Primeiras Damas dos EUA

A importância social de mulheres no cargo de Primeira Dama para políticas sociais no país

Iasmim Matias
O Veterano
5 min readMay 11, 2021

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Foto: Unsplash

Quando pensamos sobre a Primeira-Dama, é notória a alusão direta à esposa do Presidente da República, mesmo que esse cargo não necessariamente seja da esposa. Essa associação direta tem muito o que contar sobre a sociedade. Assim como no Brasil, há nos Estados Unidos da América o hábito de associar as mulheres em contato direto com políticos apenas como “esposa de”, “mãe de” e “filha de”, como se elas não tivessem suas próprias individualidades.

Esse aspecto é bem presente também na história política do Brasil. Em ‘Práticas da memória feminina’, de Michelle Perrot (1989), aborda-se como às mulheres de uma família é atribuído o lugar da construção da memória. Isso influencia o local social em que o corpo da mulher é bem-vindo, e, mesmo no cargo de Primeira-Dama, esse lugar sempre é associado à família e ao cuidado da casa.

Com uma breve pesquisa sobre as Primeiras-Damas dos EUA, destaca-se o fato de que, nas informações pessoais referentes a cada uma, estão sempre presentes as suas datas de casamento, mas o mesmo nem sempre ocorre nas informações de seus respectivos maridos. Com base nisso, observamos que essas mulheres ainda são colocadas no papel de esposas, mesmo que apresentem uma carreira profissional e tenham papéis importantes nos governos de seus maridos. É válido ressaltar também que os sobrenomes das Primeiras-Damas são sempre os de seus maridos — à exceção de Hillary Diane Rodham Clinton e Michelle LaVaughn Robinson Obama, que apresenta mais de um sobrenome.

Ainda sobre o cargo e seu papel social, a Primeira-Dama dos EUA é categorizada como anfitriã da Casa Branca, em nítido contraste aos seus maridos nomeados chefes de Estado, o que retoma a ideia do patriarcado, que encarregaram às famílias de classe média a essa divisão de papéis como mulheres no lar e os homens no trabalho. Sobretudo, ao considerarmos que ser Primeira-Dama é exercer um cargo com funções, mas ainda assim não há remuneração alguma.

Apesar de serem tratadas com a lógica do patriarcado, as Primeiras-Damas possuem bastante relevância para a elaboração de políticas sociais nos Estados Unidos. Para além de esposas, essas mulheres também tiveram importantes papéis para a forma de governabilidade de seus maridos.

A importância dessas mulheres para políticas sociais

Joan Scott (2017), como historiadora, mostra a importância que mulheres têm ao longo do tempo com lutas minoritárias. Isso é apresentado como forma científica dos estudos sociais, mas também aplicado às políticas sociais, com a presença de lutas e debates referentes às interseccionalidade que perpassam a sociedade. A seguir, mencionaremos algumas das Primeiras-Damas dos EUA e sua importância nos debates sociais.

Comecemos por Melania Trump, uma figura cujas polêmicas estão associadas ao comportamento de seu marido, Donald Trump. Melania foi Primeira-Dama de 2017 a 2021, período no qual posicionou-se ativamente nos debates sobre cyberbullying contra crianças na internet, bem como sobre a importância do cuidado no acesso de crianças às redes sociais, de modo geral. No entanto, os pronunciamentos de Donald Trump no Twitter questionam o comportamento de Melania, revelando a importância de não colocar os dois no mesmo lugar social apenas por serem casados. A ex-Primeira-Dama mostrou-se independente de seu marido e não deixou de lutar pelo que acredita por conta do comportamento de Trump. Há uma dificuldade de não relacionar as mulheres e os seus posicionamentos aos comportamentos de seus maridos.

Em seguida, tratemos de Michelle Obama — advogada, ativista e mulher negra. Falar de Michelle Obama e a nomear somente como esposa do ex-Presidente Barack Obama é cometer uma brecha para a desinformação, carregada de machismo. Sobretudo porque Michelle se tornou uma das mulheres mais influentes mundialmente, sobretudo com a importância da publicação de seu livro “Minha História”. Sem contar que o salário de Michelle Obama foi, até 2006, quase o dobro do de seu marido, até que ele se tornasse Presidente dos Estados Unidos. Contudo, no que diz respeito ao seu empenho com políticas sociais no cargo de Primeira-Dama, ela se dedicou a melhorias nas dietas escolares, pelo combate à obesidade infantil do país, para além de suas lutas relacionadas à educação de meninas em escala global. Além disso, Michelle também tem influência em movimentos relacionados à desigualdade de gênero e à saúde mental.

Laura Bush, fazendo jus às suas profissões de professora, autora e bibliotecária, promoveu, enquanto Primeira-Dama (2001–2009), o combate ao analfabetismo de crianças pelo país, criando o programa Ready to Read, Ready to Learn”, que trabalhava em transformações nas salas de aulas — sobretudo com treinamento aos professores. Posteriormente, o projeto foi desenvolvido em âmbito internacional. Laura foi tão ligada a questões políticas que se instalou em um escritório na Casa Branca, tornando-se secretária de Estado — assim como sua sogra, Barbara Bush (1989–1993), que impulsionou campanhas a favor da alfabetização e conseguiu levar adiante a Lei de Alfabetização Nacional em 1996. Barbara, aliás, foi criadora da ‘Barbara Bush Foundation for Family’, que tinha como objetivo promover uma melhoria das leituras para crianças. Também teve participação voluntária a favor de causas sociais, como por exemplo a luta feminista pela libertação da família.

Quando falamos sobre política, Hillary Clinton obviamente não pode ficar de fora, sobretudo por ter sido a candidata democrata à Presidência dos Estados Unidos no ano de 2016. Foi a primeira Primeira-Dama (1993–2001) a ter pós-graduação e a ter a carreira profissional remunerada consolidada. Participava diretamente com seu marido nas decisões presidenciais e, enquanto esteve no cargo de Primeira-Dama, centrou suas ideias em uma reforma do sistema de saúde do país, com o desejo de que os cidadãos tivessem cobertura universal, mas não obteve êxito.

Já Rosalyn Carter, Primeira Dama de 1977 a 1981, destinou seu trabalho ao campo da saúde mental. Foi primordial ao pensamento da importância das doenças mentais e transtornos psíquicos. A partir disso, Rosalyn conseguiu a aprovação de leis que favorecem uma melhoria no tratamento dessas pessoas. Betty Ford (1974 -1977) lutou pela igualdade de gênero, pelo reconhecimento da homossexualidade e pela legalização do aborto. Era uma mulher progressista que apoiava os movimentos sociais, e até mesmo a liberação do consumo de maconha. Como dependente química, ela foi responsável por amenizar o estigma sobre esse grupo.

Ademais, Lady Bird Johnson , Primeira-Dama de 1963 a 1969, destacou-se por levantar debates que atualmente se encontram em alta, como a preservação do meio-ambiente, conseguindo inclusive aprovar uma lei que carrega seu nome. Foi uma das pioneiras no campo da preservação ambiental, trabalhando para jardins naturais em Washington com a retirada de outdoors das estradas.

A partir dessas informações, podemos observar que não há um padrão nas políticas sociais desenvolvidas pelas Primeiras-Damas dos EUA. No entanto, é inegável que elas foram importantes para diversos movimentos sociais. Além disso, essas mulheres contribuíram muito para a governabilidade do mandato de seus maridos — ainda que isso não seja retratado. Desse modo, o apagamento dessas mulheres como agentes de ação é presente quando as consideramos como ‘esposas de’ — apagando a individualidade dessas protagonistas da política norte-americana. A história foi contada e criada por homens, e temos como dever dar voz às personagens que foram silenciadas na construção dessa narrativa oficial.

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