Renda Brasil: a proposta

Lilian Kingston Freitas
O Veterano
Published in
4 min readSep 10, 2020
Imagem do Acervo O Globo

Na opinião dos brasileiros, qual é o maior problema do país? Segundo a Confederação Nacional da Indústria, o desemprego foi a adversidade vista pela população como o maior contratempo brasileiro do último ano [1]. No entanto, com. a pandemia do COVID-19, muitos economistas argumentaram ter sido a desigualdade social escancarada como principal problema da nação. Tendo isso em vista, ganha enfoque a deliberação sobre a criação de um programa de renda mínima permanente no país: o Renda Brasil.

Por enquanto, a proposta ainda não se concretizou. De acordo com o Ministro da Cidadania, Onyx Lorenzoni, o projeto está em fase final de elaboração e deve ser enviado ao Congresso dentro de um mês. “Se a pandemia não tivesse acontecido, nós já teríamos apresentado e discutido a proposta do Renda Brasil com o Congresso Nacional”, disse o Ministro. Todavia, esse não foi o caso e, até agora, não se sabe de maneira definitiva o que se propõe. Quem serão os beneficiários, qual será o valor do benefício e quais programas sociais seriam unificados para a criação do Renda Brasil? Como o programa difere do Bolsa Família? Ainda, quais as repercussões econômicas, sociais e políticas esperadas da implementação?

Entendendo a proposta e comparando o Renda Brasil ao Bolsa Família

Desenvolvido pela equipe econômica de Paulo Guedes, o novo programa social proposto, embora ainda não esteja definido, já tem algumas características traçadas. Mais especificamente, chama atenção seu amplo alcance populacional: o benefício deve ser pago a mais de 21 milhões de brasileiros, segundo elaboradores.

Entre as pessoas elegíveis para receber os pagamentos estão os atuais beneficiados pelo Bolsa Família. Este último, criado em 2003, atende às famílias que vivem em situação de pobreza e de extrema pobreza. Assim, considerando os critérios financeiros estabelecidos, podem ser contempladas com este benefício todas as famílias com renda per capita de até R$89 mensais e aquelas com renda per capita entre R$89 e R$178 mensais. Esses critérios de elegibilidade, no caso do Renda Brasil, serão ampliados: o programa contemplará pessoas que não recebem o Bolsa Família, como trabalhadores informais, ambulantes, diaristas e outros trabalhadores sem vínculo com a CLT. Dessa forma, o novo programa governamental deve atingir, além dos 13,9 milhões de beneficiários do Bolsa, outros 6 ou 7 milhões de pessoas que, atualmente, estão recebendo o Auxílio Emergencial.

Durante a pandemia, muitos brasileiros cadastraram-se para receber este auxílio. Dessa forma, a grande maioria das pessoas elegíveis para o Renda Brasil não precisará fazer cadastros, dado que o Governo já está em posse de seus dados. Ademais, os beneficiários do Bolsa Família também já estão registrados, uma vez que devem estar inscritos no Cadastro Único e apresentar comprovantes médicos, matrículas escolares e frequência estudantil mensalmente para o recebimento destes benefícios.

Quanto ao valor médio mensal concedido pelo Renda Brasil, estima-se que seja entre R$250 e R$300, faixa de valor superior à média atual de R$189 mensais do Bolsa Família. Tendo em vista o engrandecimento do valor médio do benefício e da quantidade de pessoas elegíveis a recebê-lo, é evidente que o Governo precisará aumentar sua arrecadação, para tornar viável o custeio do novo programa social, ou, alternativamente, revisar a alocação de recursos atual e abrir espaço no Orçamento para o financiamento do Renda Brasil.

Em relação a isso, Guedes disse ter a intenção de fazer “uma unificação de vários programas sociais e o lançamento de um Renda Brasil”. Na mira da equipe econômica, estão o abono salarial, o seguro-defeso e a farmácia popular, programas sociais considerados ineficientes. O primeiro destina-se a trabalhadores com salário inferior a dois salários mínimos, mas muitos brasileiros elegíveis ao suporte financeiro e cuja condição de vida seria significativamente melhorada com esse não o conhecem, enquanto alguns jovens de classe média no início de suas carreiras coletam o benefício sem necessidade. Por sua vez, o segundo, destinado a pescadores no período de reprodução dos peixes, conta com alto índice de irregularidades. No tocante ao último desses, a farmácia popular, sua ineficiência deve-se à possibilidade de não haver teto salarial para a elegibilidade de receber remédios pagos pelo Estado. Além de realocar recursos direcionados para estes programas, o Ministro da Economia revelou sua intenção de custear o novo benefício com dividendos de empresas estatais. Em suas palavras, “Nós vamos fazer o maior programa de transferência de riqueza – não é só de renda”.

O intuito da proposta

“Se o grande problema brasileiro é a desigualdade social, vamos enfrentar esse problema”, disse Paulo Guedes. Na perspectiva do Ministro, a introdução de um programa de renda mínima permanente no país terá efeito positivo na atenuação dos abismos econômico e social brasileiros.Para Guedes, a “resposta ousada para desigualdade é o Renda Brasil robusto”.

Contudo, vale ressaltar que toda medida governamental tem, também, um viés político. Ao instaurar um novo programa social e tornar obsoleto o Bolsa Família, muito associado às gestões do PT, o presidente atual certamente ganhará visibilidade e, muito provavelmente, apoio popular. Levando isso em consideração, é válido o questionamento: qual é o intuito real do Presidente com a criação do Renda Brasil?

[1] A título de curiosidade, vale comentar que a CNI realiza anualmente uma pesquisa para mapear quais das adversidades nacionais são identificadas pela população como mais preocupantes. Neste ano, os cinco problemas mais assinalados foram: desemprego (47%), saúde (41%), corrupção (36%), segurança pública e violência (33%) e educação (27%). Por ter sido conduzida em fevereiro, a pesquisa não reflete a realidade do pandêmica do país.

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