Reabrindo a educação

O que o Brasil pode aprender com especialistas e com o resto do mundo?

Kaio Torres Dias
O Veterano
9 min readSep 10, 2020

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Imagem de Alexandra_Koch por Pixabay

Com o início do segundo semestre de 2020, países por todo o mundo, inclusive o Brasil, se depararam com uma questão desafiadora: como manter um sistema educativo em meio a uma pandemia global? Ao longo do último mês, os governos encontraram não uma, mas muitas respostas para essa pergunta, cada solução adaptada às condições particulares do local onde foi executada. Além disso, esse questionamento chamou a atenção de especialistas de diversas áreas, que analisaram o problema sob várias perspectivas e chegaram a conclusões úteis quanto a como a reabertura da educação deve ocorrer. Desse modo, nenhum lugar ou pessoa no globo tem o modelo perfeito a ser adotado pelas escolas e faculdades brasileiras, mas as experiências e os estudos alheios podem ser decisivos para entender melhor a situação na qual o Brasil se encontra e como melhorá-la.

A experiência internacional

Na Europa, os governos têm utilizado diferentes métodos para garantir um semestre letivo produtivo e seguro para os alunos, mas a maioria deles passa uma mensagem em comum com relação a esse tópico: é hora de as crianças voltarem às escolas. Isso é evidente não apenas pelos discursos dos políticos, mas, principalmente, pelos gastos e sacrifícios que muitos países estão realizando para manter as instituições de ensino abertas. Nesse sentido, nações com desempenhos muito distintos na contenção da pandemia têm procurado formas de dar educação à população sem provocar novos surtos do vírus.

A Alemanha, um dos países mais ricos e menos afetados pela pandemia da Europa, usou diversas medidas para assegurar um retorno seguro às aulas, mas o resultado, ainda que promissor, não foi impecável. No país, máscaras são obrigatórias na maior parte das escolas, mas não nas salas de aula (para não prejudicar o aprendizado), onde procura-se manter uma boa ventilação e classes separadas para evitar contato. Além disso, a distribuição gratuita de testes da doença para os professores representa uma das principais ferramentas usadas na prevenção de novos surtos. Entretanto, mesmo com essas medidas, Berlim registrou nas últimas semanas infecções em, pelo menos, 41 das suas 825 escolas, o que não é alarmante, mas também não é ideal.

Outras nações europeias, mais afetadas pela pandemia, também estão enfrentando dilemas para conciliar as questões da educação e da segurança, mas, assim como a Alemanha, pretendem ver suas crianças nos colégios nesse semestre. Na Itália, mais de 40 mil professores temporários estão sendo contratados e carteiras escolares novas estão sendo compradas para que seja possível realizar as aulas com distanciamento social. Na França e no Reino Unido, o número crescente de casos da doença no país deixa pais e professores temerosos quanto ao retorno, mas os líderes dos governos de ambos os países insistem que a reabertura da educação é essencial para o bem-estar dos alunos e da economia das nações. Assim, em meio a dificuldades diversas, a Europa encara a volta dos colégios como uma necessidade inevitável.

Nos Estados Unidos, assim como no Brasil, o avanço da reabertura varia de forma notável ao longo do território, com algumas regiões tendo planos de reabertura detalhados enquanto outras permanecem sem previsão de volta para as instituições de ensino. Nesse sentido, a cidade que tem recebido mais atenção da mídia é Nova York, onde as escolas públicas são responsáveis pela educação de mais de 1 milhão de crianças e o retorno às aulas foi marcado para o dia 21. Logo, no intuito de evitar novos surtos da doença, planeja-se testar mensalmente mais de 10% de todos os alunos e professores da cidade — o que representa um gasto de cerca de 10 milhões de dólares por mês — e voltar a fechar os colégios caso haja um aumento significativo na porcentagem de testes positivos na cidade. Dessa forma, os resultados da reabertura novaiorquina podem representar um estímulo ou uma fonte de temor para todo o seu país.

Ademais, com o início do novo ano letivo, dezenas de milhares de novos casos foram identificados nas faculdades norte-americanas nos últimos meses. Por todo o país, mais de mil universidades registraram a presença de pessoas doentes em seus campi, algumas delas tendo, inclusive, apontado centenas de infectados. Esses números alarmantes já foram responsáveis pelo rápido cancelamento das aulas presenciais em diversas instituições de ensino dos EUA, como Notre Dame e a Universidade da Carolina do Norte em Chapel Hill. Desse modo, a reabertura do ensino superior tem enfrentado grandes desafios nos Estados Unidos.

As conclusões dos especialistas

Além de se preocupar com a saúde física das crianças, vários cientistas têm se debruçado sobre os efeitos psicológicos e socioeconômicos que o fechamento prolongado das escolas pode produzir. Muitas dessas análises da situação deixam em evidência os vários malefícios de longo prazo causados pela ausência de aulas presenciais e são responsáveis por grande parte da comunidade científica ressaltar a importância do retorno a elas. Nesse sentido, diversos artigos foram publicados nos últimos meses tanto com estudos sobre o impacto do isolamento social nas crianças quanto com recomendações para garantir uma volta segura às escolas.

Em um texto de Fry-Bowers para o Journal of Pediatric Nursing, abordaram-se os problemas gerados e agravados pelo fechamento das escolas nos EUA durante a pandemia. Em primeiro lugar, cenários de desemprego e estresse financeiro aumentam as chances de violência doméstica e abuso, algo que é agravado pela falta de contato das crianças com professores e outros profissionais da saúde e da educação, que, muitas vezes, são essenciais para identificar e evitar ações abusivas. Em segundo, a mudança radical de rotina e o isolamento social têm potencial de gerar ou piorar questões psicológicas, como ansiedade e depressão, e, para muitos, as escolas representam a principal, ou a única, fonte de apoio nesses problemas. Em terceiro, a transição para o ensino online pode amplificar as disparidades do sistema educacional, tendo em vista que várias crianças provindas de famílias de baixa renda ou de ambientes rurais não possuem computadores ou acesso à internet. Portanto, a manutenção do ensino a distância coloca em risco as saúdes física e mental de muitas crianças, além da sua educação.

Em um artigo de opinião, Wang e Bair da Escola de Medicina da Universidade de Stanford discutem elementos essenciais para tornar o retorno às aulas presenciais mais seguro. Eles ressaltam a importância de manter o distanciamento social nas escolas, se necessário estabelecendo construções temporárias, caso os espaços dentro delas sejam insuficientes. Além disso, os dois recomendam manter um suprimento constante de álcool e máscaras, ou outros equipamentos de proteção, especialmente para as crianças cujas famílias não consigam comprá-los. Ademais, os especialistas reforçam a necessidade de verificar a temperatura e a presença de sintomas de todos os alunos na entrada da escola, imediatamente realizando o isolamento no caso de desenvolvimento dos sintomas da doença. Assim, para que haja segurança na volta aos colégios são necessários gastos adicionais tanto em termos de recursos quanto de trabalho e atenção.

A reabertura no Brasil

No Brasil, a retomada da educação tem sido heterogênea ao longo de seu território e motivo de preocupação para os educadores. Tendo em vista as disparidades econômica e demográfica do país, além da variação no número de casos da doença e da sua mortalidade entre os estados, não é surpresa que o avanço da reabertura esteja se dando de formas muito distintas dentro da nação. Além disso, vários professores e outros profissionais da educação, com medo de que as escolas não tenham condições de garantir uma volta segura para eles e para os alunos, têm feito resistência ao retorno. Desse modo, a retomada das aulas está enfrentando desafios diversos para ocorrer de maneira apropriada.

Entre os estados, apenas PA, RJ, SC, RS e SP têm previsões para a volta de suas redes estaduais de ensino e só a do Amazonas voltou efetivamente. Além disso, as agendas das reaberturas desses locais variam em quase todos os aspectos entre si, desde as datas de início até quais níveis de ensino retornarão primeiro. Ademais, as escolas particulares seguem calendários à parte e as medidas de proteção demandadas delas dependem do estado e da cidade nas quais se encontram. Assim, a variedade de projetos para a reabertura dos colégios torna difícil a avaliação do desempenho do país nessa importante tarefa.

Por exemplo, no Pará, foi permitido que a maior parte das prefeituras reabrisse as escolas em suas cidades no começo do mês, mas a rede estadual de ensino tem previsão de retorno presencial apenas em outubro. Assim, o retorno à educação paraense está ocorrendo de forma gradual, com as salas sendo obrigadas a funcionar com 50% ou menos de capacidade nas primeiras semanas e os colégios particulares tendo que oferecer a opção de ensino remoto. Esse desenvolvimento representa um avanço na volta à normalidade do estado, mas, assim como em outros locais da nação, não vem sem a preocupação de uma parcela considerável da população, com destaque para os profissionais do ensino.

Por todo o país, professores têm tido reações diversas ao retorno às aulas, muitas delas negativas devido ao temor quanto aos riscos à saúde que ele traz. Entre os atos promovidos pela parcela temerosa da categoria destacam-se uma carreata feita em Manaus contra a reabertura das escolas públicas na cidade, um pedido feito junto à Justiça por sindicatos da profissão para suspender a volta às aulas em São Paulo e protestos feitos no Rio Grande do Sul contra o retorno à educação presencial. No entanto, também foram vistas manifestações de apoio à retomada da educação, como encontros de protestantes frente à Alerj, no Rio de Janeiro, e ao Palácio do Campo das Princesas, em Pernambuco. Assim, há divergências de opinião entre os professores ao redor da nação com relação ao retorno das escolas, mas uma parte considerável deles se posiciona fortemente contra ele.

Portanto, além de aprender com a experiência internacional e com as conclusões dos especialistas, a educação brasileira deverá pensar em soluções próprias para lidar com as condições particulares do país. Esse desafio é um dos mais importantes impostos pela pandemia, tendo em vista que a superação dele terá grande influência sobre a formação intelectual e cultural da nação. Dessa forma, é preciso observar com atenção como os governantes lidam com a questão educativa hoje, pois ela é essencial para definir como será o Brasil de amanhã.

Referências:

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