Petróleo: apagando o incêndio

Giovanna Maciel
O Veterano
Published in
5 min readMay 13, 2020

Os efeitos da pandemia do COVID19 deixaram ruas vazias, fecharam aeroportos e fizeram indústrias pararem, indicando o início de uma nova fase da economia global. O mundo está produzindo menos e, consequentemente, há uma queda de demanda por produto. Apesar disso, a reação dos países produtores de Petróleo para reduzir a oferta no mercado — contrabalanceando assim os preços — não foi imediata diante da nova conjuntura.

Contudo, ainda que a divergência entre oferta e demanda de Petróleo que pressiona os preços para baixo seja condição necessária, não é condição suficiente para explicar os preços negativos. A experiência do final de abril foi uma exótica combinação dos efeitos da pandemia, da reação geopolítica, das particularidades do mercado de derivativos e do aumento de estoque do Petróleo.

Photo by Warner on Unsplash.

Geopolítica do Petróleo

OPEP, Rússia e a estratégia da Arábia Saudita.

Embora nunca haja um bom momento para uma pandemia, a crise do COVID19 chegou em um momento particularmente ruim para a economia global. O mundo está há muito tempo à deriva em uma tempestade perfeita de riscos financeiros, políticos, socioeconômicos e ambientais, todos os quais agora estão ficando ainda mais agudos.
– Nouriel Roubini, CEO da RGE Monitor (tradução livre)

Diante do cenário caótico da pandemia, a Arábia Saudita propôs aos membros da OPEP (Organização dos Países Exportadores de Petróleo) e à Rússia (que não faz parte da organização) uma redução da oferta global de Petróleo para conservar os preços frente à queda da demanda. Condicionada às exigências do mercado de xisto, a Rússia, um dos maiores players globais de Petróleo, decide não cooperar. Dado o cenário que se sucedeu nas semanas seguintes por conta da retaliação da Arábia Saudita através de uma estratégia radical de aumento de 50% da produção — e após interferência dos EUA — a Rússia resolve finalmente fechar um acordo com mediação dos norte-americanos.

O colapso dos preços frente à crise provocou um desastre nos países dependentes da produção de Petróleo para a sua sobrevivência econômica e, embora preços mais baixos signifiquem uma redução dos custos de produção e transporte¹ na agricultura — aumentando a segurança alimentar nos países em desenvolvimento (não produtores) –, também é verdade que qualquer queda nos preços dos alimentos provavelmente será compensada pela perda de receita com petróleo e instabilidade monetária nos países produtores.

O Iraque já não pode pagar milhões de trabalhadores e aposentados. Os grandes planos do México de desenvolver o país foram arruinados. O Equador está cortando salários do governo, e a Venezuela está com suporte de vida. A Nigéria está buscando um empréstimo de emergência de quase USD 7 bilhões.
– Rick Gladstone,
NY Times (tradução livre)

No Oriente Médio, onde a economia fortemente subsidiada é dependente das receitas do petróleo, cobrir os custos de produção não é suficiente para equilibrar o orçamento, não constando também no balanço o preço da estabilidade dos sistemas políticos. O enfraquecimento dos preços do Petróleo acaba por prejudicar os regimes autoritários que controlam os principais produtores.

Então cabe questionar: o que pensava o príncipe Mohammed bin Salman ao reduzir ainda mais os preços? Atualmente a Arábia Saudita possui o menor custo produção por barril de Petróleo do mercado e, ao manter os preços baixos, ela dificulta a concorrência dos produtores tanto de Petróleo como de energias limpas no curto prazo. Mohammed bin Salman aposta que consegue durar mais que a sua concorrência, mas a principal questão é até quando a Arábia Saudita pode sustentar preços baixos até que esgote seus próprios cofres. Essa instabilidade no mercado do Petróleo acaba por impactar a decisão de investimentos em energia no longo prazo.

Compreendendo o “Paradoxo Verde”²

Dado que as restrições ambientais limitam a produção de Petróleo, isso cria um forte incentivo para que os produtores abusem da sua capacidade produtiva antes dessas limitações entrarem em vigor. O resultado é um declínio no preço e maiores incentivos para os consumidores consumirem mais derivados do petróleo, prejudicando ainda mais o meio ambiente no curto prazo.

Derivativos & Contratos Futuros

O que significa um preço futuro negativo?

O otimismo dos investidores no mercado de derivativos faz com que acreditem que os preços do petróleo no futuro serão mais altos do que os preços atuais. Essa diferença incentiva os investidores a armazenar o petróleo e liquidar suas posições mais tarde (perto da data de vencimento do contrato), aumentando a demanda por armazenamento.

Com os oleodutos cheios em Cushing (Oklahoma)³ e sem possibilidade prática de exigir o cumprimento dos contratos de entrega do Petróleo, a situação fez com que os investidores liquidassem suas posições a preços negativos⁴ diante da falta de armazenamento. O desespero generalizado atraiu a atenção de especuladores que, com a intenção de lucrar, vendiam suas posições esperando comprar logo em seguida por valores ainda mais baixos, o que derrubou ainda mais as cotações.

Esse cenário pode voltar a acontecer? Os analistas sugerem que nos próximos meses os investidores tendem a temer os resultados de maio, o que pode gerar problemas de liquidez do ativo.

Ninguém quer estar entre os últimos a fechar sua posição antes do vencimento, com medo de repetir o que aconteceu agora em maio.
– Warren Patterson, chefe de estratégia de
commodities do ING (tradução livre)

Petróleo pós-COVID19

Somente agora os países estão começando a gradativamente abrir suas economias. Ainda que a demanda por Petróleo volte aos níveis pré-pandemia, os analistas da Morgan Stanley destacam que o mercado levaria muito tempo para queimar todo o excedente armazenado, o que não acontecerá imediatamente. Isso implica que, no melhor dos cenários, o mercado ainda levará alguns trimestres para equilibrar as reservas e reprecificar o produto.

E por que isso é relevante? Ainda que os preços baixos do Petróleo pareçam bons para as economias industriais no curto prazo⁵, como no passado, o choque no preço do petróleo inevitavelmente se espalhará para os países não produtores. Nesse contexto, através da redução nas transferências oficiais de ajuda e salários mais baixos para os trabalhadores, as populações mais vulneráveis desses países são prejudicadas, corroendo ainda mais as almofadas fiscais necessárias para lidar com o COVID19.

Notas & Referências

¹ Os preços do petróleo são um fator significativo na determinação do preço de outras commodities, incluindo alimentos. A operação de máquinas agrícolas requer combustível, assim como a fabricação de fertilizantes e o transporte do produto.

² Do economista alemão Hans-Werner Sinn.

³ Ponto de entrega dos contratos negociados na WTI.

⁴ Isto é, pagar para alguém receber o seu Petróleo.

⁵ Esse cenário pode ser observado mesmo nos EUA, país que se tornou um grande produtor.

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