Países de vidro: As vulnerabilidades latino-americanas na crise

Em tempo de crise, vulnerabilidades econômicas são constantemente trazidas à tona, e países precisam entendê-las para solucioná-las.

Bernardo Albernaz
O Veterano
5 min readAug 3, 2020

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Photo by Nathália Rosa on Unsplash

Vulnerabilidades são historicamente consolidadas. Para os historiadores econômicos Engerman e Sokoloff, a colonização das Américas Portuguesa e Espanhola se diferenciou da norte-americana por fatores geográficos e sociopolíticos. O caráter de homogeneidade étnico-cultural das colônias ao norte, juntamente com uma agricultura de subsistência voltada à produção de grãos, formou instituições que asseguraram inclusão e igualdade de acesso à educação e à infraestrutura. Em contraposição, colônias mais ao sul deram espaço à agricultura de produtos primários rentáveis com expressiva mão de obra escrava, o que intensificou a heterogeneidade na composição social das colônias espanholas e portuguesas.

Esta última região foi palco de instituições que, no longo prazo, reforçaram tendências de desigualdade, diminuindo o acesso da população à infraestrutura e à educação, impactando a criação de oportunidades de desenvolvimento, assim como a acumulação de capital humano. Estes fatores continuam pertinentes na análise atual da economia da região, principalmente nos indicadores socioeconômicos de desigualdade e informalidade no mercado de trabalho.

Fatores mais recentes também são relevantes no estudo das vulnerabilidades da região. Um destes é a Crise da Dívida Externa na década de 1980, momento no qual houve um aumento extraordinário das dívidas externas dos países em desenvolvimento devido à sequência de aumentos nas taxas de juros em economia centrais e à desvalorização cambial das moedas emergentes. Este episódio contribuiu para uma liberalização comercial e financeira pressionada por órgãos internacionais, como FMI e Banco Mundial, que por sua vez resultou na ênfase da vantagem comparativa de produtos primários na América Latina em detrimento das políticas de desenvolvimento industrial que vinham aumentando a importância da manufatura na economia da região.

O Boom das commodities em 2003 só intensificou esse processo e, já no início da década de 2000, o setor manufatureiro perdia espaço vis-à-vis a concentração da economia regional em produtos primários. Esta falta de diversidade produtiva traz à tona a vulnerabilidade de países como Brasil frente às oscilações no preço de commodities. Dessa forma, com o surto viral pandêmico, as acentuadas quedas observadas no valor de produtos agrícolas, minerais e energéticos impactou principalmente a América do Sul, onde os países são especializados na produção e exportação destes bens.

No Brasil, enquanto o decrescimento do PIB é de 5,5% em 2020 (revisto do antigo resultado de 6,4% pelo Ibre), para 2021 projeta-se um crescimento positivo de 2,4%.No entanto, em 2021 a economia brasileira não irá recuperar nem metade do que será perdido no presente ano; segundo o Ibre, nossas perdas serão recuperadas apenas no segundo semestre de 2022, voltando ao nível de atividade do quarto trimestre de 2019. Até o final de 2020, é esperado um crescimento de 2% em produtos agropecuários, queda de aproximadamente 8% no setor secundário e contração de 4% em serviços.

Com alta recessão e inflação abaixo da meta, o expansionismo da política monetária ainda é coerente. Desde a instauração do regime de metas de inflação em 1999, o Banco Central se preocupa em levar a inflação ao patamar estabelecido pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), e, dada a estagnação atual, cortes na taxa Selic potencialmente aqueceriam a atividade econômica. A meta para este ano é de 4% a.a., reduzindo para 3,75% a.a. no próximo ano.

Contudo, o trade-off entre risco e retorno contido na equação da paridade de juros internacionais intriga investidores. Com taxa de juros baixa, o encurtamento do diferencial dos juros em relação às economias centrais compromete o prêmio de risco no Brasil. Adicionalmente, quanto menor este diferencial de juros, maior é a vulnerabilidade cambial pelos consequentes efeitos de saída de capitais.

O controle da instabilidade macrofinanceira encara medidas monetárias expansionistas através do corte generalizado das taxas de juros da região para tentar compensar o recuo da economia. Instituições financeiras também são alvo da gestão monetária por meio de ajustes na regulação, como em regras contábeis, de relaxamento nos requisitos de solvência e de suspensão voluntária do pagamento de dividendos a acionistas.

No âmbito fiscal frente ao contexto de Covid-19, muitos países latino-americanos estão estendendo suas garantias de crédito para o setor privado. O Chile anunciou uma contribuição de 3 bilhões de dólares para o Fundo de Garantia para Pequenos Negócios (FOGAPE), por exemplo. No montante total, 24 bilhões de dólares são fornecidos como crédito a empresas menores que viram seus resultados diminuírem drasticamente durante a pandemia, totalizando 10% do PIB do país.

Outros exemplos são Peru, Colômbia, Paraguai e Uruguai. Estes países focaram na aplicação de políticas de linhas de crédito a micro, pequenas e médias empresas, expandindo a porcentagem deste tipo de empréstimo em relação ao PIB. Estes esforços fiscais são tomados em um cenário crítico de incerteza macroeconômica, intensificado por estagnação, baixa arrecadação de imposto e queda no preço de commodities.

Entretanto, alguns governos da região não medem esforços quando o assunto é proteger a capacidade produtiva. Redução de taxas, apoio financeiro na compra de insumos, empréstimos a juros menores, garantia de crédito pelo Estado e injeções de capital na produção são alguns pontos não dispensados na economia da América Latina em prol de sustentação da liquidez dos negócios produtivos.Tais componentes que constituem o cenário macroeconômico da região devem ser guiados com a devida transparência, por meio de auditorias que assegurem a confiança da gestão pública e a tornem mais efetiva. Brasil, Colômbia e Chile, por exemplo, já anunciaram mecanismos similares a portais de transparência virtuais para monitorar seus respectivos recursos públicos.

Pelo lado otimista, este cenário atípico pode nos ensinar lições relevantes em relação a problemas precisavam ser ajustados há certo tempo. Nesse sentido, coordenação e cooperação são pautas imprescindíveis quando o assunto é sustentabilidade fiscal. Em anos anteriores, a região chegou a perder 325 bilhões de dólares (6,1% do PIB) por falta de mecanismos que coordenassem e revisassem os gastos fiscais. Ademais, as vulnerabilidades dos mais pobres e das pequenas empresas devem ser analisadas como um indicador que aponte para a urgência de igualdade, inclusão e eficiência nas sociedades por meio de sistemas de proteção social e de bens e serviços públicos de maior qualidade no intuito de garantir melhores condições de vida para todos.

Em síntese, tais vulnerabilidades enfrentadas pelo Brasil e por seus vizinhos não são recentes, mas podem ser vencidas através dos aprendizados obtidos com a deflagração da crise atual. Sustentabilidade fiscal e monetária são pontos norteadores para governos comprometidos com a recuperação de seus resultados econômicos no horizonte de médio e longo prazo. Para rever erros históricos na formação da estrutura econômica, o processo de reformas e ajustes é importante à medida que torna possível desmantelar obstáculos para uma recuperação sustentável, e assim, trocar o vidro por aço.

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Bernardo Albernaz
O Veterano

Estudante de economia e redator do Jornal Estudantil O Veterano