Opinião | O feminismo de Butler e suas problemáticas

Iasmim Matias
O Veterano
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5 min readJan 27, 2021
Foto tirada do Wikipedia, página de Judith Butler (2013).
Foto tirada do Wikipedia, da página de Judith Butler (2013).

Acredito que umas das tarefas mais difíceis — para mim — ao ler um livro não seja entender o argumento que o autor trouxe, mas perceber que aquilo tido desde sempre como verdadeiro talvez não o seja, e ainda assim, entender que essa é também uma das coisas mais belas que a leitura pode nos proporcionar.

Simone de Beauvoir é uma das grandes inspirações no estudo de gênero. Aquela famosa frase que escutamos por aí, “Ninguém nasce mulher: torna-se mulher”, saiu de um dos seus livros mais conhecidos, chamado ‘O segundo sexo’. E é a partir daí que questionamos a união de sexo e gênero, e também começamos a entender as relações sociais pautadas nas relações de gênero e a importância da educação sexual. Na sociedade moderna, entendemos que o sexo não tem relação com o gênero, assim como não tem relação com a orientação sexual.

O tornar-se mulher pressupõe uma construção social do que é ser mulher, assim como do que é ser homem. Ao contrário, o sexo é como um caráter determinante, que não pressupõe uma conjuntura que se faz ser; é determinado pela biologia e pela medicina [1] como macho, fêmea e intersexo. Já o gênero, por ser considerado uma construção social, ultrapassou a barreira do binarismo entre masculino e feminino, acrescentando os não binários — denominação que remete a um universo de ramificações.

Antes de entrarmos de fato no feminismo de Judith Butler, como o título do texto propõe, é importante entendermos o argumento de Beauvoir, pois ele é o ponto central da discordância de Judith Butler em relação ao gênero:

“Oficialmente, Beauvoir assevera que o corpo feminino é marcado no interior do discurso masculinista, pelo qual o corpo masculino, em sua função universal, permanece não marcado.” (BUTLER, Judith 1990)

Para Butler, o argumento apresentado por Beauvoir traz a mulher como a falta e o negativo dos homens. Assim como outras problemáticas nos discursos referentes ao gênero, sendo gênero uma categoria secundária ou a partir de um discurso masculinista.

Mas, antes mesmo de começar a falar sobre as problemáticas de Butler, é importante falar sobre as problemáticas de falar sobre Butler de fato. Judith Butler é uma filósofa norte-americana, de ascendência judaica, e sua família fugiu para os Estados Unidos na Segunda Guerra Mundial. Desde de criança, a autora foi tratada como ‘problemática’ — e é através da subjetividade da vida de Butler que podemos começar a entender sobre as próprias problemáticas que ela aborda em seu livro ‘Problemas de gênero’ –, e em sua adolescência começou a estudar filosofia.

Ao iniciar a leitura da sua obra, podemos notar que, já no prefácio, são abordados o problema e ser o problema. Nesse sentido, o livro passa um aspecto de brincadeira com as categorias problema e gênero, se tornando o problema do gênero e como o gênero passa a ser um problema.

Butler questiona o gênero como uma construção social e o sexo como algo determinante em nossa sociedade; no entanto, se para um existir necessita-se do outro, o que faz o sexo ser inquestionável? Sexo e gênero eram uma coisa só, concepção essa que foi se modificando ao passar do tempo. Mas, em ambos, o corpo é um instrumento que reflete e carrega significados. Judith diz que o gênero nos discursos atuais só é construído a partir do outro, mas esse outro é o oposto — a crítica feita à autora Simone de Beauvoir, na qual a mulher é vista como o diferente do homem.

O maior diálogo entre os intelectuais é com Michel Foucault e, a partir disso, ela começa a pensar nos problemas. O gênero para Butler, diferentemente das Ciências Sociais, é usado como objeto de demonstrar sua análise, assim como já fez em outros livros com temas diferentes. Isso implica entender como um problema social passa a ser um problema teórico. Este tipo de análise desvia o foco sobre entender o gênero como construção nas relações sociais e vivências sociais para entender como é estabelecido na ciência. O que a autora faz no livro, ou se pretende a fazer, é uma genealogia da produção feminista sobre a categoria mulher, e como essa genealogia consegue entender a produção de identidade. já que para Butler, na teoria feminista, o gênero remete à mulher, pois o homem é o natural e o ser de que a mulher difere.

Esta identidade, por sua vez, é baseada na ação em relação com o outro. Assim, a subjetividade existe por meio da materialidade; ou seja, ela não existe antes da relação social — o que gera bastante polêmica com a comunidade LGBTQ+, pois o argumento implica a ideia de que você não nasce, você é a partir do contato com o outro.

Quando dizemos que somos homens ou somos mulheres, para Butler, estamos falando de performances; ser mulher e ser homem é aderir a determinados comportamentos que se entendem, socialmente, como mais femininos ou masculinos. Uma das grandes questões nessa forma de aderir ao gênero é que se você não se performa com essa binaridade de homem ou mulher, o que você é? O que podemos perceber na crítica de Butler, a partir dos conceitos de gênero que temos nos estudos e nos quais nos baseamos, é que trata-se de uma ideia de binarismo — o ser mulher é não ser homem — e o fato de estarmos inseridos em uma sociedade patriarcal faz com que nossa forma de olhar as questões de gênero aborde o natural como homem e a mulher como o que não está presente no homem. A sociedade criou um binarismo, que não existe para além do real que vivemos hoje.

Notas de Rodapé:

[1]GAMA, Fabiene. A autoetnografia como método criativo: experimentações com a esclerose múltipla. Anuário Antropologico, II |2020,p. 188–208.

Referência Bibliografica

BUTLER, Judith P. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. Tradução: Renato Aguiar. 20º. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2020. ISBN 978–85–200–0611–5.

[AULA 06 — Parte 01/02] Problemas de Gênero / Judith Butler (Curso de Extensão FFLCH-USP). Direção: Jacqueline Moares Teixeira. São Paulo: Youtube, 2017. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=nU8AsOM8YyY&t=1501s&ab_channel=LabNAU-USP. Acesso em: 16 jan. 2021.

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