Opinião | Exclusividade

Sobre escassez e relativismo

Pedro Gaya
O Veterano
4 min readAug 11, 2021

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Você tem que decidir: o que importa na sua vida? - Bill Gates.

Dedo seletor. Pixabay.

Quantas vezes você já ouviu alguém citar Paulo Freire dizendo que “não há saber mais ou saber menos: há saberes diferentes”? Essa frase é uma de um amplo glossário de citações relativistas. Há múltiplos aspectos delas, seja no campo do conhecimento, da quantidade e ordem da informação ou no campo do valor.

Suponha agora que você é Robinson Crusoé ou alguma outra alma penada do tipo. Você precisa sobreviver. Há uma urgente e mortífera demanda por conhecimentos de aplicação muito prática e rudimentar na sua vida. Há os conhecimentos que te levarão a sobreviver , e os que te levarão a ser comido por alguma fera ou sucumbir a alguma enfermidade ou veneno da natureza.

Agora, suponha que você é um físico trabalhando no CERN. Há uma grande chance de você não precisar saber rotas de escape dos canibais ou que frutas você pode colher no meio da sua floresta. Provavelmente você é formado em física, sabe cálculo, álgebra linear, relatividade e outra extensa lista de conhecimentos teóricos que provavelmente não seriam muito úteis sozinhos na empreitada de Crusoé.

Em diferentes situações, diferentes conhecimentos se aplicam. Isso não significa que eles sejam equivalentes. O conhecimento é, inicialmente, prático ou teórico. O conhecimento é caótico ou ordenado. O conhecimento é verdadeiro ou falso. O conhecimento é avançado ou simples. E assim por diante. Há muitas categorias com as quais podemos formular juízos sobre cada conhecimento. Por exemplo, Crusoé precisa de um conhecimento prático, ordenado, verdadeiro e simples. Já o físico precisa de um conhecimento teórico, ordenado, verdadeiro e simples. Note bem que, enquanto algumas categorias foram alteradas, algumas permaneceram iguais, pois que, em certas dicotomias, um lado é sempre superior ao outro, como se explicará.

O conhecimento não existe no vácuo. Ele é sempre enunciado, configurado em algum meio de comunicação, com a linguagem sendo, portanto, o módulo mais óbvio do conhecimento. Ela existe apenas para cumprir essa função, pois não há nenhum conhecimento belo, bom ou verdadeiro sem expressão. É, pois, que a linguagem tem uma demanda filosófica essencial, arruinada mitologicamente na Torre de Babel — a demanda de ser universalmente comunicada. A matemática costuma muito se orgulhar justamente por sua capacidade superior a qualquer língua de comunicar certos conceitos.

“O caos do nomen é o caos do numen”, já dizia o desembargador Ricardo Dip. Logo, a função da linguagem não pode ser meramente comunicar um conhecimento, mas, no limite, ordenar e eternizar esse conhecimento. A estrutura lógica de ação-reação do mundo físico precisa, portanto, ser sempre transferida para o mundo dos enunciados. Somente assim a complexidade e o caos crescentes do conhecimento podem ser ordenadas, como um jardineiro diferencia o seu trabalho da mata. É, pois, nos efeitos categóricos dos aspectos do conhecimento que encontramos preferências a serem atribuídas racionalmente.

Visto isso, o conhecimento ordenado, racionalizado, é melhor que o caótico. O conhecimento verdadeiro é preferível ao falso. E, mais importante, o conhecimento expresso é superior ao mistério. Outras formulações desse pensamento aparecem em formatos de “X feito é melhor que X perfeito (e não terminado)”, podendo incluir Xs epistemológicos ou prosaicos. No entanto, o mesmo não se aplica à complexidade.

Os conhecimentos básicos e complexos não são opostos, mas caracterizações da intensidade de uma mesma categoria. Podemos encontrar muitos autores que proclamam a primazia dos fundamentos, mas no fundo esse é um pensamento de engenharia. Para que Veneza fosse construída, foi preciso criar uma base sólida. É da mesma forma para o conhecimento, mas isso não aponta uma relação de valor. Quando as relações de preferência entre determinados fatores não são admitidas, o relativismo da linguagem transborda para todas as áreas. Por isso “o caos do nomen é o caos do numen”. O relativismo é, pois, a negação de preferências racionais. É a negação de responder à pergunta: o que importa?

Muitos filósofos apontam que a existência de algo só pode ser constatada se for possível também constatar a sua ausência em outro espaço, tempo ou aspecto dimensional. Ou seja, no caso, para que algo seja importante, precisa se destacar. Segue-se que, se tudo for importante, nada será importante.

Para que qualquer coisa seja alcançada, é preciso reconhecer ordens de causalidade. Há múltiplos imaginários que todos usam para interpretar a realidade, mas a aplicação desses elementos faz toda a diferença. Quer dizer, o constructo de modelos mentais que consigam pensar causalidade e preferência é essencial. O modelo serve para determinar meios e fins, sem os quais a ação não pode existir. Assim, o relativismo é uma contradição em termos, tal como é o objetivismo.

A questão final que supera tanto a falsa convicção quanto a completa ausência da mesma é: o que importa?

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