Opinião | Os protestos pela educação que se tornaram da oposição

Paulo Henrique da Silva
O Veterano
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5 min readJun 2, 2021

Dividindo críticos e a própria esquerda, oposição vai às ruas em protestos por todo o país.

Registros dos protestos de 29 de maio. Foto: Uise Epitácio/UNE.

Inicialmente convocados pelas entidades estudantis, como a União Nacional dos Estudantes (UNE), a União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (UBES) e a Associação Nacional de Pós-graduandos (ANPG), os protestos que tomaram as ruas de todas as cinco regiões do país no último sábado (29) seriam um replay do “Tsunami da Educação”, de maio de 2019. Todavia, o que se deu não necessariamente seguiu à risca a tese inicial de uma mobilização nacional exclusivamente pela educação brasileira, mas, sim, representou o fim da ‘trégua’ da oposição contra o governo Bolsonaro.

Só educação? Não, abram alas para toda a turma

Desde o início do mês de maio, a UNE, em suas redes sociais, já dava indícios de que convocaria os estudantes brasileiros às ruas. Entendo que um dos grandes motivos que levaram a essa articulação teria sido a ampla repercussão que tiveram os cortes bilionários do Orçamento da Educação para o ano de 2021. O ápice dessa situação foi a declaração da reitora da maior universidade federal do país, a professora Denise Pires de Carvalho, de que a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) fecharia as portas a partir de julho por não ter recursos financeiros suficientes para manter os serviços da instituição.

Em consonância com a União Nacional dos Estudantes, outras entidades estudantis, como a UBES e a ANPG, ainda na primeira quinzena de maio, também utilizavam suas redes sociais para divulgar a mobilização nacional pela educação, que já tinha data marcada: 29 de maio. No entanto, nas semanas finais de maio, via-se uma articulação mais ampla para os protestos do dia 29. Vinculava-se nessa empreitada grande parte da oposição contra o presidente da República: sindicatos, como a Central Única dos Trabalhadores (CUT), lideranças políticas — a exemplo de Guilherme Boulos — e movimentos sindicais, como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Outras camadas da sociedade também inflaram a divulgação e a convocação às manifestações de 29 de maio, trazendo, em adição à pauta inicial (da educação), um outro objetivo: o impeachment de Bolsonaro.

Com acusações de omissão, ineficácia e até mesmo genocídio, os protestos tomaram as ruas de todos os 26 estados e do Distrito Federal, com registros em aproximadamente duzentas cidades segundo os organizadores. Grandes capitais, como São Paulo e Rio de Janeiro, foram palco dos maiores números de manifestantes. Atos também foram registrados no exterior, em cidades como Berlim, Londres, Paris, Lisboa, Bruxelas e Nova Iorque. Investimento na ciência e na educação, auxílio emergencial digno e vacinação em massa foram algumas das reivindicações que pairaram um grito em comum: a deposição do presidente da República.

Críticas e controvérsias: protestar na pandemia pode?

(Des)Concentração dos protestos no Rio de Janeiro/RJ. Foto: Reprodução redes sociais.

Quase 460 mil mortos, mais de 16 milhões de casos confirmados e ameaça de uma ‘3ª onda’ da pandemia. Foi sob esse contexto que a oposição convocou a população às ruas — e são essas as circunstâncias que embasam as críticas aos protestos de 29 de maio.

Olhemos agora sob uma outra perspectiva: cortes na educação, documentos e depoimentos que revelaram que o presidente ignorou a oferta de milhões de vacinas ainda em 2020, crise econômica, social e política, poder de compra da população quase inexistente, vacinação lenta e falta de coordenação federal no enfrentamento à COVID-19. Indignada com esses fatos — e alguns outros –, a oposição protestou.

Realmente, soa um tanto quanto contraditório à oposição, enquanto crítica declarada dos episódios de descumprimento das medidas sanitárias por parte de Bolsonaro e do descaso do governo federal para com a pandemia e a vacinação, protestar ainda em cenário pandêmico. A mobilização nacional de 29 de maio certamente representa uma incompatibilidade com a particularidade moral da oposição defensora do distanciamento social e crítica de aglomerações na pandemia. Todavia, representa também a força política da esquerda de se articular mesmo em meio às adversidades.

Em dias anteriores aos protestos, apoiadores da realização dos mesmos, como a ex-candidata à vice-presidência da República, Manuela D’Ávila (PCdoB), utilizaram de suas redes sociais para postarem orientações a fim de evitar o contágio do novo coronavírus durante a realização dos atos. Pode-se perceber que o uso de máscara foi quase que total — pouquíssimos não utilizaram, ou utilizaram erroneamente, o equipamento de proteção individual — , e houve adesão expressiva às máscaras PFF2, modelo mais indicado pelos especialistas para proteção contra a COVID-19. Ademais, em algumas localidades, foi possível ver o esforço em tentar manter os manifestantes afastados entre si durante os protestos, mas essa não foi uma realidade a nível nacional.

É evidente, também, que a oposição apostou na rejeição em alta que o presidente sofre, realizando as manifestações de 29 de maio enquanto a CPI da COVID avança intimidando a base governamental, e a popularidade de Bolsonaro se dissolve e seu apoio se restringe cada vez mais à extrema-direita. Além disso, um provérbio colombiano, que tomou proporção internacional, também foi utilizado pelos manifestantes brasileiros: “Se um povo protesta e marcha em meio a uma pandemia, é porque seu governo é mais perigoso que o vírus”.

De anônimos a famosos, revolta e comoção envolve todos

Além do apoio virtual de celebridades como Marcelo Adnet, Fafá de Belém, Anitta, Lázaro Ramos e Nanda Costa, diversos artistas, a exemplo de Camila Pitanga, Samantha Schmutz, Carlinhos Brown, Dias Paes, Mônica Martelli, Gregório Duvivier, Renata Sorrah e Maria Gadu, também compareceram fisicamente às manifestações. Comovidos sobretudo pela morte do ator Paulo Gustavo, vítima da COVID-19, famosos foram às ruas registrar seu apoio aos atos e indignação à inércia governamental no combate ao novo coronavírus. Samantha Schmutz e Mônica Martelli — que eram amigas próximas de Paulo Gustavo — , por exemplo, registraram suas presenças nos protestos em São Paulo e, com posts no Instagram, homenagearam Paulo e criticaram o governo Bolsonaro.

A atriz e autora Mônica Martelli na manifestação em São Paulo/SP. Foto: Mônica Martelli.

Considerações finais

Quantas mortes serão necessárias para um realinhamento da política federal no combate da COVID-19? Quantas vidas a mais perderemos com os boicotes sistemáticos à vacinação que o presidente parece se vangloriar ao realizar? Questionamentos como esses certamente fizeram parte do subconsciente daqueles que protestaram mesmo em meio à pandemia, bem como daqueles que, por diversas razões, optaram por ou não conseguiram ir, mas têm mais apoio do que críticas a declarar pela mobilização ocorrida.

Registro dos protestos de 29 de maio. Foto: Reprodução redes sociais.

Assim, em meio a negacionismo, negligência e mortes, acredito que os protestos de 29 de maio sejam não apenas a face viva da insatisfação de um país, mas o abre-alas para a solidificação de uma oposição nas ruas que está por vir.

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Paulo Henrique da Silva
O Veterano

Graduando em Ciências Sociais na FGV. Fascinado por educação, cultura e direitos humanos.