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Série Finanças | Cada vez mais alto

João Victor de Andrade
O Veterano
Published in
5 min readMar 3, 2021

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Que o dólar está muito caro, todos nós sabemos. Nas seções de Economia dos jornais, praticamente não se falava de outra coisa até a recente intervenção na Petrobras. Primeiramente, por que o dólar está tão caro? Como o preço do dólar influencia a nossa vida cotidiana? Será que existe algo que o governo possa fazer a respeito disso? Ou seria mais desejável que o Ministério da Economia não interferisse, deixando os movimentos do mercado normalizarem a situação?

É difícil rastrear os motivos das variações cambiais, mas podemos partir de um ponto significativo: a eclosão da pandemia, em 2020. A humanidade foi confrontada com um evento de proporções completamente inéditas, o que trouxe insegurança para o mercado financeiro. Em momentos de crise, de aumento de risco e de incerteza, é natural que os investidores (sejam eles grandes banqueiros ou trabalhadores que têm algum investimento, por exemplo) procurem um “porto seguro” para seu dinheiro.

Falando em nível mundial, esse porto seguro certamente não seria o Brasil. Temos péssimo histórico de crises políticas e má administração resultarem em alta inflação, que foi uma constante de quase todo o século XX e foi controlada somente após o Plano Real, na década de 1990. Ademais, calotes de dívida pública e insegurança no ambiente empresarial são outros agravantes da reputação econômica brasileira. Nesse sentido, não é surpresa alguma a tendência de os investidores procurarem os Estados Unidos em cenários de crise como a atual, uma vez que a força e a estabilidade do dólar são referência para boa parte da economia global.

O capital precisa sair do Brasil e ir para os EUA: para isso, quem tem dinheiro no Brasil precisa trocar seus reais por dólares, o que aumenta sua respectiva demanda no nosso país e, portanto, o seu preço (todo o resto constante). Em 2020, o movimento foi tão forte que o dólar chegou a subir quase 50% entre o início do ano e o mês de maio. O governo utilizou um dos instrumentos possíveis para amenizar a situação: vendeu seus dólares a um preço fixo, impedindo uma nova desvalorização do real.

Pode surgir a questão: “por que não se utiliza um preço fixo sempre?” Nos anos 1990, alguns países, como a Argentina, procuraram utilizar a paridade fixa: um peso argentino valeria um dólar. Apesar disso, como a Argentina também possuía um histórico ruim de gestão econômica, era difícil confiar que o governo conseguiria manter a normalidade no país honrando a promessa de câmbio fixo. Após uma forte crise no início dos anos 2000, a Argentina se viu obrigada a retornar para o câmbio flutuante, em que não há uma proporção fixa entre as moedas.

Outra questão importante é o fato de que as inúmeras dificuldades no controle da pandemia no Brasil dificultam a retomada da normalidade e das atividades econômicas, o que diminui a expectativa de crescimento da renda nacional. Uma consequência do enfrentamento insuficiente ao COVID-19 é o prolongamento do auxílio emergencial, que pressiona o orçamento do governo contra as diretrizes de equilíbrio fiscal — essenciais para garantir a confiança do capital.

Além dos impactos da pandemia, é importante analisar a situação política do país: uma política instável é, geralmente, acompanhada por consequências imprevisíveis para a economia. Apesar de ter sido eleito sob um discurso supostamente liberal, o Presidente da República, Jair Bolsonaro, tem conduzido uma retórica intervencionista e distante das privatizações prometidas durante a campanha. O desalinhamento entre as expectativas e a realidade se traduziu em pessimismo, especialmente pelas declarações polêmicas do presidente. Seja pelas diversas vezes em que endossou ataques aos demais poderes, pelo ataque à ideia de privatizações (como a do CEAGESP) ou por mostrar que está disposto a interferir na economia, via Petrobras e outras estatais, em função da reeleição, Jair Bolsonaro se afastou do ideal liberal que ajudou a elegê-lo.

Mas como isso afeta a vida do cidadão médio? A respeito dos impactos do dólar, não é difícil ver pessoas aparentemente menos instruídas afirmarem que o câmbio é irrelevante, já que elas “não consomem produtos importados”. Isso não é verdade: grande parte dos insumos da indústria e dos alimentos classifica-se como uma commodity, ou seja, é negociada a um preço único no planeta, baseado no dólar. Com o dólar mais caro em relação ao real, os produtos e seus derivados acabam ficando mais caros para o cidadão brasileiro. E mesmo os produtos que não se encaixam nisso podem encarecer, caso exista espaço para exportação ou seus preços dependam de produtos alternativos ou similares. Ao todo, o impacto se dá das maneiras mais diversas: preço da carne, fretes (por conta do combustível), eletrônicos importados, grãos etc.

O impacto mais significativo é sobre empresas que dependem de importações ou exportações. Quem precisa importar para exercer sua atividade dentro do Brasil se vê numa situação muito difícil: ao mesmo tempo em que seus custos operacionais aumentam, é possível que a sua receita diminua, uma vez que os indivíduos perdem poder de compra, no geral. Por outro lado, quem exporta acaba lucrando com a alta do dólar: suas vendas rendem mais reais, enquanto suas despesas não mudam muito, pois são baseadas na economia doméstica. Para se proteger (ou, do outro lado, ter a oportunidade de lucrar) em situações assim, algumas empresas e bancos adotam a prática do chamado swap cambial: uma empresa que tenha uma dívida em dólar para ser quitada mais à frente e receia uma desvalorização do real pode “repassar” a sua dívida por reais para um banco que queira apostar contra a alta do dólar.

E como retornarmos à “normalidade” cambial? O cenário de mais exportações e menos importações tem seu papel: a procura por reais aumenta no mercado global (para pagar os exportadores), enquanto a nossa demanda por dólares diminui (já que estamos importando menos), pressionando o preço do dólar para baixo. Porém, isso não é garantia. É necessário que mais dinheiro estrangeiro venha para o Brasil. A proporção da balança comercial (exportações menos importações) é relevante, mas o fluxo de capital (via mercado financeiro ou investimentos físicos) é crucial. Para isso, é necessário que os governos sejam mais assertivos, fiscalmente responsáveis e previsíveis. Não é o nosso forte.

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João Victor de Andrade
O Veterano

Former Brazilian Army cadet. Economics student. Conservative.