Série Conjuntura | Macroeconomia comportamental

Pedro Cytryn
O Veterano
Published in
6 min readNov 4, 2020

Nassim Taleb, que é filósofo, ensaísta, palestrante e membro dos círculos de Wall Street, cunhou um dos mais importantes termos no que tange a ciência da incerteza. Definou como Cisnes Negros os eventos que são altamente improváveis, negligenciados de uma certa forma quanto à possibilidade de ocorrerem e que, quando ocorrem, têm impactos muitíssimo elevados[1]. O leitor pode aqui pensar em eventos como guerras, crises econômicas e até mesmo a pandemia do Covid-19. Assim, o autor do presente ensaio admite que, mesmo estando próximo da pandemia na Europa, subestimou seus efeitos até o último segundo, tendo que se evadir rapidamente de lá. Um fato essencial quanto a todas estas situações é que a atribuição de probabilidades simplesmente não segue a lógica convencional. A nossa forma de pensar probabilisticamente envolve inúmeros vieses heurísticos como o framing effect(efeito de enquadramento), efeito de ancoragem, efeito das múltiplas opções, overconfidence (excesso de confiança) etc. Isso foi demonstrado por Daniel Kahneman, psicólogo vencedor do Nobel de Economia de 2002 [2].

Os economistas Anscombe e Aumann nos exibiram que existem duas formas de se falar em probabilidade, sendo uma relacionada a uma concepção da física que se baseia na quantidade de sucessos para determinado número de experimentos, e outra relacionada à comunicação, isto é, aos eventos que se consideram como sendo mais plausíveis que outros. Os eventos que se incluem na primeira definição de probabilidade são tidos como roulette lotteries (loterias de roleta), e remetem ao fato de que quando se joga o jogo de roleta em um cassino as probabilidades de vencer são pré determinadas. O segundo tipo de probabilidade envolve a chamada horse lotteries (loterias de cavalos) e tem a ver com eventos cujas probabilidades simplesmente são desconhecidas. A diferença primordial entre as duas é que a primeira envolve apenas risco e a segunda tanto risco quanto incerteza [3].

É verdade que a maioria dos cursos de graduação em economia consideram apenas a chamada Utilidade Esperada de von Neumann-Morgenstern e que isso dá um carácter extremamente ‘racional’ aos modelos apresentados. Aqui, fala-se da modelagem do chamado homo economicus, uma forma de pensar a economia que não considera as nuances cognitivas do ser humano. Porém, nas últimas décadas, a literatura têm feito inúmeros avanços no sentido de desenvolver o carácter mais descritivo da teoria econômica. Isso ocorreu através do subcampo da microeconomia conhecida como Teoria da Decisão sob Incerteza. Aqui, podemos citar os trabalhos feitos por Savage (1954), que propôs uma medida de probabilidade subjetiva; Ellsberg(1961), que denunciou violações fundamentais dos pressupostas da racionalidade quanto à decisão sob incerteza; Klibanoff, Marinacci, Mukerji(2002), Gilboa e Schmeidler (1989) e Schmeidler (1989), cujos artigos desenvolveram diferentes axiomas para dar melhor tratabilidade aos fenômenos cognitivos de situações onde há risco e incerteza [4].

Em paralelo a tal desenvolvimento nessa área da literatura, outra percepção que cresceu ao longo dos último anos, não só entre acadêmicos mas também entre técnicos de instituições financeiras, é a de que o sistema econômico pode ser descrito como um sistema complexo devido à alta imprevisibilidade que possui. Pense que colheitas no campo estão sujeitas a variações climáticas desfavoráveis que podem surgir de forma repentina; novas tecnologias podem acabar com toda a demanda por um setor industrial. Tomando um exemplo ainda mais próximo, um vírus foi capaz de colapsar os mercados mundiais de um jeito nunca antes visto, nem esperado, pela nossa geração e pela geração de nossos pais.

A forma como nós humanos fazemos nossas escolhas, a imprevisibilidade do sistema econômico em si e, para dificultar, de como as pessoas reagem à imprevisibilidade dos sistema econômico se mostram como enormes desafios para os policy makers (formuladores de políticas). Pense que, para fazer uma boa política macroeconômica o sucesso não dependa apenas do seu desenho, mas também de como as expectativas dos diferentes agentes da economia se adaptam face ao que acham que vai acontecer dada esta nova política. O comportamento do sistema como um todo depende das crenças dos vários participantes dela — os consumidores, os produtores e o governo.

Se muitas pessoas estão incertas quanto a seu trabalho — têm medo de serem demitidas -, tendem a poupar mais e a reduzir o consumo, o que de fato irá reduzir o lucros das firmas da economia e aumentar o desemprego. Existe uma profunda, e ainda pouca estudada, relação entre decisão sob incerteza e o ciclo econômico [5].

Saiamos da teoria e pensemos em problemas mais práticos. Como colocou Milton Friedman, os objetivos da política econômica são garantir baixo desemprego, preços estabilizados e crescimento rápido. Para ele, o melhor caminho para tal seria através da política monetária [6]. Bancos Centrais (BC) ao redor do mundo, responsáveis pela política monetária de seus países, têm como base de seu trabalho lidar com a incerteza dos sistemas econômicos ao definir suas metas de inflação. Existem três diferentes fontes de incerteza com as quais os policy makers do BC têm que lidar; são elas incerteza relacionada à mensuração de dados e à métricas usadas, aos modelos de previsão econômica e ao comportamento futuro das variáveis devido a choques econômicos e geopolíticos e a desastres naturais [7].

Aliás, além de levar em conta essas fontes de incerteza, o BC, ao designar a execução de uma determinada política monetária, precisa lidar também com a reação do público, sociedade no geral, às ações por ele realizadas. Aqui, devemos pensar na formação das expectativas — processo de aprendizado dos indivíduos da economia — e em um termo conhecido como contágio.

A questão das expectativas e como levar as mesmas em consideração podem ser cruciais para o sucesso da política do BC e podem ser compreendidas através do debate em torno da curva de Phillips. Esta nos diz que uma política monetária expansionista por parte do banco central seria capaz de reduzir o desemprego — mais inflação seria igual a mais empregos. Porém, economistas como o já citado Friedman mostraram que, devido às expectativas adaptativas do público (novas informações alteram a percepção que temos do cenário futuro), esse tipo de política para reduzir o desemprego se tornou ineficaz. O motivo para tal estaria no fato de que os consumidores, sendo capazes de antecipar a inflação, evitariam aumentar seu consumo, poupando mais e, com isso, não aumentando a demanda que geraria o aumento dos empregos — pelo contrário, estariam gerando desemprego.

Já a questão do contágio é melhor entendida na forma com que o BC lida com a possibilidade de um crash bancário. Isto é, o BC teve de desenvolver inúmeras práticas de governança bancária, bem como os depósitos voluntário e compulsório dos bancos comerciais, pois sabe que, quando a primeira pessoa retirar seu dinheiro do banco por medo de que ocorra insolvência, todos as outras a seguirão. Isso aumentaria a chance de uma situação de insolvência em efeito cascata, que poderia ser transmitida para todo o sistema financeiro de um país — ou até mesmo mundial. Perceba que tanto as expectativas quanto o contágio nos dizem sobre a forma com que os agentes de uma economia lidam com a própria incerteza em relação ao imprevisível cenário econômico.

O leitor pôde perceber que a forma com que nós, os agentes econômicos, raciocinamos em meio a um sistema caótico é uma grande fonte de problemas para aqueles que têm como dever assegurar a estabilidade econômico-financeira. O desafio parece ser descobrir como conectar tais nuances cognitivas e vieses psicológicos a modelos macroeconômicos para que assim possamos não só melhor explicar os ciclos econômicos, mas também melhor desenhar a política econômica. Tomar decisões é sempre algo complicado e, como colocou Paulo Coelho, “quando alguém tomava uma decisão, na verdade estava mergulhando numa correnteza poderosa, que levava a pessoa para um lugar que jamais havia sonhado na hora de decidir”.

Referências:

[1]TALEB, Nassim Nicholas; A lógica do Cisne Negro; Editora Best Bussiness, 2019, 17a Edição

[2]KAHNEMAN, Daniel; Thinking, Fast and Slow; Penguin Books,2012

[3]F.J. Anscombe; R.J.Aumann; A Definition of Subjective Probability; The Annals of Mathematical S/tatistics, Vol.34, No 1(Mar.,1963),199–205

[4]GILBOA, Itzhak; Theory of Decision under Uncertainty, Cambridge University Press, 2009

[5]AIKMAN, David et. al; Uncertainty in macroeconomic policy-making: art or science?Bank of England(Phil. Trans. R. Soc. A), 2011,Vol. 369, 4798–4817

[6]FRIEDMAN, Milton; The Role of Monetary Policy; American Economic Review, Vol. LVIII, No 1 (Mar., 1968)

[7] MENDES, Rhys et. al; Monetary Policy Under Uncertainty: Practice Versus Theory; Bank of Canada Staff Discussion Paper 2017–13

--

--