Queimadas, Agronegócio e Tendências ESG

Gabriel Martins Mendes
O Veterano
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6 min readNov 19, 2020

Uma reflexão acerca dos conflitos existentes no Centro-Norte do Brasil envolvendo a preservação das florestas, as queimadas na região e o agronegócio do país

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Não tem como negar que 2020 é um ano atípico em diversos aspectos. Infelizmente muitos dos acontecimentos que marcaram este ano se destacam negativamente. Dentre eles, podemos citar a pandemia do Covid-19, que deixou diversos países em lockdown, e as queimadas na Amazônia e no Pantanal. A princípio, pode parecer que estes eventos pouco se relacionam, seja na sua causa ou nos seus impactos, mas, analisando pela perspectiva dos impactos ambientais, eles estão de certa forma conectados. Por causa da pandemia, saímos de uma tendência de um consumo mais consciente, especialmente do ponto de vista de redução do uso de embalagens e demais objetos descartáveis, para um aumento expressivo do seu uso devido a questões sanitárias relacionadas à proliferação da Covid-19. Já os incêndios que cobriram a Amazônia e o Pantanal estavam majoritariamente relacionadas à “limpeza”, para que estas áreas pudessem ser utilizadas para fins agropecuários. Por incrível que pareça, a Covid-19 também teve uma contribuição para o aumento do número e da área atingida pelas queimadas. Durante a reunião ministerial realizada em 22/04/2020 e que, posteriormente, teve seu sigilo retirado pelo STF, Ricardo Salles, Ministro do Meio Ambiente, afirmou:

“[..] grande parte dessa matéria [de proteção das florestas], ela se dá em portarias e normas que aqui estão, inclusive o de Meio Ambiente, e que são muito difíceis (e, nesse aspecto, eu acho que o Meio Ambiente é o mais difícil) de passar qualquer mudança infralegal em termos de infraestrutura, instrução normativa e portaria, porque tudo que a gente faz é pau no judiciário, no dia seguinte. Então, para isso, precisa ter um esforço nosso aqui enquanto estamos neste momento de tranquilidade no aspecto de cobertura de imprensa, porque só fala de Covid, e ir passando a boiada e mudando todo o Ministério do Meio Ambiente, de ministério disso, de ministério daquilo. Agora é hora de unir esforços para dar de baciada a simplificação regulatória que nós precisamos, em todos os aspectos”. Transcrição do vídeo da reunião entre o presidente Jair Bolsonaro e sua equipe de Governo — Reprodução feita pelo STF, página 20.

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Nesse contexto, é possível identificar um completo descaso, por parte do governo federal, com a preservação ambiental e com um desenvolvimento econômico sustentável. Por isso, se torna cada vez mais importante falar de princípios e atitudes ESG (Environmental, Social and Governance, ou seja, práticas que prezam pelo impacto positivo nas áreas ambiental, social e de governança corporativa), pois enquanto o governo se mostra incapaz de pensar na sustentabilidade (no seu sentido mais amplo, de viabilidade no pensamento de longo prazo, não se restringindo apenas a aspectos ambientais, por exemplo), diversas empresas se mostram extremamente conscientes, preocupadas e responsáveis pelo impacto gerado. Uma das maneiras de enxergar as tendências ESG, é pensar em uma escala de prioridades, onde o lucro pelo lucro já não faz tanto sentido. Afinal, do que adianta ter todo o dinheiro do mundo se não existirá um mundo no qual desfrutar deste dinheiro?!. Assim, o grande objetivo das empresas passa a ser gerar lucro de maneira consciente, ou seja, gerar lucro e gerar um impacto positivo para o meio ambiente, para a sociedade e para os sócios, contribuintes e fornecedores.

Imagem do acervo próprio d’O Veterano

Um estereótipo muito comum quando se trata de práticas ESG, é que as empresas que possuem preocupações nestas áreas e adotam tais práticas, não se importam com o lucro ou não são rentáveis. Na verdade, isso não passa de uma visão equivocada ou, quem sabe, de uma interpretação errônea dos princípios ESG. Tanto que o estudo “From the Stockholder to the Stakeholder: How Sustainability Can Drive Financial Outperformance” (em tradução livre, “Do acionista para o interessado: como a sustentabilidade pode impulsionar o desempenho financeiro”), da Universidade de Oxford, coletou dados de 200 fontes científicas diferentes, comparou a lucratividade de uma abordagem ESG com a de uma abordagem “convencional” (lucro pelo lucro) e concluiu que as empresas com princípios e práticas ESG tinham menores custos operacionais e maior lucratividade a médio e longo prazos, além de assegurar maior perenidade operacional do business da empresa. Este estudo também mostrou que a adoção de padrões de desenvolvimento ESG proporciona maior resiliência em crises (financeiras e não-financeiras) e menor custo de captação de capitais (crédito).

Por isso, a atual conjuntura do Pantanal e da Amazônia é muito preocupante em diversos aspectos. Queimar tais áreas para substituir essas vegetações por pastagens ou lavouras de soja e milho compromete, dentre outras coisas, o regime hidrológico brasileiro e, consequentemente, o futuro do próprio agronegócio brasileiro. Afinal, por mais que tenhamos os insumos adequados e um maquinário extremamente tecnológico e eficiente, as plantas não crescem sem um regime de chuvas adequado. A Floresta Amazônica é a responsável pelos rios voadores ,ou seja, pelos “ ‘cursos de água atmosféricos’ formados por massas de ar carregadas de vapor de água, levando umidade da Bacia Amazônica para o Centro-Oeste, Sudeste e Sul do Brasil e essa umidade, nas condições meteorológicas propícias, se transforma em chuva”.

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Além do mais, os consumidores estão cada vez mais exigentes e preocupados com a questão de responsabilidade ambiental, social e de governança corporativa. Desta forma, a relação que os consumidores têm com o meio ambiente está passando por mudanças — muito positivas, por sinal — e as empresas estão (ou deveriam estar) se atentando à estas demandas. Ainda assim, o que estamos observando no Pantanal e na Amazônia vai justamente na via contrária dessa tendência. Além de todas essas desvantagens, as áreas desmatadas e/ou queimadas não possuem uma “vida útil” relativamente baixa: no caso da Floresta Amazônica, o solo da região é pobre de nutrientes, mas rico de matéria orgânica, que é rapidamente perdida sem a cobertura vegetal da flora típica da região (soja, milho e gramíneas não estão incluídos) e, dessa forma, o solo perde suas qualidades e se torna pouco produtivos. Já no caso do Pantanal, o solo da região costuma receber um volume muito grande de chuvas, de modo que, quando as árvores e os arbustos são removidos para inserir o gado ou um maquinário agrícola naquela região, o solo é compactado e a capacidade de dar vazão ao volume hídrico é comprometida. Logo, as áreas em questão são constantemente alagadas nos períodos chuvosos, perdendo uma parte significativa da sua matéria orgânica.

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Em suma, a lista dos pontos negativos das queimadas e do desmatamento tanto na Amazônia quanto no Pantanal é enorme, mas as autoridades responsáveis não estão se importando e muito menos tomando alguma atitude para combater esses eventos. Nessas horas eu me pergunto e, para encerrar este texto, gostaria que vocês também se perguntassem: Quais os interesses das pessoas responsáveis por tomar estas decisões ao ignorar tantas externalidades negativas e fazer vista grossa para tais atitudes? Até que ponto isso é economicamente sustentável e não vai trazer problemas comerciais, como medidas punitivas, ao Brasil? O que podemos fazer para mudar essa situação? Qual a nossa parcela de culpa e a nossa contribuição nesses eventos, em decorrência dos nossos hábitos de consumo?

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