Opinião | Afinal, o que é o amor?

14 de Fevereiro

Iasmim Matias
O Veterano
Published in
5 min readFeb 10, 2021

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No dia 14 de fevereiro de todos os anos, comemora-se o dia do amor; é comemorado em uma parte do mundo como dia de celebração e união entre duas pessoas. Por essa sutileza de conseguir fazer vários países comemorarem esse dia, é considerado uma das datas comemorativas mais importantes. Em conjunto com o Natal e o Dia das Mães, formam as datas que mais aquecem os corações dos comércios, e é claro, os dos pombinhos cheios de amor.

É interessante entendermos a data, pois ela tem duas histórias, a comercial e a histórica. Há uma história que percorre os tempos antes de Cristo, quando a guerra era um fator importante para sustentação dos governos, o Imperador Cláudio II proibiu os homens solteiros de se casarem, no qual sua argumentação apontava que os homens sem famílias (esposas e filhos) tinham melhor desempenho nas guerras. No entanto, um bispo chamado Valentim continuou fazendo as cerimônias de casamento desses jovens por acreditar ser uma grande injustiça. O fim se resume em uma tragédia que condena o Bispo Valentim à morte.

Acredito na importância de olharmos as datas comemorativas como fruto de uma sociedade capitalista na qual vivemos, portanto é necessário também entendermos a construção social que nos acarreta. Procurando mais sobre a definição de amor, a única coisa que entendi é que não se trata de um sentimento decifrável e muito menos medido[1], é amplo e muitas vezes imposto como individual. Mas o dia 14 de fevereiro comemora um amor específico: sobretudo, pesquisando a palavra “amor”, encontrei casais heteronormativos — isso já fala muito sobre a sociedade.

Amor

Esse texto não promete trazer uma definição concreta sobre o que é o amor — até porque, como já dito anteriormente, não se trata de uma definição — , e sim uma reflexão sobre o que é o amor nos tempos atuais. Não falarei sobre o amor líquido de Bauman. Assim, é preciso entender que o amor é um sentimento que só faz sentido no local social que estamos inseridos e em um tempo, a partir da noção de tempo e espaço, baseados nas relações sociais[2].

De fato a data traz uma carga de sentimento, emoção e afeto, um fator inegável, se analisarmos a data com um olhar mais observador perceberemos que as redes sociais ganham bastante movimentação nas postagens, tanto por fotos de casais muito felizes, mas também de pessoas solteiras comentando sobre o dia do amor. O que tiramos disso é que é um sentimento que abarca parte da população, seja positivamente ou seja negativamente. Marcel Mauss(1921) fala sobre a expressão obrigatória dos sentimentos e a dádiva, o autor é um antropólogo que parte da corrente estruturalista, seu argumento diz que a reciprocidade é estabelecida pela estrutura social, essa reciprocidade promove uma ‘aliança’ e a dádiva é o processo da troca que é necessário e faz sentido na sociedade na qual está inserido.

No Brasil a data tem um destino diferente, visto que não é comemorada no dia 14 de fevereiro, passando a ser dia 12 de junho. Essa troca na data é decorrente de um baixo índice nas vendas de junho, o que levou ao contrato do publicitário João Doria, pai do atual governador de São Paulo, para melhorar as vendas. Como o dia 13 de junho é a celebração do ‘Santo Casamenteiro’ decidiu-se então tornar essa data comemorativa.

Ambas as datas são dias para troca de ‘amor’, a demonstração do quão importante uma pessoa é para você. E é interessante o exercício de observar como essa data pode te afetar, não só ela, mas as datas comemorativas de modo geral, como há um padrão de comportamentos. Já notou como esses comportamentos se repetem? Todos os anos passamos o natal com nossas famílias, quando crescemos decidimos passar o ano novo com os amigos e assim em diante. A troca de presentes é um mecanismo de rodar o capital das grandes cidades, mas também é um simbolismo daquela sociedade. São esses significados e simbolismos que não permitem — ou nos faz acreditar ser estranho — comemorarmos o dia do amor em 14 de fevereiro. E também como esses símbolos têm uma função na sociedade, seja para comprar presentes, seja para exercer essa troca, e mesmo que parece ser um valor individual, não é, é social.

Existe um autor chamado Gary Chapman[3], que recentemente andou circulando nas redes. Ele diz que existem 5 linguagens do amor: comunicação do amor através do contato físico; comunicação do amor através da materialização do pensamento afetivo (ou seja, presentes); comunicação do amor através da atenção plena; comunicação do amor através da disponibilização de ajuda; e por fim a comunicação do amor através da verbalização. Esses conceitos pegam a ideia de amor e tornam algo concreto e visível, então a ideia do autor — penso eu — não é essa ideia de traduzir o que é o amor, mas sim demonstrar como ele aparece de maneiras distintas.

Algumas correntes da antropologia das emoções trabalham com essa perspectiva de sentimentos serem compartilhados. Quando uma pessoa se frustra decorrentemente de um amor, é perceptível tanto a rejeição da pessoa sobre o conceito, quanto a dúvida sobre os sentimentos da outra pessoa, e isso acarreta na nossa própria definição sobre o que é o amor. A internalização do que é o amor, ou sobre amar e não amar, parte da relação com o outro, e, muitas vezes, essas linguagens do amor entram em conflito, pois se eu cresci acreditando que amar é demonstrar através da verbalização e o outro, com materializar o amor, existe uma lacuna nessa relação se não houver comunicação.

Notas de Rodapé

[1]Existe um episódio da Disney que demonstra a complicação da definição do que é o amor, chamado ‘Forky hace una pregunta: ¿ Qué es el amor?’

[2]Utilizei o conceito de Bauman para entendermos que o autor fala de uma sociedade moderna, e como esses sentimentos vão mudando e se transformando ao longo do tempo.

[3]A ideia principal de abarcar esse autor é entender como a linguagem é importante nesse processo de lidar com os sentimentos, e também o compartilhamento dos mesmos.

Referência Bibliográfica

CHAPMAN, Gary. As cinco linguagens do amor. 3º ed. São Paulo: Editora Mundo Cristão, 2013. 189 p. ASIN : B00E9CD9L2

LE BRETON , David. Antropologia das Emoções. 1º. ed. rev. Petrópolis: Editora Vozes, 2019. 359 p. ISBN 978–85–326–6053–4.

MAUSS, Marcel. “Ensaio sobre a Dádiva”. In: MAUSS, Marcel. Sociologia e Antropologia. São Paulo: Cosac & Naify, 2003.

LÉVI-STRAUSS, Claude. O Pensamento Selvagem. 5º. ed. São Paulo: Papirus, 2005.

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