recorrentemente nas manchetes dos maiores jornais brasileiros. Entretanto, Musk normalmente faz aparições no caderno de Economia, enquanto Silveira geralmente é encontrado no caderno de Política. Poucas são as matérias que contam com a participação de ambos estes personagens no mesmo artigo, mas esta reportagem é uma dessas poucas.

Uma das semelhanças entre ambos atrela-se ao fato de que tanto Musk quanto Silveira colecionam polêmicas. Por exemplo, a recente iniciativa de Musk de comprar o Twitter — uma rede social e plataforma de microblogging — tem suscitado questionamentos acerca das posições ideológicas do magnata. Enquanto isso, a controvérsia da condenação de Silveira por estimular atos antidemocráticos e subsequente concessão de perdão por parte do presidente Bolsonaro à pena imposta ao delinquente tem, paralelamente, motivado discussões sobre a linha tênue entre incitação popular e expressão individual. E, apesar de não ser imediatamente visível, essas discussões circundantes a Musk e Silveira têm um ponto em comum: a liberdade de expressão.

Como a compra do Twitter por Musk concerne a liberdade de expressão? Para entender esta relação, devemos nos atentar à exteriorização de opiniões polêmicas característica desta rede social e ao posicionamento ideológico do magnata. Declaradamente, o propósito do Twitter é servir à conversa pública. Dado que violência, assédio e outros pronunciamentos de caráter semelhante desencorajam pessoas a se expressarem e, em última análise, reprimem a conversa pública global, a rede social conta com algumas regras e restrições à publicação de conteúdo, feitas para garantir que todos os usuários possam participar da conversa de forma livre e segura. Será que consentir com a restrição de comentários é compatível com o posicionamento ideológico de Musk, que se autodeclara um “absolutista da liberdade de expressão”?

Tendo em vista que a compra do Twitter trata-se de um acontecimento muito recente, não sabemos por certo se a ideologia do novo dono da empresa irá alterar significativamente as regras e restrições com relação à publicação de conteúdo da rede social. O recém proprietário já declarou a intenção de promover a moderação da restrição de conteúdo, a descentralização deste controle e a autenticação de todas as pessoas na rede. Veremos, em breve, se o magnata conseguirá implementar estes planos para a empresa e, assim, fazer que a rede social realize o “potencial extraordinário” que o “visionário” vê nela.

Durante o tempo em que negociava a compra do Twitter, Musk fez uma publicação na plataforma que veio a ser compartilhada por Jair Bolsonaro, presidente brasileiro. O comentário partilhado foi a constatação do bilionário de que espera que até os piores críticos dele continuem a usar a plataforma após o fechamento do negócio, porque exatamente nisso consiste a liberdade de expressão. O compartilhamento dessa publicação por parte do presidente brasileiro provavelmente não teria despertado tanta algazarra quanto provocou caso tivesse sido um evento isolado, mas o acontecimento se deu em um período de controvérsias quanto à liberdade de expressão: a semana em que Silveira foi condenado por estimular atos antidemocráticos e posteriormente perdoado por indulto presidencial, sob a prerrogativa do direito de livre expressão.

O caso de Silveira vem sendo tramitado desde fevereiro de 2021, quando o político fez comentários que legitimaram o AI-5, o instrumento de repressão mais severo da ditadura militar, e a destituição de ministros do Supremo Tribunal Federal — ambas as pautas sendo, inconstitucionais. Como a Constituição Federal não permite a propagação de ideias contrárias à ordem constitucional e ao Estado Democrático, foi decretada a prisão do político. A tramitação do processo, desde então, passou pelo plenário do Supremo e pela Câmara dos Deputados, chegando à condenação do delinquente a 8 anos e 9 meses de prisão por fazer ataques à democracia, devida ao Supremo Tribunal Federal. No entanto, o político não cumprirá a pena — Bolsonaro concedeu o perdão da pena imposta a Silveira, pontuando como uma das justificativas para este indulto a liberdade de expressão.

Segundo o artigo 734 do Código de Processo Penal, o presidente da República pode conceder a graça presidencial a pessoas condenadas de forma espontânea, uma forma de indulto individual. Como pontuou o presidente, “a concessão de indulto individual decorre de juízo íntegro baseado necessariamente nas hipóteses legais, políticas e moralmente cabíveis”. Nesse caso, como “a liberdade de expressão é pilar essencial da sociedade em todas as suas manifestações” e o presidente entende que “a sociedade encontra-se em legítima comoção diante da condenação de parlamentar resguardado pela inviolabilidade de opinião deferida pela Constituição que somente fez uso de sua liberdade de expressão”, o indulto é cabível, sob a perspectiva do presidente e daqueles que o apoiam.

Suponhamos que Silveira volte a fazer alegorias ao AI-5, o instrumento de repressão mais severo da ditadura militar, e à destituição de ministros do Supremo Tribunal Federal, dessa vez expondo o que tem a dizer no Twitter de Musk. Será que os comentários serão censurados? Veremos.

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O Veterano é um jornal estudantil criado por alunos da Escola Brasileira de Economia e Finanças em 2020.