O que os economistas estão aprendendo com a pandemia?

Luisa Curcio
O Veterano
Published in
7 min readOct 1, 2020

Discussões relevantes em Economia do Desenvolvimento em tempos de Covid-19.

Imagem disponível em Washigton Examiner.

O que os economistas estão aprendendo com a pandemia do coronavírus? Essa é a pergunta que me motiva a escrever esse texto e reunir três pequenos artigos relevantes para se atualizar em discussões de Economia do Desenvolvimento, dois deles publicados pela The Economist e os outro pela VoxEU. Mas, antes de começar, é importante definir, para aqueles que não estejam familiarizados, o que é esse campo de estudos que os economistas chamam de Desenvolvimento.

Pois bem, os estudos na área de Desenvolvimento se iniciam motivados pela necessidade, na economia, de entender as origens e consequências da diferença de renda em diversas escalas: entre países, dentro de países e entre pessoas, independente do país. Perguntas como: “qual a origem dessa diferença de renda?”,”existe um nível de renda comum para o qual os países tendem a convergir ou convergem?”, “os dados são persistentes ao longo do tempo?” são recorrentes. Para responder a essas questões, alguns economistas, como Robert Solow, voltaram-se para modelos de crescimento; outros, como Joel Mokyr, voltaram-se para questões culturais ou, como Daron Acemoglu e James A. Robinson, institucionais.

Foram diversas as abordagens ao longo dos anos, mas o PIB passou a ser um dos indicadores comuns usados para medir o desenvolvimento de cada país. Apesar de ser um conceito limitado — “ninguém come PIB”, como diria Maria da Conceição Tavares — o PIB per capita, em especial, é relevante como forma de análise de crescimento por possuir correlação com outros índices que medem qualidade de vida, como o consumo per capita e a expectativa de vida. Isto é, países com maior PIB per capita tendem a ter maiores índices de de consumo per capita e de expectativa de vida. Além disso, as evidências empíricas mostram que crescimento econômico em si pode funcionar como maneira de diminuir a pobreza extrema. Logo, entendemos que a renda é mediadora de uma série de fins, mas não o fim de fato. Para Amartya Sen, laureado com o Nobel da economia em 1998, desenvolvimento seria sinônimo de liberdade: liberdade de escolha e de controle sobre a própria vida; liberdade de viver livre de problemas como a fome, a violência e a opressão.

Mais recentemente, uma visão normativa do estudo do desenvolvimento tem ganhado espaço na Academia. Em particular, o Nobel da economia de 2019 para o trio Abhijit Banerjee, Esther Duflo e Michael Kremer representa os novos rumos dessa discussão que, para além do crescimento, envolve-se em questões como entender por que países pobres continuam pobres, por que pessoas pobres permanecem pobres e o que podemos fazer sobre isso.

Nesse sentido, economistas dessa área se voltam para questões como saúde, meio ambiente, violência e educação, que estão contidas em toda a discussão sobre desenvolvimento econômico para tentar responder perguntas como as propostas acima. E, em especial, a questão que motiva o primeiro artigo que menciono é a inicial: a diferença de renda entre países, mas, dessa vez, no contexto específico da pandemia.

Consequências macro da pandemia : diminuindo o gap

Como já disse, uma das principais discussões em Economia do Desenvolvimento se dá no âmbito da diferença de renda entre países. No artigo Club Class, da revista The Economist, os autores abordam conclusões de estudos recentes segundo os quais as economias emergentes estariam, no contexto da pandemia, diminuindo o “atraso” de renda em relação às economias mais desenvolvidas. Nesse sentido, os autores observam que, embora poucas economias emergentes cresçam neste ano, as taxas de crescimento das economias mais avançadas vão diminuir mais abruptamente. Assim, a conclusão desses dois movimentos é um menor gap de renda entre países.

Esse resultado poderia contribuir para o que chamamos no início do texto de convergência, que, na modelagem econômica, se dá quando países mais pobres crescem mais rapidamente do que ricos. A motivação para tal entendimento seria a de que copiar uma tecnologia, por exemplo, é mais fácil do que inovar. Nesse sentido, economias mais desenvolvidas seriam responsáveis por empurrar a fronteira do conhecimento, enquanto as demais, que estão mais distantes daquilo que os economistas chamam de estado estacionário (em linhas gerais, o ponto para o qual a economia converge no longo prazo), imitam o seu crescimento adotando essas tecnologias e, como consequência, crescem mais em menos tempo.

Imagem disponível em Cato Institute que exemplifica a convergência condicional. No eixo vertical temos PIB per capita relativo ao dos Estados Unidos. A trajetória dos demais países mostra que apenas alguns (as trajetórias em verde, roxo e azul traçado e, em certo nível, vermelho traçado) convergem para o mesmo estado estacionário que os EUA.

Modelos como o de Solow, em especial a versão com tecnologia, apontam para a existência de uma convergência condicional entre países. Isto é, países com características similares (de poupança, educação e investimento) tenderiam a se encaminhar para o mesmo estado estacionário (ponto em que a economia alcança nível relativamente estável de renda) no longo prazo. O argumento do artigo é que, no cenário da pandemia, é possível que observemos uma certa convergência global por conta da desaceleração da economia mundial como um todo, principalmente das economias mais desenvolvidas. Mas qual o custo de diminuir o gap?

O mundo no enfrentamento da pandemia : trade-offs terríveis

Se por um lado há uma tendência de convergência maior, dada a desaceleração global, os países mais pobres (de renda baixa e média) se deparam com tradeoffs que países ricos não apresentam, em especial, por conta da necessidade de lockdown. O segundo artigo a ser apresentado, “Horrible trade-offs in a pandemic: analysis and policy implication”, escrito por Ricardo Haussman e Ulrich Schetter e publicado na VoxEU, aborda essa medida de contenção do vírus do ponto de vista de países mais pobres que teriam maior dificuldade de implementá-la dado que uma grande parte da população vive em situação de pobreza ou perto da subsistência. Nesse contexto, essas populações teriam maior dificuldade de se sustentar diante das perdas econômicas encaradas no período de pandemia; dessa forma, precisariam trabalhar para sobreviver e, portanto, sair de casa e não cumprir o lockdown.

Dessa maneira, os autores apontam que o trade-off entre lives and livelihoods (vidas e subsistência) se torna um trade-off entre lives and lives (vidas e vidas), ou seja, o governo tem de fazer a terrível escolha entre perder vidas hoje, em razão do coronavírus, ou perder vidas amanhã — no período de recessão que se seguirá — por conta da falta de renda e, consequentemente, da fome. E, ainda, essa situação se agrava em um ambiente em que o governo possui pouco “espaço de manobra” para a aplicação de política fiscal, uma vez que transferências de renda são críticas para amenizar o trade-off mencionado — como percebemos pela experiência brasileira com o auxílio emergencial.

Dessa forma, os autores apontam que os países mais pobres são forçados a combater menos a pandemia, de tal modo que o lockdown pode ser entendido como um bem de luxo — algo que só pode ser usufruído por “países ricos o suficiente para encarar as consequências”, em tradução livre. Nesse sentido, os autores nos lembram de uma estatística que tende a ficar ainda mais assustadora passada a pandemia: o aumento da fome no mundo.

Os novos equilíbrios do pós-pandemia : o mundo do trabalho

Home office: ame-o ou odeie-o. Essa não tão nova tendência, adotada em larga escala durante a pandemia, também por conta da necessidade de isolamento, pode estar nos levando para um equilíbrio mais eficiente do que o que estávamos anteriormente. Este é o assunto discutido no terceiro artigo que cito neste texto: “The future of the office”, publicado na The Economist, que aborda quais são as mudanças de hábitos de trabalho adotadas por conta do Covid-19 e se eles podem vir a permanecer no pós-pandemia. Nesse sentido, o artigo argumenta que essas mudanças podem, inclusive, ser para melhor: um estudo de 2017 publicado na American Economic Review concluiu que trabalhadores estariam dispostos a, inclusive, ganhar menos para ficar em casa, sugerindo que home office deixa as pessoas mais felizes.

Por outro lado, precisamos levar em consideração que o contexto da pandemia não é o mesmo sob o qual este e outros estudos foram feitos. Se tomamos o caso de pessoas com crianças, por exemplo, que no contexto da pandemia não possuem a opção de deixá-las na escola ou na creche, percebemos que há desvantagens de produtividade no home office pela dificuldade de se lidar com crianças e suas necessidades ao mesmo tempo em que se trabalha. Particularmente, nota-se que essas estatísticas são mais cruéis com as mulheres. Artigos recentes mostram que, no meio acadêmico, mulheres estão publicando e iniciando menos projetos em comparação aos homens e a elas mesmas no ano anterior.

Imagem disponível em nature analisa postagens de journals de medicina em 2019 e 2020 e conclui que a porcentagem de mulheres entre os autores de trabalhos acadêmicos caiu durante a pandemia.

Ainda no texto “The future of the office”, os autores avaliam que a experiência da pandemia contribuiu para a consolidação de tecnologias pré-existentes, como o Zoom ou a própria prática do home office, que poderiam ter sido adotadas mesmo antes do Covid-19, mas que não o foram por uma questão de coordenação. Aqui, entramos em uma discussão sobre complementaridade, outro tópico importante no campo de Desenvolvimento segundo o qual, em linhas gerais, é mais vantajoso adotar determinada tecnologia quando mais pessoas a utilizam. Se tomamos como exemplo uma tecnologia X, imagine que, antes da pandemia, estávamos em um equilíbrio no qual todos a utilizavam. Por um problema de coordenação, dificilmente os agentes migrariam, em larga escala, para uma nova tecnologia Y, mesmo que Y fosse mais eficiente. Isso porque o custo de cada agente ao migrar isoladamente para a nova tecnologia seria muito maior do que o custo de continuar com X. Isto é, para ser vantajosa, a mudança teria que ser coordenada.

Podemos imaginar o home office ou a própria adoção do Zoom da perspectiva de um problema de coordenação: mesmo que essas tecnologias nos ajudassem a alcançar um equilíbrio mais eficiente, dificilmente seriam adotadas, pelo menos da maneira como foram, fora do contexto da pandemia. Nesse sentido, podemos imaginar que a adoção forçada dessas práticas pode nos empurrar para um estado estacionário mais alto no pós-pandemia ou, pelo menos, ser uma chance para repaginar o mundo do trabalho.

Tudo isso é apenas uma pequena parcela do que os economistas estão aprendendo com a pandemia.

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Luisa Curcio
O Veterano

Estudante de economia na FGV EPGE e cofundadora do jornal estudantil da FGV Rio O Veterano.