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Qual o valor de um diploma?

Uma história sobre a dívida universitária norte-americana

Kaio Torres Dias
Published in
5 min readDec 8, 2020

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Existem muitas palavras que trazem medo ao coração de um estudante universitário; “teste”, “nota” e “tese” costumam figurar no topo dessa lista. No entanto, há um termo que é particularmente temível para muitos: “dívida”. Milhões de alunos ao redor do globo tomam empréstimos volumosos para pagar seus estudos sem ter um plano claro de como pagarão essa quantia e os EUA, em especial, são um dos países nos quais esse problema é mais grave. Com uma dívida universitária de mais de U$1,7 trilhões, o pagamento de cursos de graduação e pós-graduação está entre as principais preocupações de uma parcela relevante da população norte-americana. Como eles chegaram a esse ponto?

Passado

Durante a maior parte do século XX, o cenário da educação superior nos EUA era de crescente expansão e de custos baixos para os estudantes. Desde a G.I. Bill, lei assinada em 1944 que garantia aos veteranos da Segunda Guerra diversos benefícios — entre eles o acesso gratuito a universidades — , até o Higher Education Act, que, em 1965, concedeu bolsas a estudantes com base em suas rendas familiares, esse período presenciou muitas políticas que visavam possibilitar ao cidadão norte-americano a obtenção do diploma de uma faculdade. Essa disposição não apenas estava relacionada a uma busca por igualdade, como também a um desejo de aumentar o desenvolvimento tecnológico da nação, como atestado pelo National Defense Education Act, que concedia bolsas de estudo e empréstimos a universitários. Entretanto, tal tendência de manter os custos educacionais baixos não se manteve até o começo do novo milênio.

Quando Reagan assumiu o poder nos anos 80, ele adotou medidas para cortar de forma substancial os gastos e os impostos tanto do governo federal quanto dos estaduais, o que teve consequências notáveis para a educação superior. Para se manterem fiéis a seus orçamentos, agora bem mais apertados, os estados se viram forçados a aumentar as mensalidades de suas faculdades públicas e a reduzir o número de bolsas concedidas a universitários. De forma similar, os programas federais sofreram cortes severos, com uma redução de 25% no valor gasto com educação superior entre os anos 1980 e 1985. Dessa forma, o papel do governo federal para os estudantes universitários, em grande parte, passou do de financiador para o de emprestador, função que ele conserva até hoje, com o Departamento de Educação do Governo Federal possuindo mais de U$1,4 trilhões em dívidas universitárias.

Presente

Nos anos 2000, com a ajuda do governo Bush e da Crise de 2008, os EUA viram um aumento tanto no número de pessoas buscando educação superior quanto no preço cobrado por esta. No início da década, a administração Bush facilitou o crescimento da educação online, o que levou muitas faculdades, especialmente as voltadas para o lucro, a utilizarem esse recurso para expandir, o que contribuiu para o aumento de 329% no número de matrículas em instituições for-profit ocorrido na década. Além disso, a Crise de 2008 acarretou cortes profundos nos gastos federais e estaduais com educação superior, o que levou a um novo aumento nas mensalidades das universidades, especialmente nas públicas. Por outro lado, esse evento também teve um impacto duro sobre o mercado de trabalho, o que levou muitos norte-americanos a olhar para faculdades em busca de melhor qualificação profissional, causando outro salto no número de estudantes universitários.

Na última década, a dívida universitária nos EUA continuou a subir, mas, diferentemente do que havia ocorrido até então, ela não se deveu a aumentos no número de universitários ou na mensalidade das universidades. De fato, o primeiro valor caiu nos últimos anos e o segundo se manteve estável em relação à renda norte-americana. Segundo a Moody’s, o que manteve o crescimento aparentemente incansável da dívida foi a demora dos endividados para realizar os pagamentos. Isso se deve, entre outros fatores, à opção dos devedores por planos de pagamento mais longos, o que leva o dinheiro devido por pessoas que entraram na faculdade há décadas a ser mantido no valor da dívida universitária atual. Desse modo, chegamos ao momento presente, no qual mais de 22 milhões de pessoas possuem uma dívida total superior a U$1,4 trilhões (valor próximo ao PIB da Espanha) com o governo norte-americano.

Futuro

No entanto, com a recente eleição de Joe Biden para a presidência dos EUA, muitos têm esperança de que a realidade dos universitários possa mudar nos próximos anos. O Partido Democrata é conhecido por, frequentemente, abordar esse problema, algumas vezes com ideias ousadas (como a proposta feita por Charles Schumer e Elizabeth Warren de perdoar até U$50.000 nas dívidas universitárias de todos os endividados com o governo federal). Assim, é esperado que o novo presidente coloque em prática projetos para solucionar, ou, pelo menos, amenizar, essa questão.

Nesse sentido, muitas ideias já foram apresentadas por Biden para abordar tal problema, cada uma recebendo reações diversas por parte da população e de outros políticos. Em primeiro lugar, ele quer tornar as universidades públicas gratuitas para todas as famílias com renda inferior a U$125.000 anuais. Em segundo, ele deseja ampliar o Public Service Loan Forgiveness Program, um programa que concederia perdão, parcial ou total, à dívida daqueles que, após formados, trabalhassem por alguns anos como funcionários públicos. Em terceiro, assim como Schumer e Warren, ele apoia um perdão geral de parte das dívidas provenientes de empréstimos federais, mas sob o valor mais modesto de U$10.000. Para além desses projetos, o novo presidente possui diversas propostas para tornar o ensino superior mais acessível e reduzir o problema do endividamento, uma de suas principais bandeiras na área da educação.

Entretanto, muitas dessas ideias dependem da aprovação do Senado (que pode não pertencer aos democratas nos próximos anos), e existe a preocupação de que as medidas propostas por Biden possam ser incapazes de solucionar de forma efetiva a questão da dívida universitária. Considerando que menos de um terço dessa dívida provém de estudantes de instituições públicas e que um perdão geral — apesar de reduzir o tamanho do problema hoje — não a impediria de continuar crescendo no futuro, ainda que todos os projetos de Biden passem, a crise da dívida estudantil pode não ver seu fim em um futuro próximo. Assim, a história da dívida universitária norte-americana é deixada sem um final à vista, com seus protagonistas — o governo e as faculdades — ainda lutando para encontrar uma conclusão adequada para essa narrativa.

Referências

HESS, Abigail. “How student debt became a $1.6 trillion crisis”. CNBC, 2020. Disponível em: https://www.cnbc.com/2020/06/12/how-student-debt-became-a-1point6-trillion-crisis.html. Acessado em: 01 de dezembro de 2020.

CAREY, Kevin. “What About Tackling the Causes of Student Debt?”. The New York Times, 2020. Disponível em: https://www.nytimes.com/2020/11/18/upshot/student-debt-forgiveness-biden.html. Acessado em: 01 de dezembro de 2020.

COWLEY, Stacy. BERNARD, Tara. “What Biden’s Election Could Mean for Student Loans”. The New York Times, 2020. Disponível em: https://www.nytimes.com/2020/11/13/business/biden-student-loans.html. Acessado em: 01 de dezembro de 2020.

LOONEY, Adam. “Biden shouldn’t listen to Schumer and Warren on student loans”. The Washington Post, 2020. Disponível em: https://www.washingtonpost.com/opinions/biden-shouldnt-listen-to-schumer-and-warren-on-student-loans/2020/11/17/b5839042-2915-11eb-9b14-ad872157ebc9_story.html. Acessado em: 01 de dezembro de 2020.

KAUR, Harmeet. “The student loan debt is $1.6 trillion and people are struggling to pay it down”. CNN, 2020. Disponível em: https://edition.cnn.com/2020/01/19/us/student-loan-slow-repayment-moodys-trnd/index.html. Acessado em: 01 de dezembro de 2020.

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