Retorno do ensino presencial no Brasil

A esperança de dias educacionais melhores

Paulo Henrique da Silva
O Veterano
Published in
7 min readAug 25, 2021

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Escola é…

o lugar que se faz amigos.

Não se trata só de prédios, salas, quadros,

Programas, horários, conceitos…

Escola é sobretudo, gente

Gente que trabalha, que estuda

Que alegra, se conhece, se estima. […]

- Paulo Freire

Com as incertezas ao entorno do que viria a ser a pandemia de COVID-19, seguir as recomendações de biossegurança da OMS, como o distanciamento social, provocou uma ressignificação do ensino brasileiro e, já no primeiro trimestre de 2020, governadores e prefeitos do Brasil decretaram a suspensão do calendário escolar do ano letivo de 2020 ou implementaram o ensino remoto em suas redes de ensino.

No presente momento, felizmente, as aulas presenciais na rede pública de ensino já voltaram a ser uma realidade em vários estados de todas as cinco regiões brasileiras; na rede privada, o ensino remoto vem sendo substituído pelo presencial há meses em inúmeras localidades. Com o avanço da vacinação, a oferta educacional tende a se normalizar, e enquanto o medo ainda paira sobre o espaço escolar, sob ele insurge a garra dos professores em garantir a todos o direito de acesso a esse importante instrumento de transformação social: a educação.

Com as escolas reabrindo em quase todas as localidades brasileiras, mesmo que em formato híbrido, a magia do espaço escolar é restabelecida. O lugar que, para alguns, antes era visto apenas como o local de trabalho dos profissionais de educação, finalmente começa a ser difundido como essencial à socialização, além de sua tão conhecida missão de disseminação do conhecimento.

Primeiros passos educacionais: tudo começa na educação infantil

Photo by CDC on Unsplash

A educação infantil é a fase em que o desenvolvimento da criança como um todo é iniciado. Assim, nos tempos atuais, a oferta dessa etapa de ensino deve estar sempre atenta à procura de estratégias capazes de garantir o cuidado e o educar da criança, uma vez que ela não pode ser considerada como um adulto em miniatura e sua faixa etária deve ser respeitada. Para isso, faz-se necessário a intervenção da ação lúdica tendo em vista atender às necessidades do corpo, bem como mediar o desenvolvimento sociocultural das crianças, assegurando a efetividade plena do tripé da educação infantil: direitos de brincar, cuidar e educar.

Levando esses aspectos em consideração, o retorno às atividades educacionais presenciais nessa etapa de ensino se configura como de suma importância para o desenvolvimento socioemocional, motor, cognitivo e cultural da criança, já que a educação proporciona e estimula habilidades significativas que, iniciadas na infância, perduram até a fase adulta. Logo, a volta às aulas presenciais, mesmo que em período pandêmico, vem a superar os obstáculos do ensino remoto em dar início à alfabetização e à socialização nos primeiros anos de vida do aluno.

Por que a COVID-19 é uma ameaça ao ensino fundamental?

Como a própria nomenclatura já diz, o ensino fundamental é de uma essencialidade enorme. Etapa de ensino em que a construção alfabética do aluno toma forma, o intervalo entre a primeira série e a nona vai muito além do que uma mera inserção de várias áreas de conhecimento no currículo escolar. Assim, os impactos da pandemia no ensino fundamental podem ser desastrosos, bem como representam uma ruptura do ciclo de ensino planejado para promover no aluno o aperfeiçoamento de suas habilidades cognitivas e competências socioemocionais. Lembremo-nos também de que muitos docentes, sobretudo do ensino público, não tiveram a capacitação necessária para lecionarem no ensino remoto, principalmente pela falta de planejamento com que o ensino remoto foi imposto, haja vista a urgência de sua implementação.

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Positivamente, o retorno presencial às unidades escolares vem a estimular os estudantes dessa fase educacional a se manterem engajados no processo de ensino e aprendizagem, o que é de extrema importância, considerando que o interesse do educando é indispensável para que a construção do conhecimento seja significativa. Por esse motivo, é notório dizer que no ensino fundamental a volta às aulas de maneira presencial é um grande passo em meio a esse cenário de incertezas. Por mais que o retorno seja gradativo, o momento do estudante dentro do âmbito escolar reconstrói vínculos sociais que no ensino remoto são extremamente prejudicados.

E mais: além da reconstrução social, a volta às aulas tem como objetivo estimular o conhecimento e, por meio do ensino híbrido, instigar o protagonismo e a autonomia do estudante com o saber.

A pandemia como barreira para o protagonismo estudantil no ensino médio

No ensino médio, etapa em que o ensino interdisciplinar ganha mais expressividade, as práticas pedagógicas visam à formação autônoma do discente. Nesse sentido, é dado início à construção do projeto de vida do aluno, e sua aprendizagem cotidiana é somada ao seu desenvolvimento como ser humano incluso na sociedade e às suas aspirações profissionais. Tal etapa de ensino é pensada para estruturar o protagonismo estudantil e aprimorar as mais diversas habilidades do aluno. É nesse estágio, também, que se instaura sob o alunato a ideia de necessidade de ter sucesso na vida. A realização e aprovação no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) passam a ser quase que obrigatoriedades e, com ela, a ansiedade e a depressão tendem a ser patologias que não acometem mais a individualidade, já que muitos dos discentes a desenvolvem nesse período. Sem a possibilidade de interação presencial com professores e amigos, certamente a pandemia debilitou ainda mais a saúde mental dos alunos.

Escolas reabertas, no ensino médio, representam também o retorno do compartilhamento de aprendizados, emoções e sentimentos na comunidade escolar. Além disso, é possibilitado ao estudante nova oportunidade de se configurar como participante ativo na construção do conhecimento. Em meio a uma pandemia, como cobrar do aluno que não domina as novas tecnologias digitais que este, em sua casa, seja o protagonista do seu processo de ensino e aprendizagem? É quase impossível. A escola ensina e também pratica o desenvolvimento pleno do estudante, já apenas na residência do discente tais ações podem se restar prejudicadas.

Na era das tão conhecidas e defendidas metodologias ativas, envolver e desafiar o estudante nunca foi necessário quanto agora na volta às aulas presenciais, sobretudo no ensino médio. Nessa premissa, as aulas que instigam a participação do aluno e o desafiam, são essenciais na medida em que “contribuem para mobilizar as competências desejadas, intelectuais, emocionais, pessoais e comunicacionais” (MORÁN, 2015, p. 18).

COVID-19 e o ensino superior: relação conflituosa

Photo by Kate Trifo on Unsplash

Sem tendência de retorno ao ensino presencial em muitos estados brasileiros, as universidades do país ainda são um ponto a ser analisado com cautela no contexto de mobilização pelo fim do ensino remoto. Talvez muitos entendam que no ensino superior os impactos da pandemia tenham sido mínimos, já que estamos falando de adultos e não de crianças. Todavia, é nessa etapa de ensino que a as salas de aulas rompem barreiras geográficas, além das culturais; uma única sala de aula de ensino superior pode ter alunos dos mais diversos estados brasileiros — e sabemos que a pandemia, ou melhor, o seu controle, não é homogêneo em todas as localidades do país.

Nessa conjuntura, é complicado, de certo modo, visualizar um retorno presencial às aulas universitárias. Mesmo que seja nessa etapa de ensino que a filosofia de vida do discente se consolida e seu aprendizado escolar é pensado sobretudo para atender sua consolidação no mundo do trabalho, as adversidades pandêmicas dificultam um querer mais urgente da volta às aulas presenciais. Não compreendemos como sem perspectiva de retorno presencial, bem como acreditamos que muito em breve a situação poderá ser muito mais propícia tendo em vista o avanço na vacinação contra COVID-19 no país.

Observações finais

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Nesse retorno presencial, cabe urgentemente aos docentes compreenderem que seus alunos não são ‘caixinhas vazias’ que o conhecimento deve vir a preencher. Assim como defende Paulo Freire (1989), os estudantes têm seus conhecimentos e vivências prévios, que, com a pandemia, abrangem cada vez mais vertentes. Em casa, o discente passou por experiências, sejam elas positivas ou negativas, que certamente impactarão o processo de ensino e aprendizagem de sua turma, até porque uma turma de alunos não é composta de apenas um estudante, logo, as experiências e seus desdobramentos são dos mais variados.

Por fim, é importante destacar que mesmo sendo planejado há meses pelas secretarias municipais e estaduais de Educação, o retorno às atividades escolares presenciais é marcado também por incertezas. Não sabemos até quando continuaremos com as escolas abertas, já que novas variantes do novo coronavírus ameaçam nosso cotidiano; nem sabemos até que ponto se estende a defasagem educacional dos alunos que agora retornam às unidades escolares. Porém, sabemos que as aulas presenciais são de suma importância para a preservação da perspectiva de futuro dos estudantes.

Os impactos educacionais da COVID-19 certamente reverberarão por tempos para muito além da pandemia, mas a missão de ao menos mitigar os danos na educação, como diz o velho dito popular, ‘é pra ontem’.

Referências bibliográficas

FREIRE, Paulo. “A importância do ato de ler”. In: _____ A importância do ato de ler em três artigos que se completam. 23ª ed. São Paulo: Cortez, 1989, p.9–14.

MORÁN, José. Mudando a educação com metodologias ativas. In: Coleção Mídias Contemporâneas. Convergências Midiáticas, Educação e Cidadania: aproximações jovens. Vol. II. Carlos Alberto de Souza e Ofelia Elisa Torres Morales (orgs.). PG: Foca Foto-PROEX/UEPG, 2015.

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Paulo Henrique da Silva
O Veterano

Graduando em Ciências Sociais na FGV. Fascinado por educação, cultura e direitos humanos.