O que fazer com 1500 horas no Brasil? Pagar impostos.

O sistema tributário é complexo demais para nós e nossas empresas. Como uma reforma tributária pretende vencer isso?

Bernardo Albernaz
O Veterano
6 min readSep 7, 2020

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Superintendência da Receita Federal em Brasília.

Não há razões para o Brasil não crescer. Certamente, a frase anterior é uma hipérbole que retrata um país com grande potencial, mas que ainda não conseguiu vencer entraves importantes ao crescimento econômico. A performance produtiva é surpreendentemente baixa tanto no Brasil quanto nas nações vizinhas em comparação com economias mais avançadas e, em detalhes, o sistema tributário é mais uma pedra no caminho.

Segundo o relatório do Banco Mundial Doing Business 2019, uma empresa brasileira leva 1500 horas ao ano para pagar seus tributos (a média dos 190 países na pesquisa é de 206 horas). Como nação, somos um dos 10 piores países quando o assunto é o pagamento de tributos, ocupando a 184° posição na amostra.

O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, contribui para a pauta:

“O modelo tributário nos últimos 30 anos reduziu o potencial de desenvolvimento do Brasil e contribuiu para a desigualdade. Simplificar o sistema de bens e serviços é obrigação do Parlamento. Temos de ter coragem de fazer o enfrentamento, mostrar aos setores que eles não serão atingidos como eles imaginam, há muita informação falsa”.

Há muitos problemas no que tange à obscuridade da tributação: o brasileiro não sabe quanto paga de imposto, nem ao menos sabe que, ao consumir um produto, este pode ser tributado de várias formas.

De fato, a complexidade da composição tributária brasileira é alarmante (a tributação do PIS/Cofins se baseia em duas mil páginas de legislação) e tem canalizado atenção para si ultimamente. Há um mês atrás (05/08/2020), o Ministério da Economia apresentava sua ideia à Comissão Mista da Reforma Tributária com o lema “Quando todos pagam, todos pagam menos”. Conforme anunciado, o escopo da reforma é simplificar a carga tributária sem aumentá-la, além de trazer mais transparência ao cidadão. A proposta executiva planeja acabar com os impostos federais, PIS e Cofins, e estabelecer a Contribuição Social sobre Bens e Serviços (CBS) por uma alíquota de 12% que incidirá sobre o valor agregado ao produto ou ao serviço.

O Ministério chefiado por Guedes é otimista ao projetar resultados da reforma com sua aprovação no Congresso. Neste cenário, as empresas contarão com mais simplicidade na hora de pagar seus impostos, e os consumidores terão uma visão mais ampla sobre a incidência do tributo. Dessa forma, parece que o impulsionamento da produtividade e do crescimento econômico é óbvio para a instituição, mas há quem discorde — aí sim, óbvio.

A unificação do PIS e Cofins não é uma boa ideia para o economista Ricardo Amorim. Ele afirma que justamente os setores mais afetados pela pandemia, serviços e comércio, seriam os mais afetados com a alíquota de 12%, incluindo hotelaria, restaurantes e educação. Contudo, instituições financeiras pagariam menos (5,8%), e partidos políticos, igrejas e sindicatos, por exemplo, ficariam isentos.

O impacto também aconteceria no setor de livros, que gerou grande controvérsia por conta da declaração do Ministro da Economia ao se referir ao livro como um objeto elitizado. Questionado sobre, Guedes declara: “Eu também, quando compro meu livro, preciso pagar meu imposto. Uma coisa é você focalizar a ajuda, outra é você, a título de ajudar os mais pobres, na verdade isentar gente que pode pagar”.

Além do projeto de reforma do governo, a PEC 45/2019, que tramita na Câmara dos Deputados, unificaria o ICMS (estadual), ISS (municipal), IPI, PIS e Cofins (federais) em um único Imposto sobre Bens e Serviços (IBS). O IBS iria para um caixa separado do Tesouro Nacional, e, com isso, a União, os estados e os municípios teriam acesso automático aos seus recursos; já no Senado, a PEC 110 apresenta propostas parecidas, acrescentando os impostos IOF, IS, Cide e Salário-educação. Em ambos projetos, as alíquotas foram elaboradas a fim de não aumentar a carga tributária.

No dia 21 de julho, quando a reforma foi de fato entregue ao poder Legislativo, o governo federal enviou o pedido de urgência, o qual trancaria a pauta no Congresso caso a proposta não fosse analisada antes de 45 dias. Tal pedido foi uma manobra de sinalização ao mercado do compromisso do governo em tentar andar mais depressa com o pacote de mudanças, mas nesta sexta (04), o pedido foi retirado.

Paulo Guedes entrega a 1° etapa da Reforma Tributária do governo ao Legislativo.

A Reforma Tributária do governo está estruturada em quatro etapas, e esta é apenas a primeira. Adiante, estruturam-se a simplificação do Imposto sobre Produtos Industrializados (2° etapa), alterações no imposto de renda de pessoa física e jurídica (3° etapa) e imposto sobre transações digitais e desoneração da folha de pagamentos (4° etapa).

Pulando as próximas duas etapas, e indo direto para o quarto passo, Guedes já entende que não será fácil conseguir boas negociações, uma vez que já encara resistência tanto no Congresso quanto na sociedade por conta da criação de um novo imposto. Contudo, o governo é incisivo na desoneração da folha de pagamentos, pois ela desincentiva a contratação formal dos trabalhadores, aumentando a expressividade dos setores informais, que por sinal geram pouca produtividade. Empresas brasileiras gastam 30% a 40% em contribuições, enquanto a média nos países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) é aproximadamente 23%.

Como não existe almoço grátis, a desoneração da folha precisa vir junto a uma compensação fiscal, e é justamente aqui que entra o imposto sobre transações digitais que muitos assemelham ao CPMF extinto em 2008. O Governo defende que o novo imposto é mais amplo, ou seja, todos pagarão e é de fácil implementação, mas a maioria dos economistas alertam para a monetização (demanda por mais papel moeda) que pode impactar negativamente a produtividade, já que o sistema bancário consegue reduzir custos de transações. Fora este fenômeno, o imposto é regressivo, isto é, não leva em consideração a renda da pessoa, pesando mais sobre os mais pobres (diferentemente do Imposto de Renda, que é progressivo na renda do contribuinte).

Algumas soluções que surgem para isso é a tributação sobre patrimônio que é pouco explorada no Brasil em comparação a países da OCDE. Atualmente, a base da tributação no Brasil incide sobre o consumo (48,8% da carga tributária brasileira), deixando a propriedade pouco tributada.

O ponto central é que a grande vantagem de se preocupar com o sistema tributário brasileiro hoje é a certeza de ambientes melhores no futuro. A começar pela ordenação das expectativas dos agentes econômicos, a taxa de juros pode se manter baixa no horizonte de longo-prazo, que por sinal ajuda na retomada da atividade econômica afetada pela crise atual. Bráulio Borges, economista do Ibre FGV, afirma que mesmo mantendo o teto de gastos até 2036, a dívida pública chegaria a cerca de 100% do PIB no final do período. Em contraposição, com a reforma aprovada, o crescimento econômico resultante levaria a dívida ao patamar de 30% do PIB em 2036, e todo otimismo deste cenário sustentável fiscalmente atrairia investimentos diretos, sem contar a estimação de elevação do PIB potencial em 20% em um período de 15 anos.

Fora isso, o sistema atual onera tais investimentos e exportações. O objetivo da mudança é gerar uma legislação uniforme, clara e com o mínimo de exceções, trazendo transparência, eficiência e um sistema progressivo que onere mais aquele que tem capacidade de contribuir. Talvez assim você possa utilizar as 1500 horas lendo mais textos do nosso jornal, não é?

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Bernardo Albernaz
O Veterano

Estudante de economia e redator do Jornal Estudantil O Veterano