Série Finanças | BDR: já pensou em ter ações da Apple?

Kaio Torres Dias
O Veterano
Published in
4 min readFeb 24, 2021
Imagem de PublicDomainPictures por Pixabay

Colocar dinheiro no exterior foi, por muito tempo, um sonho e um tabu para o investidor do Brasil. Para comprar ações da maioria das empresas estrangeiras, por exemplo, era necessário abrir contas em corretoras de outros países e realizar as transações nas moedas desses locais — o que implicava superar uma série de barreiras, desde o idioma até a burocracia. Nesse contexto, o brasileiro tinha que recorrer a vários métodos para investir indiretamente em empresas do exterior — como comprar cotas de fundos que tivessem participação nessas empresas ou colocar dinheiro em ETFs (fundos cujo valor replica índices do mercado, como o Ibovespa) de índices estrangeiros.

No entanto, já havia um meio, disponível para poucos, de se investir em empresas estrangeiras específicas: o Brazilian Depositary Receipts (BDR). Essa categoria de ativo é emitida por instituições que detêm ações de firmas no exterior, de modo que seu valor é lastreado em tais ações. Ou seja, se uma instituição depositária, como um banco, possuir participação na Apple, ela pode emitir BDRs da companhia na bolsa de valores brasileira e esses terão o seu valor atrelado ao valor da empresa. Na prática, comprar BDRs de uma firma equivale a comprar ações da própria para quase todos os efeitos e, assim, eles permitem aos brasileiros investir diretamente em instituições de todo o mundo.

O que tornava esse investimento inacessível à ampla maioria das pessoas eram as restrições impostas pela classificação dos BDRs. Esse sistema divide o ativo em Patrocinados, emitidos a pedido da empresa estrangeira, ou Não Patrocinados, criados por iniciativa da instituição depositária, e em níveis (I, II ou III) — sendo o nível tão mais baixo quanto maiores são as restrições. Dessa forma, apenas investidores qualificados (com mais de R$1.000.000,00 investidos) teriam permissão para negociar os BDRs mais restritos e mais comuns: os de nível I.

Porém, essas restrições mudaram no segundo semestre de 2020. Dado o cenário de taxas de juros baixas e de demanda por maior diversificação nos investimentos, em agosto do ano passado, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) mudou o regulamento dos BDRs e permitiu que os ativos de nível I fossem negociados por investidores não qualificados. Na prática, essa alteração tornou possível a compra de ações de empresas estrangeiras para a maioria dos brasileiros, aumentando consideravelmente suas opções de investimento.

A primeira vantagem dessa ampliação vem do fato de muitas empresas do exterior — em especial, norte-americanas — serem tão ou mais conhecidas aqui do que as firmas nacionais. Nomes como Apple, Microsoft e Facebook são conhecidos por praticamente todos os brasileiros, e muitos estudam os produtos dessas companhias e os mercados nos quais elas atuam. Além disso, algumas empresas nacionais famosas — como Stone e XP — optaram por disponibilizar suas ações somente em mercados estrangeiros, podendo, assim, receber investimentos diretos pela B3 apenas por meio de BDRs. Desse modo, a comercialização ampla desses ativos garante a muitos investidores a oportunidade de colocar seu dinheiro em empresas conhecidas e nas quais confiam.

A segunda vantagem vem da diversificação do local do risco. Isso ocorre devido à rentabilidade da maioria dos ativos de renda variável disponíveis ao investidor no Brasil — ações, cotas de fundos e opções — estar atrelada às expectativas sobre empresas nacionais. Logo, eventos que prejudiquem a economia do país como um todo — escândalos de corrupção, mudanças legislativas, etc. — podem impactar todos os investimentos de um indivíduo de uma única vez. Desse modo, os BDRs possibilitam que os brasileiros transfiram parte do seu risco para outros países, de forma a não estarem tão vulneráveis a variações de nível local.

A terceira e última vantagem se refere à diversificação em termos de setor do mercado. Pode-se dizer isso pois apesar de o Brasil ter empresas de destaque em diversas áreas — como petróleo e mineração –, o país tem uma participação modesta em muitas outras, em particular naquelas ligadas a tecnologia. Assim, os BDRs permitem que investidores dividam seu risco por uma quantidade maior de setores, podendo investir, por exemplo, em líderes globais nos ramos de redes sociais (Twitter), alimentos (Coca Cola) e jogos eletrônicos (Electronic Arts). Essa diversificação evita que eventos prejudiciais a setores inteiros tenham efeitos devastadores sobre as carteiras dos brasileiros.

Portanto, as BDRs se mostram adições valiosas às possibilidades de investimento do cidadão brasileiro. Por meio delas, é possível colocar o dinheiro em uma variedade muito maior de empresas e ter acesso a locais e mercados antes apenas acessíveis a grandes custos. Assim, o investidor do Brasil ganha mais uma oportunidade de diversificar sua carteira e aumentar seus lucros.

Referências:

INFOMONEY. BDRs: para que servem e como investir nos recibos de ações estrangeiras. 2020. Acessado em: fevereiro de 2021. Disponível em: https://www.infomoney.com.br/guias/bdr-brazilian-depositary-receipts/

B3. Brazilian Depositary Receipts — BDRs Não Patrocinados Nível I. 2021. Acessado em: fevereiro de 2021. Disponível em: http://www.b3.com.br/pt_br/produtos-e-servicos/negociacao/renda-variavel/brazilian-depositary-receipts-bdrs-nao-patrocinados-nivel-i.htm

CVM. Caderno CVM nº 14 BDR — Brazilian Depositary Receipts. 1ª edição. Rio de Janeiro. 2020. Acessado em: fevereiro de 2021. Disponível em: https://www.investidor.gov.br/portaldoinvestidor/export/sites/portaldoinvestidor/publicacao/Cadernos/CVM-Caderno-14.pdf

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